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quarta-feira, 25 de julho de 2007

Contrôle de Natalidade: permitida ligadura de trompas?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 007/1958)

“Em região de acesso difícil, ao se fazer uma operação cesariana, é permitida a ligadura preventiva das trompas?”

A resposta há de ser negativa, em virtude dos princípios citados em “Pergunte e Responderemos” 4/1958 qu. 8: a ligadura no caso não visaria curar um órgão em si doente a fim de salvaguardar a vida da paciente; mas equivaleria a uma operação mutiladora ou esterilizadora, não absolutamente necessária à conservação da vida da mulher. Tal operação é ilícita, pois toda criatura humana tem a obrigação de conservar íntegra a sua natureza para poder glorificar o Criador exercendo as funções que Este lhe atribuiu.

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domingo, 8 de julho de 2007

Casamento: porque a Igreja Católica proíbe o divórcio?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 007/1957)

As razões pelas quais a Igreja proíbe o divórcio, já ante­riormente expostas (cf. qu. 4 deste fascículo), não são de modo nenhum desvirtuadas pelas palavras de Jesus acima referidas.

Para maior clareza de exposição, eis os textos mencionados, na tradução mais corrente que se lhes dá:

Mt 5,32: «Todo aquele que repudia sua esposa, fora do caso de adultério (parektós lógou pornéias), expõe-na a adultério; e todo aquele que esposa u'a mulher repudiada, comete adultério»;

Mt 19,9: «Todo aquele que repudia sua esposa, a não ser em caso de adultério (me epi pornéiai), e se casa com outra, comete adultério».

Estas duas passagens são interpretadas pelos cristãos cis­máticos do Oriente e pelos protestantes como se autorizassem o divórcio em caso de adultério. Verifica-se, porém, que tal interpretação não condiz com os textos paralelos de Mc 10,11s e Lc 16,18, em que Jesus ensina irrestritamente a indissolubi­lidade do matrimônio (omitida a cláusula de adultério); su­põe, além disto, haja São Paulo ordenado em nome do Senhor o contrário do que o Senhor mesmo preceituou:

«Aos cônjuges ordeno, não eu, mas o Senhor: a esposa não se separe do marido e, se porventura se separar, não se case de novo» (1 Cor 7,10s).

Já estas considerações tornam a interpretação divorcista dos textos de Mt assaz suspeita, se não impossível; o Evange­lho tem que ser explicado primariamente pelo Evangelho e pela Escritura Sagrada em geral. Ora, no tocante aos textos de Mt 5 e 19, não resta dúvida de que S. Marcos, S. Lucas e S. Paulo nos transmitem a genuína mente do Senhor.

À vista disso, os exegetas conhecem duas principais expli­cações das referidas palavras do Mestre:

1) a sentença clássica desde os tempos de São Jerônimo (†420), traduzindo a palavra grega pornéia por «adultério», ensina que Jesus realmente admitiu o repúdio da esposa em ca­so de adultério, ou seja, a separação do casal, o desquite, mas com isto não autorizou novas núpcias, pois Ele acrescenta que todo varão que se case com u'a mulher repudiada ou desqui­tada comete pecado (Mt 5,32), assim como peca todo homem desquitado que se case de novo antes da morte de sua esposa (Mt 19,9).

Poder-se-ia perguntar por que Jesus fez menção especial do caso de adultério, ao formular as normas acima.

Os motivos se depreendem sem grande dificuldade: em Mt 6,32, se Jesus não tivesse feito a exceção, haveria dito que o marido que repudia a esposa adúltera, a expõe a adultério — afirmação muito estranha! Além disto, a propósito tanto de Mt 5 como de Mt 19, note-se que o adultério era objeto de particular atenção na Lei mosaica; o marido que surpreendesse a mulher em adultério, tinha o direito, se não o dever, de a denunciar e de provocar o castigo da mesma, que era habitual­mente a pena de morte (cf. Lev 18,20; 20,10; Dt 22,20): ora, uma vez morta a esposa adúltera, está claro que o marido, casando-se de novo, não cometeria adultério. Dado, porém, que a esposa adúltera não fosse apedrejada ou não morresse logo, ficaria claro, conforme Jesus, que novas núpcias não seriam permitidas a nenhum dos cônjuges desquitados.

2) Uma interpretação mais recente tem merecido a apro­vação de abalizados exegetas. O Pe. J. Bonsirven, especialista em estudos rabínicos, analisou os textos de Mt à luz da termi­nologia dos judeus contemporâneos de Cristo. Concluiu, ba­seado sobre erudito aparato de filologia bíblica e extra-bíblica assim como de jurisprudência rabínica, que o termo grego por­néia corresponde ao hebraico zenut; ora este designava não o adultério (como supõe a interpretação clássica), mas o con­cubinato, ou seja, a união ilícita, o matrimônio falsa ou nulo (cf. Lev 18,7-18; Jo 4,17s; 1 Cor 5.1). Suposto isto, Jesus have­ria condenado o divórcio em casos de matrimônio válido; tê-lo-ia, porém, permitido (se se pode assim dizer) desde que se trate de casamento nulo ou de união incestuosa (não há dúvida, esta também pode ser saneada pela legalização do matrimônio ou pela legitimação do contrato nupcial).

Veja-se J. Bonsirven, Le divorce dans le Nouveau Testament. Tournai 1949; Revista Eclesiástica Brasileira 12 (1952) 609s; Revista de Cultura Bíblica 1 (1956) 1-16.

Além destas duas sentenças, uma terceira goza de certa voga (cf. a nota explicativa a Mt 19,9 na «Bíblia de Jerusa­lém»);

A lei de Moisés (Dt 24,1) concedia ao marido repudiar a esposa, caso nela notasse «algo de torpe», 'erwat dabar. Esta expressão, vaga como é, recebia duas interpretações por parte das escolas rabínicas contemporâneas a Cristo: a de Hillel alar­gava ao máximo o sentido das palavras, compreendendo sob elas até uma falta de respeito ou leve ofensa; a de Shammai, ao contrário, entendia o 'erwat dabar no estrito sentido de adultério. Pois bem; perante as duas sentenças discutidas, Je­sus se teria recusado a tomar posição; haveria dito, por conse­guinte, em Mt 19,9:

«Todo aquele que repudia sua esposa — não falo do 'erwat dabar, das possibilidades de repúdio admitidas pelos casuístas judeus — e se casa com outra, comete adultério».

Deixando, porém, de tomar partido entre Hillel e Shammai, Jesus não entendia permitir o divórcio (separação com novas núpcias), como se depreende das suas próprias palavras, assim como de todo o contesto do Evangelho e do Novo Testamento.

Parece merecer preferência a primeira ou a segunda interpretação acima proposta.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Casamento: a igreja permite o divórcio?

(Revista Pergunte e responderemos, PR 007/1957)


As razões pelas quais a Igreja proíbe o divórcio, já ante­riormente expostas (cf. qu. 4 deste fascículo), não são de modo nenhum desvirtuadas pelas palavras de Jesus acima referidas.

Para maior clareza de exposição, eis os textos mencionados, na tradução mais corrente que se lhes dá:

Mt 5,32: «Todo aquele que repudia sua esposa, fora do caso de adultério (parektós lógou pornéias), expõe-na a adultério; e todo aquele que esposa uma mulher repudiada, comete adultério»;

Mt 19,9: «Todo aquele que repudia sua esposa, a não ser em caso de adultério (me epi pornéiai), e se casa com outra, comete adultério».

Estas duas passagens são interpretadas pelos cristãos cis­máticos do Oriente e pelos protestantes como se autorizassem o divórcio em caso de adultério. Verifica-se, porém, que tal interpretação não condiz com os textos paralelos de Mc 10,11s e Lc 16,18, em que Jesus ensina irrestritamente a indissolubi­lidade do matrimônio (omitida a cláusula de adultério); su­põe, além disto, haja São Paulo ordenado em nome do Senhor o contrário do que o Senhor mesmo preceituou:

«Aos cônjuges ordeno, não eu, mas o Senhor: a esposa não se separe do marido e, se porventura se separar, não se case de novo» (1 Cor 7,10s).

Já estas considerações tornam a interpretação divorcista dos textos de Mt assaz suspeita, se não impossível; o Evange­lho tem que ser explicado primariamente pelo Evangelho e pela Escritura Sagrada em geral. Ora, no tocante aos textos de Mt 5 e 19, não resta dúvida de que S. Marcos, S. Lucas e S. Paulo nos transmitem a genuína mente do Senhor.

À vista disso, os exegetas conhecem duas principais expli­cações das referidas palavras do Mestre:

1) a sentença clássica desde os tempos de São Jerônimo (†420), traduzindo a palavra grega pornéia por «adultério», ensina que Jesus realmente admitiu o repúdio da esposa em ca­so de adultério, ou seja, a separação do casal, o desquite, mas com isto não autorizou novas núpcias, pois Ele acrescenta que todo varão que se case com uma mulher repudiada ou desqui­tada comete pecado (Mt 5,32), assim como peca todo homem desquitado que se case de novo antes da morte de sua esposa (Mt 19,9).

Poder-se-ia perguntar por que Jesus fez menção especial do caso de adultério, ao formular as normas acima.

Os motivos se depreendem sem grande dificuldade: em Mt 6,32, se Jesus não tivesse feito a exceção, haveria dito que o marido que repudia a esposa adúltera, a expõe a adultério — afirmação muito estranha! Além disto, a propósito tanto de Mt 5 como de Mt 19, note-se que o adultério era objeto de particular atenção na Lei mosaica; o marido que surpreendesse a mulher em adultério, tinha o direito, se não o dever, de a denunciar e de provocar o castigo da mesma, que era habitual­mente a pena de morte (cf. Lev 18,20; 20,10; Dt 22,20): ora, uma vez morta a esposa adúltera, está claro que o marido, casando-se de novo, não cometeria adultério. Dado, porém, que a esposa adúltera não fosse apedrejada ou não morresse logo, ficaria claro, conforme Jesus, que novas núpcias não seriam permitidas a nenhum dos cônjuges desquitados.

2) Uma interpretação mais recente tem merecido a apro­vação de abalizados exegetas. O Pe. J. Bonsirven, especialista em estudos rabínicos, analisou os textos de Mt à luz da termi­nologia dos judeus contemporâneos de Cristo. Concluiu, ba­seado sobre erudito aparato de filologia bíblica e extra-bíblica assim como de jurisprudência rabínica, que o termo grego por­néia corresponde ao hebraico zenut; ora este designava não o adultério (como supõe a interpretação clássica), mas o con­cubinato, ou seja, a união ilícita, o matrimônio falsa ou nulo (cf. Lev 18,7-18; Jo 4,17s; 1 Cor 5.1). Suposto isto, Jesus have­ria condenado o divórcio em casos de matrimônio válido; tê-lo-ia, porém, permitido (se se pode assim dizer) desde que se trate de casamento nulo ou de união incestuosa (não há dúvida, esta também pode ser saneada pela legalização do matrimônio ou pela legitimação do contrato nupcial).

Veja-se J. Bonsirven, Le divorce dans le Nouveau Testament. Tournai 1949; Revista Eclesiástica Brasileira 12 (1952) 609s; Revista de Cultura Bíblica 1 (1956) 1-16.

Além destas duas sentenças, uma terceira goza de certa voga (cf. a nota explicativa a Mt 19,9 na «Bíblia de Jerusa­lém»);

A lei de Moisés (Dt 24,1) concedia ao marido repudiar a esposa, caso nela notasse «algo de torpe», 'erwat dabar. Esta expressão, vaga como é, recebia duas interpretações por parte das escolas rabínicas contemporâneas a Cristo: a de Hillel alar­gava ao máximo o sentido das palavras, compreendendo sob elas até uma falta de respeito ou leve ofensa; a de Shammai, ao contrário, entendia o 'erwat dabar no estrito sentido de adultério. Pois bem; perante as duas sentenças discutidas, Je­sus se teria recusado a tomar posição; haveria dito, por conse­guinte, em Mt 19,9:

«Todo aquele que repudia sua esposa — não falo do 'erwat dabar, das possibilidades de repúdio admitidas pelos casuístas judeus — e se casa com outra, comete adultério».

Deixando, porém, de tomar partido entre Hillel e Shammai, Jesus não entendia permitir o divórcio (separação com novas núpcias), como se depreende das suas próprias palavras, assim como de todo o contesto do Evangelho e do Novo Testamento.

Parece merecer preferência a primeira ou a segunda interpretação acima proposta.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Deus: provas da existência de Deus

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 006/1957)

MAURÍCIO (Rio de Janeiro):

1) "Quais as provas da existência de Deus?"

Os argumentos clássicos em favor da existência de Deus, já parcialmente esboçados pelo filósofo grego Aristóteles (+322 a. C), podem-se resumir nas três seguintes vias:

1. A contingência do movimento.

a) Há no mundo movimento e mudanças contingentes, transitórios.

Proposição evidente, ditada pela experiência cotidiana.

b) Ora todo ser que se mova contingentemente, é mo­vido por outro.

Com efeito, "entrar em movimento" ou "mudar" signi­fica "receber uma perfeição ou determinação não possuída". Doutro lado, "mover" implica "dar tal perfeição". É, porém, impossível que o mesmo ser receba e dê ao mesmo tempo a mesma perfeição, pois, para receber, é preciso não ter; para dar, requer-se que tenha. Dada a impossibilidade de ter e não ter ao mesmo tempo o mesmo objeto, conclui-se que todo ser que entra em movimento ou se move contingentemente (após um estado de inércia), recebe de outro (causa eficiente ou mo­triz) o princípio de seu movimento. Se ele fosse o próprio princípio adequado de seu movimento, estaria sempre em movimento e mover-se-ia necessariamente, não contingente­mente, deveria estar agindo antes de começar a agir - o que é absurdo.

c) Na série das causas motrizes, deve haver uma, Su­prema e Absoluta, que explique o movimento das demais e por nenhuma outra seja explicada. Uma série infinita de causas motrizes dependentes e contingentes nada explicaria, cada qual seria mera transmissora, nenhuma apresentaria a razão e ser do movimento; tal série se poderia comparar a um canal que se prolongasse muito, mas fosse destituído de fonte; ora, se não há fonte, não há nem intermediários (ou canal) nem há efeito. Um conjunto numeroso (diga-se: infinito) de es­pelhos a refletir uma imagem não dá conta, por si só, da ima­gem neles refletida; cada um apresenta uma figura espelhada dependente, a qual supõe a figura que se espelha, absoluta.

Poder-se-ia replicar que o processo do movimento se veri­fica desde toda a eternidade; por isto, não tem princípio. Neste caso, porém, seria desde toda a eternidade que a série dos moventes dependentes exigiria um Movente Absoluto, indepen­dente; o simples fato de haver movimento o pede; o tempo ou a duração é apenas medida do fato, mas não constitui uma fonte de energia.

Existe, portanto, um Princípio de todo movimento, o qual por si mesmo possui a sua atividade, sem depender de outro. E tal Movente Absoluto é chamado Deus.

2. Os graus de perfeição dos seres.

a) Observa-se que nada no mundo é absolutamente per­feito, mas tudo parece aproximar-se "mais ou menos" da per­feição simplesmente dita ou do ideal. Quem se serve dos bens desta terra, vive num perpétuo "encanto desencantado", pois só encontra valores que se desvalorizam. O homem mais pren­dado de bens materiais e espirituais ainda tem capacidade para apreender mais alguma coisa; também o homem mais santo se vê sempre inferior aos seus propósitos.

b) Ora o relativo supõe necessariamente o Absoluto.

Todo homem que fala de "mais" e "menos (bom, belo, ve­raz.)", só o faz porque tem em mente, implícito, o conceito do Máximo, daquilo que é "por excelência", sem restrição nem limitação. Quem experimenta o caráter relativo das coisas, re­conhece a presença de um Ser Absoluto e Exemplar; é so­mente a existência deste que justifica a apreciação mais ou menos favorável que se faz das coisas relativas.

Em linguagem mais técnica, as considerações acima se po­deriam assim formular: observem-se as perfeições que por si mesmas não dizem imperfeição alguma — a bondade, a bele­za, a justiça, a ciência (há, sim, perfeições que em si implicam imperfeição;' assim o "arrepender-se", o conhecimento sensi­tivo, sempre restrito, o "raciocinar progressivamente", sempre sujeito a erros...). Aquelas perfeições em seu conceito não incluem negação nem lacuna; se a incluíssem, dever-se-ia dizer que a bondade é, por sua própria essência, a maldade,... que a beleza é, por sua essência, a feiúra, etc. Se, portanto, existe no mundo bondade, mas bondade restrita; se existe beleza, mas beleza restrita deste ou daquele modo; se existe vida, mas vida limitada em tais e tais seres reais, estes seres supõem ne­cessariamente outro que neles tenha limitado a bondade, a be­leza, a vida, e que por nenhum outro seja limitado. Em outros termos: supõem outro que neles tenha feito a composição da bondade, da beleza... com aquilo que as restringe, pois tal composição não se explica pela natureza da bondade mesma nem pela da beleza mesma. E esse Composi­tor há de ser a Bondade Absoluta, irrestrita, a Beleza Absoluta, a Justiça Absoluta - medida e causa eficiente dos seres li­mitados.

c) Existe, pois, a Perfeição Ilimitada.

O parágrafo b), acima, levava a concluir: existe o abso­lutamente Belo, o absolutamente Bom, o absolutamente Ve­raz, etc.

Contudo, se se reflete mais um pouco, verifica-se que Bon­dade, Beleza, Verdade não são senão modalidades do ser; signi­ficam o ser sob determinado aspecto (o ser comparado à in­teligência, o ser comparado à vontade, o ser comparado ao senso estético...). Em conseqüência, afirmar-se-á: há um Ser que é ao mesmo tempo Bom sem limite (a Bondade mesma), Veraz sem limite (a Verdade mesma), Belo sem limite (a Be­leza mesma). Este Ser não recebe sua Bondade nem sua Vera­cidade nem sua Existência de uma fonte extrínseca, mas Ele as tem de per si, por sua própria entidade; se as recebesse de fora, Ele só as poderia receber de maneira limitada, partici­pada (ou em parte). For conseguinte, esse Ser não tem, mas é, sua própria Perfeição. A Ele se atribui o nome de Deus.

3. A ordem e a finalidade existentes no universo.

a) Quem considera o universo, não pode deixar de nele verificar ordem estupenda e tendência de múltiplos elementos (por si indiferentes a múltiplas possibilidades de concatenação) em demanda de um fim bem determinado.

O "macrocosmos", por exemplo, ou o mundo dos astros apresenta um conjunto de corpos sabiamente coordenados dentro de proporções "astronômicas", ou seja, que escapam às cifras com que o homem habitualmente lida na terra.

O "microcosmos" ou o mundo do átomo reproduz sime­tricamente a estrutura do "macrocosmos" ou, mais precisa-ente, do sistema solar; as minúsculas dimensões e as enor­mes velocidades dos corpúsculos que giram dentro de um átomo atingem por sua vez cifras astronômicas.

No mundo dos viventes, a harmonia dos elementos que constituem um vegetal ou um animal causa surpresa, dada a complexidade das funções concatenadas em vista da conser­vação e da defesa da vida. Basta recordar a estrutura de um olho, de um ouvido. Tenha-se em vista outrossim que, quando se extrai um rim de um organismo doentio, o outro logo se desenvolve além das proporções necessárias ao metabolismo normal. Porque isto? — Porque a natureza parece querer pos­suir uma reserva, "prevendo" o caso eventual de se tornar necessário o trabalho equivalente ao de dois rins. Tais exem­plos se poderiam multiplicar.

b) Tão maravilhosa ordem, tão segura tendência a um fim supõem exista uma Inteligência que as tenha concebido e produzido.

Ordem significa adaptação de diversos elementos entre si em vista de certa finalidade a ser obtida. Ora a adaptação supõe a intuição de um efeito ainda não existente na realidade concreta, mas existente idealmente, ou seja, num intelecto, de modo espiritualizado, superior ao modo corpóreo, sensível. Ordem supõe a intuição da natureza íntima ou da essência de cada um dos seres que estão para ser adaptados; supõe o conhecimento daquilo que é perene e latente sob os fenômenos sensíveis e variáveis que cada corpo dá a ver. Somente quem percebe a estrutura íntima dos seres, sabe utilizá-los como meios para obter determinado efeito.

Pois bem; um conhecimento tal é característico de um es­pírito ou de um ser dotado de inteligência (inteligência e espírito se evocam mutuamente; cf. "Pergunte e Respondere­mos" 3/1957, qu. 1). Só a inteligência é capaz de comparar e apreender as qualidades que podem relacionar ou ligar ele­mentos aparentemente desconexos entre si.

Quem realiza a análise física e química de um relógio, parece explicar perfeitamente as propriedades de cada uma das suas peças' a resistência dos metais, a força das molas, o processo das alavancas, etc. Contudo esse estudioso não explica a escolha de tais peças, nem a sua associação em um maquinismo apto ã contagem do tempo. A razão de ser de tal as­sociação não é indicada pela análise das peças do relógio; não se acha latente em nenhuma de suas molas; nenhuma, por sua natureza, explica porque está assim correlacionada com as demais. Tal razão de ser está, sim, contida fora do relógio, num Ser real existente; foi este que por sua inteligência concebeu e realizou a combinação de elementos necessária ao fim preconcebido de marcar o tempo.

O ser inteligente que por via destes raciocínios se chega a descobrir, há de ser absoluto, ilimitado, incriado, pois a Ele se deve não apenas o ato de dispor em ordem alguns ou muitos seres preexistentes (deixando de parte outros, como poderia fazer um homem), mas igualmente o de conceber e realizar o plano do universo inteiro e de cada um de seus componen­tes. A inteligência que concebe e dá existência real a cada ente desde as raízes do seu ser (das quais emanam suas pro­priedades e atividades), só pode ser o Ser simplesmente dito, o Infinito, que por definição se chama Deus.

Dir-se-á, porém: quem sabe se todas essas estruturas e suas atividades não poderiam ser igualmente produto do acaso?

Não há sério pensador que hoje em dia ainda recorra ao acaso; este expediente implicaria um sofisma clamoroso. De fato; o acaso não é uma causa, nem um agente, mas o cruza­mento não necessário de causas independentes umas das ou­tras; vem a ser, portanto, uma relação entre elementos pree­xistentes, um mero acontecimento verificado entre estes. A in­tervenção do acaso não explica a origem dos agentes que "ca­sualmente" se encontram e combinam. O seguinte exemplo, muito famoso, ainda concorre para evidenciar o absurdo da hipótese do acaso: considere-se uma só molécula de proteína, substância que entra na constituição de qualquer corpo vivo; suponha-se, para simplificar os cálculos, que tenha o peso mo­lecular 20.000 e conste de 2.000 átomos pertencentes a duas es­pécies apenas. A probabilidade de se formar por acaso uma tal molécula se reduz a 2,02 x 10(elevado a menos 321) ou 2,02 x (1/10 elevado a 321) O volume de substância necessária para que uma tal probabilidade se realize, seria o de uma esfera cujo raio exigiria 10(elevado a 82) anos de luz para lhe percorrermos a distância. Quem lançasse ao acaso os áto­mos componentes de tal molécula de proteína ao ritmo de 500 trilhões de vibrações por segundo, dispondo de um volume de átomos igual ao da esfera terrestre, precisaria de 10(elevado a 243) bilhões de anos para obter uma só molécula de proteína. Não esqueçamos, porém, que a Terra só existe há dois bilhões de anos e que a vida nela apareceu há cerca de um bilhão de anos apenas! Leve-se outrossim em conta que um ser vivo se compõe de bilhões de células de proteína e que, segundo a linguagem dos fósseis, bilhões de seres vivos tiveram origem sobre a terra em lapso de tempo notavelmente breve. É o que leva a rejeitar peremptoriamente a origem aleatória do mundo.

Os três grandes argumentos acima, de índole metafísica, são confirmados pelo testemunho da natureza humana mes­ma:

a) todos os povos através dos séculos professaram a cren­ça em Deus. Esta proposição foi lançada em descrédito no sé­culo passado, quando Darwin comunicou ao mundo ter encon­trado na Terra do Fogo um grupo de índios, os Yamana, desti­tuídos de religião (1834). Novas explorações, porém, empreen­didas no século 20 por estudiosos austríacos, mais competentes em Etnologia do que o naturalista Darwin, levaram a ver que os mencionados aborígines têm religião, e religião assaz pura. Ulteriores pesquisas entre as tribos primitivas do mundo atual incutiram mesmo a conclusão seguinte: quanto mais simples é o grau de cultura de um clã, tanto mais simples e puro é também o seu conceito de Deus; o politeísmo, a magia são des­virtuamentos da religião primitiva, desvirtuamentos que o ho­mem é tentado a realizar quando entra em contato mais assí­duo com as forças da natureza; tende então ilògicamente a esfacelar o conceito de Deus e distribuir os atributos divinos pelos seres materiais de que ele depende para efetuar sua in­dústria e seu comércio;

b) também merece atenção o brado de todo indivíduo humano em demanda de bem-aventurança. Não há quem não queira ser feliz, e feliz sem limites, pela posse de um bem que nunca se acabe. Ora tal sede inata só se explica razoavelmente se de fato existe o Objeto infinitamente bom a ela correspon­dente; a natureza se manifesta em tudo harmoniosa, coerente consigo mesma. É o Bem Infinito que fala peia consciência de todo indivíduo, chamando-o a si mediante a norma gravada no íntimo de cada um: "Faze o bem, evita o mal". É esse mes­mo Ser que se faz ouvir pelo remorso conseqüente a uma vio­lação da consciência.

Ó grandeza do homem, a de não estar condenado a viver e morrer de si para si! É, ao contrário, entre o Alfa e o Omega que ele se move neste mundo!

Sobre o tema abordado nesta resposta, pode-se consultar com pro­veito:

P. Cerruti, A Caminho da Verdade Suprema. Universidade Católica do Rio de Janeiro 1954, 461-584.

J. A. O'Brien, Deus existe? Editora Vozes de Petrópolis 1949.

Lecomte du Noiiy, O homem e o seu destino. Editora Educação Na­cional. Porto 1953.