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domingo, 27 de maio de 2007

Sentido da vida: o sentido da vida

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 278/1985)

Em síntese: O psicólogo judeu Viktor Frankl, pesquisando o com­portamento de jovens e adultos norte-americanos, verificou o alto teor de neurose que os afeta. Tal fato é surpreendente, se levamos em conta as teorias de Sigmund Freud e Alfred Adler, que afirmam ser a neurose conseqüência de não satisfação do apetite sexual (Freud) ou do apetite de auto-afirmação (Adler); na verdade, os adolescentes e os jovens norte-ameri­canos gozam de numerosas oportunidades de realização de um e outro apetite. - Em conseqüência, Viktor Frankl afirma que em todo ser humano existe ainda outro apetite ou desejo, que, se não é satisfeito, leva à neurose: é o desejo de sentido da vida; sim, o ser humano quer não apenas ser compreendido, mas quer também visceralmente compreender o sentido da vida. Mais: tal apetite não se contenta com a proposta de valores passa­geiros ou fugazes, como são os da moda ou mesmo os do amor meramente humano, mas só se aquieta mediante a proposta de valores estáveis; ora estes são, segundo Frankl, Deus (que não tem princípio nem fim), o espírito (que não se desintegra), a eternidade (perpetuidade ou ininterrupto hoje).

A doutrina de Frankl, que não é cristão, mas fala estritamente como psicoterapeuta, é altamente significativa para os cristãos. Estes são chama­dos a corroborar sua adesão aos valores da fé e a traduzi-los em vida coerente para atender não só aos seus anseios pessoais, mas para prestar ao mundo um serviço, ... serviço que, na verdade, nenhum terapeuta, munido apenas de conhecimentos científicos, pode prestar.

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Viktor Frankl é um psicólogo e psiquiatra judeu nascido na Áustria. Foi perseguido pelo nacional-socialismo, que o encerrou no campo de concentração de Auschwitz, donde con­seguiu escapar com vida. Passou então a residir nos Esta­dos Unidos, onde leciona e pesquisa como professor univer­sitário. É professor honorário de Universidades de diver­sos países. Escreveu uma dezena de livros sobre o ser humano, entre os quais se salientam: «O homem em busca do sentido», «Psicoterapia e sentido da vida», «Psicoterapia e existencia­lismo» ... Viktor Frankl foi o sucessor de Sigmund Freud na cátedra de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universi­dade de Viena e é o criador do método psicoterapêutico cha­mado «Logoterapia».

É precisamente este aspecto original de Viktor Frankl que nos interessará nas páginas seguintes.

O presente artigo se baseia estritamente na apresentação de Viktor Frankl feita pelo Pe. João Mohana em seu livro «Escolhidos de Deus», Ed. Loyola 1984, pp. 109-123. - Em próximo artigo, analisaremos diretamente tópicos do livro «Psi­coterapia e Sentido da Vida» de Viktor Frankl.

1 . A tese de Viktor Frankl

1 .1 . O desejo de sentido da vida

Viktor Frankl estudou a cultura norte-americana, carac­terizada pelo puerocentrismo ou pelos cuidados dispensados à criança.

Verificou, entre outras coisas, que, embora a juventude norte-americana tenha liberdade para praticar o sexo, o índice de neuróticos entre os cidadãos norte-americanos é muito ele­vado. Na verdade, a descontração sexual nos Estados Unidos é livremente vivenciada pelos jovens; a vontade de prazer é contentada nos rapazes e nas moças norte-americanos. Ora, segundo as concepções freudianas, a neurose é o produto da repressão do sexo; a frustração sexual é mecanismo desencadeador de doenças. Foi o que levou Viktor Frankl a perguntar como se explicava a neurose de tanta gente livre para praticar o sexo.

Mais: o mesmo pesquisador verificou que nos Estados Uni­dos o impulso de auto-afirmação ou a vontade de poder encon­tra ampla realização e satisfação; aos jovens são dadas chan­ces que a juventude de outros países ignora. Ora, segundo Alfred Adler, a neurose decorre da frustração da auto-afir­mação pessoal; é doença da personalidade cujo impulso de auto­-afirmação ou cuja vontade de poder é reprimida.

Perguntou então Frankl: como se explicam os numerosos casos de neurose existente nos Estados Unidos se lá a juven­tude goza de liberdade sexual, de garantias profissionais e

faci­lidades sociais? Em outras palavras: se o desejo de prazer e o desejo de poder encontram a sua satisfação, como entender que pululem os casos de neurose entre os jovens norte-americanos?

O pesquisador austríaco respondeu: o vazio e a angústia existenciais que afetam o homem, decorrem muitas vezes de outra frustração, não levada em conta por Freud e Adler; com efeito, dizia Frankl, em todo homem há também uma «vontade de sentido» ou o desejo de saber o significado da vida, o por que e o para que viver. Tal necessidade de sentido da vida é um impulso especificamente humano, arraigado nas camadas mais profundas do psiquismo.

Os animais irracionais existem como os homens. Mas somente os homens querem saber por que existem e para que existem; estes aspiram não apenas a ser compreendidos, mas também a compreender a vida; tal aspiração é inata, imperiosa e incoercível. Em conseqüência, todas as vezes que deixa de ser atendida, entra em frustração e causa neurose, ... neurose que Viktor Frankl chama noógena (de nous, espírito), pois ela decorre, em última instância, do fato de que o homem é mais do que matéria; é dotado de uma alma espiritual, que é capaz de se elevar acima das situações momentâneas e de pro­curar os porquês ou as grandes premissas de cada realidade contingente.

É a falta de resposta para a vontade de sentido que explica muitos dos casos de suicídio em nossos dias. Em 1978 houve 14.600 suicídios de jovens entre 17 e 20 anos na França; todos deixaram sinais de que haviam perdido o sentido da existência. Não basta o amor dos pais para curar este tipo de neurose. Por isto já está superado o slogan: «Ame seu filho e você o livrará da neurose»; é preciso que os pais apresentem a seus filhos também o sentido da vida.

1.2. Valores instáveis e estáveis

Viktor Frankl, em suas pesquisas, descobriu ulteriormente que o sentido da vida só se revela quando o homem encon­tra valores estáveis. Isto bem se compreende. Valores instá­veis e passageiros não impedem a insegurança; quando se vão, esvai-se aquilo que parecia dar sentido à vida.

Muitos são os exemplos de valores efêmeros, nos quais ilu­soriamente o ser humano pode procurar a resposta para as suas aspirações congênitas:

Tais são os bens de consumo, que são sempre substituídos por outros, «mais modernos» ou «mais funcionais». Tais são também a glória, o poder, o prestígio, que não duram sempre, mas têm suas fases. Tal é outrossim o prazer sensual, pois o corpo e a sensibilidade se esmaecem e desintegram. Até mesmo o amor humano tem o caráter da finitude e da limitação.

Feita esta analise, Viktor Frankl chegou à conclusão de que três são os valores estáveis capazes de dar ao homem o sentido da vida: Deus (que não tem princípio nem fim), o espírito (que não se desintegra nem desaparece), a eternidade (que significa perpetuidade ou o não-acaso).

A saúde mental requer a descoberta desses três valores estáveis e a adesão aos mesmos. Sempre que Frankl tentou usar a psicoterapia freudiana (que supõe ser a neurose de fundo sexual meramente) ou a adleriana (que atribui a neurose à não consecução da auto-afirmação), fracassou. Dai ter criado novo método psicoterapico - a Logoterapia -, que tenta levar o paciente à descoberta dos valores estáveis, capa­zes de o saciar. Segundo Frankl, o médico que não ajuda o paciente a encontrar o sentido da vida e a descobrir os valo­res estáveis, fracassa em sua missão. - Wilfried Daim, discí­pulo de Frankl, chega a afirmar que «o psicoterapeuta que não instala no paciente o conflito de Deus (primeiro dos valores estáveis), não o liberta da neurose».

As conclusões de Frankl, que fala tão somente como psi­cólogo, e psicólogo não vinculado ao Cristianismo, são alta­mente significativas; convergem com o conteúdo da mensagem cristã. Daí a conveniência de uma reflexão sobre o assunto.

2. Refletindo...

A tese de Viktor Frankl interpela vivamente os cristãos em dois níveis:

1) A todos o psicólogo austríaco lembra que os valores apregoados pela fé são os únicos aptos a responder ao homem. Já bem dizia S. Agostinho ( 430), depois de ter percorrido algumas escolas de filosofia da sua época: «Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o nosso coração enquanto não repousa em Ti» (Conf. I 1). Diante da avalanche de propostas materialistas para responder ao homem de hoje, os bens espi­rituais - tidos por muitos talvez como meramente poéticos e inconsistentes - avultam-se como os únicos valores capazes de satisfazer aos anseios mais profundos do homem. Isto se compreende bem: qualquer promessa de felicidade transitória só pode deixar decepcionado o homem, cujas aspirações se vol­tam para a felicidade sem fim; qualquer bem que passa, por mais fascinante que seja, é pequeno demais para a capacidade do ser humano.

2) De modo especial, as conclusões do psicólogo austríaco recomendam a tarefa dos sacerdotes e Religiosos que, além de consagrar toda a sua vida ao serviço dos valores definitivos, procuram transmiti-los aos seus irmãos. Viktor Frankl, em­bora não seja cristão, apela para o serviço dos ministros reli­giosos, julgando que o ministro de Deus esta particularmente credenciado para transmitir à humanidade a noção dos valores estáveis. O psicoterapeuta não pode fazer isto sozinho.

Esta verificação de V. Frankl projeta luz sobre o que se chamaria «a crise de identidade» de certos Religiosos. Na verdade, alguns destes, julgando que o mundo moderno se des­cristianizou e materializou quase por completo, poderiam ser propensos a crer que não têm mais função a desempenhar em nossos dias, pois os valores religiosos estariam em grande baixa. Enganar-se-ia quem assim pensasse, induzido talvez por opi­niões precipitadas e superficiais de falsos «profetas». - Aos Religiosos cabe hoje um papel tão urgente e necessário como nunca. Alguns, por sua palavra e sua ação, tentam despertar em seus irmãos a noção dos valores estáveis para os quais o homem foi feito; são os que pregam e ensinam as verdades da fé em sua pureza não secularizada ou com toda a pujança do transcendental que as impregna. Outros procuram viver no silêncio contemplativo e na clausura esses valores estáveis, demonstrando praticamente aos seus irmãos que tais valores podem preencher a vida de uma criatura e comunicar a esta a paz, a felicidade e a liberdade que o mundo não é capaz de dar (cf. Jo 14,27) ; pelo fato mesmo de viverem fielmente a sua vocação contemplativa, são sinal e testemunho para os seus semelhantes, ... sinal que indica o sentido da vida, ... sinal que fala até mesmo aos casais, ajudando-os a viver mais cristãmente a sua vida conjugal (a qual é um sacramento permanente).

Na época materialista em que vivemos, presenciando tan­tos casos de neurose existencial, a doutrina de Viktor Frankl é certamente luz e solução para muitos dos que se debatem na angústia e no desespero.

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