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sábado, 17 de outubro de 2009

Por que não sou ateu

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 361/92)

Em síntese: O artigo examina três razões que podem levar alguém a não ser ateu: 1) o testemunho da ciência contemporânea; 2) a pré-história e a história da humanidade; 3) a insuficiência do homem para bastar a si mesmo. Considera outrossim cinco dificuldades para crer: 1) o mal no mundo; 2) o desconhecimento da doutrina da fé; 3) obstáculos de ordem moral; 4) o contratestemunho de pessoas de fé; 5) o claro-escuro da fé.

O ateísmo é uma atitude que se vai difundindo em nossa sociedade, nem sempre sob a forma de militância anti-religiosa, mas freqüentemente como indiferentismo; dir-se-ia que o homem contemporâneo não precisa mais de Deus, pois consegue, mediante os avanços da ciência e da técnica, criar para si mesmo um bem-estar que lhe dá certa satisfação, tida como suficiente.

Esta atitude suscita a muitos as questões: "Por que não és ateu também tu? Será que ainda precisas das muletas ou do tapa-buraco da Religião para te equilibrares na vida?"

A resposta a tais perguntas fará o conteúdo deste artigo, que vamos distribuir em duas Partes: I. Por que não sou ateu? II. Dificuldades para crer hoje em dia.


I. POR QUE NÃO SOU ATEU?

Três principais razões me impedem de ser ateu:

1.1. A Ciência Contemporânea

Houve tempo em que se dizia que a ciência é inimiga da fé. Atualmente, ao contrário, verifica-se que a ciência tende a reconhecer cada vez mais os vestígios de uma Inteligência e de um Poder Supremos, que têm o nome DEUS. O mundo, com suas dimensões vertiginosamente grandes e pequenas, não pode ser produto do acaso, como hoje geralmente se reconhece, mas dá testemunho do Criador,... Criador distinto da natureza e anterior a ela, não força cega que vai evoluindo e se identifica com o próprio mundo. São muitos os testemunhos de grandes cientistas que apontam a existência de Deus:

Max Plank (1858-1947), físico alemão, criador da teoria dos quanta, Prêmio Nobel 1928:

"Para onde quer que se dilate o nosso olhar, em parte alguma vemos contradições entre Ciências Naturais e Religião; antes, encontramos plena convergência nos pontos decisivos. Ciências Naturais e Religião não se excluem mutuamente, como hoje em dia muitos pensam e receiam, mas completam-se e apelam uma para a outra. Para o crente, Deus está no começo; para o físico, Deus está no ponto de chegada de toda a sua reflexão":

Albert Einstein (1879-1955), físico judeu alemão, criador da teoria da relatividade, Prêmio Nobel 1921:

"Todo profundo pesquisador da natureza deve conceber uma espécie de sentimento religioso, pois ele não pode admitir que ele seja o primeiro a perceber os extraordinariamente belos conjuntos de seres que ele contempla. No universo, incompreensível como ele é, manifesta-se uma inteligência superior e ilimitada. - A opinião corrente de que eu sou ateu, baseia-se sobre grande equívoco. Quem a quisesse depreender de minhas teorias científicas, não teria compreendido o meu pensamento":

Werner von Braun (1912-1977), físico alemão e pesquisador da energia atômica:

"Não se pode de maneira nenhuma justificar a opinião, de vez em quando formulada, de que na época das viagens espaciais temos conhecimentos da natureza tais que já não precisamos de crer em Deus. - Somente uma renovada fé em Deus pode provocar a mudança que salve da catástrofe o nosso mundo. Ciência e Religião são, pois, irmãs e não poios antitéticos".

M. Hartmann (1876-1962), Diretor do Instituto de Biologia Max Plank:

"Os resultados da mais desenvolvida ciência da natureza ou da Física não levantam a mínima objeção à fé num Poder que está por trás das forças naturais e que as rege. Tudo isto pode aparecer mesmo ao mais critico pesquisador como uma grandiosa revelação da natureza, levando-a a crer numa todo-poderosa Sabedoria que se acha por trás desse mundo sábio".

Guglielmo Marconi (1874-1937), físico italiano, inventor da telegrafia sem fio, Prêmio Nobel 1909:

"Declaro com ufania que sou homem de fé. Creio no poder da oração. Creio nisto não só como fiel cristão, mas também como cientista".

A.S. Eddington (1882-1946), físico e astrônomo britânico: "A Física moderna leva-nos necessariamente para Deus".

Thomas Alva Edison (1847-1931), inventor no campo da Física, com mais de 2.000 patentes:

"Tenho enorme respeito e a mais elevada admiração por todos os engenheiros, especialmente pelo maior deles: Deus!"

Tais testemunhos se poderiam multiplicar. Falam eloqüentemente.


1.2. Pré-história e História da Humanidade

Quem estuda a pré-história, sabe que os vestígios do homem pré-histórico são três: 1) a confecção de instrumentos burilados (pedra lascada para ser machado, arma, balaço...); 2) produção do fogo; 3) sepultamento dos mortos.

Com efeito. O sepultamento dos mortos está entre as primeiras expressões do ser humano, como a fabricação de instrumentos rudimentares. Isto quer dizer que, logo que a inteligência humana desponta, ela se manifesta também pelo respeito aos mortos (coisa que os animais irracionais não praticam); o respeito aos mortos, por sua vez, está associado à noção de vida póstuma, vida com a Divindade.

Por conseguinte, desde que o homem é homem, ele se revela religioso; a fé (bem ou mal estruturada) lhe é congênita. Por isto também ela se manifestou em toda a história da humanidade. O fenômeno do ateísmo é relativamente recente; tal fenômeno não pode ser tido como indício de progresso ou aperfeiçoamento da humanidade, como se dirá sob o título seguinte.


1.3. O Homem não basta a si mesmo

As aspirações, inatas no homem, à Vida plena, à Felicidade integral, à Verdade sem erro, ao Amor sem traição, à Bondade sem falhas... não são preenchidas pelos bens passageiros desta vida. O homem não encontra em si nem nas coisas visíveis que o cercam, a resposta para os seus anseios mais espontâneos. A resposta insofismável para as perguntas básicas "De onde venho? Para onde vou?" não lhe é dada por criatura alguma. Daí a necessidade de se admitir um Absoluto sem deficiências, que seja o Norte polarizador das aspirações do homem; esse Norte está fora do homem; é Deus, ao qual diz S. Agostinho: "Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o nosso coração enquanto não repousa em Ti" (Confissões 11).


Estas afirmações são comprovadas pela recente experiência dos países do Leste europeu: tiveram governos que tentaram organizar toda a sociedade incutindo a não existência de Deus... Tais governos implodiram, fracassaram fragorosamente. Querer que o homem viva prescindindo de Deus equivale a sufocar o que nele há de mais autêntico, como nota o grande psicólogo Carl Gustav Jung (1875-1961):
"Entre todos os meus pacientes na segunda metade da vida, isto é, tendo mais de trinta e cinco anos,, não houve um só cujo problema mais profundo não fosse constituído pela questão de sua atitude religiosa. Todos, em última instância, estavam doentes por ter perdido aquilo que uma religião viva sempre deu a seus adeptos, e nenhum se curou realmente sem recobrar a atitude religiosa que lhe fosse própria":

O afastamento de Deus parece desmantelar o ser humano, tirando-lhe o seu eixo ou referencial; só a recuperação da fé recompõe a personalidade.

Seja citado outrossim o texto do Cardeal Josef Ratzinger, que observa a necessidade que temos, de encontrar um TU,... um TU que nos responda cabalmente e que não achamos em criatura alguma:
"A solidão é, sem dúvida, uma das raízes básicas de que surge o encontro do homem com Deus. Onde o homem experimenta a solidão, verifica, ao mesmo tempo, quanto a sua vida representa um grito pelo tu e quão pouco o homem é apto a ser um puro eu, encerrado em si mesmo.

A solidão pode manifestar-se ao homem em profundezas diferentes. Primeiro, ela satisfaz-se com o encontro de um tu humano.

Mas desdobra-se um processo paradoxal descrito por Claudel: cada tu que o homem encontra, revela-se finalmente como uma promessa irrealizada e irrealizável, porque todo tu, no fundo, representa de novo uma desilusão; há um ponto em que encontro nenhum é capaz de vencer a derradeira solidão. E exatamente o achar e o ter-achado voltam a ser um retorno à solidão, um grito pelo tu real e absoluto' (Introdução ao Cristianismo, São Paulo 1970, p. 68).

Examinemos agora as principais


II. DIFICULDADES PARA CRER

Consideraremos cinco focos problemáticos:

II. 1. O Mal no Mundo

Muitas pessoas perguntam: "Pode Deus existir, se há tanta miséria e maldade no mundo que Ele criou?"

Respondemos: o mal não é uma realidade positiva; é, antes, uma carência ou a falta de algo que deveria existir e não existe. Assim a cegueira é um mal, porque é carência de visão em quem a deveria ter; a violência é um mal porque é carência da finalidade devida no comportamento de um homem inteligente e hábil...

Isto significa que o mal não tem causa direta. Ele só pode ser causado indiretamente, indiretamente por um agente limitado, capaz de falhar. Ora, por definição, Deus é perfeito ou incapaz de falhar; por isto não pode ser causa - nem indireta - do mal; só uma criatura pode agir com falhas ou agir mal.

É claro, porém, que, ao produzir as suas criaturas, Deus só podia criar seres limitados, falíveis, suscetíveis de errar. Não pode haver dois seres infinitamente perfeitos e infalíveis, porque não pode haver dois deuses.

Todavia o Senhor não é impassível perante o mal que as criaturas sofrem. Diz S. Agostinho que "Ele nunca permitiria o mal se não tivesse recursos para tirar do mal bens ainda maiores". A fé cristã o atesta apontando para a figura do Cristo que assume a dor e a morte do homem, a fim de transfigurá-las mediante a ressurreição.


II. 2. Desconhecimento da Doutrina da Fé

Outro obstáculo à fé é o desconhecimento da sua mensagem ou os mal-entendidos a respeito daquilo que a fé ensina. Pode haver pessoas que só conheçam a religião infantilmente apresentada e, por isto, a rejeitam em nome da razão esclarecida. Uma vez, porém, elucidados os pontos obscuros, tais pessoas podem perceber que a fé não é ridícula nem alienante, mas é a expressão mais nobre da personalidade, pois implica um ato da nossa faculdade mais digna - a inteligência (não um sentimento cego) - aplicada ao Ser mais digno - o Absoluto, o Eterno, Deus.


II. 3. Obstáculos de Ordem Moral

Muitas vezes o ato de fé encontra resistência no ser humano, não porque sérias objeções teóricas se lhe oponham, mas porque tal pessoa cede a um tipo de vivência incompatível com a fé. Diz a sabedoria popular: "Quem não vive como pensa, acaba pensando como vive". Isto quer dizer que uma pessoa de brio que pense religiosamente, mas viva de modo destoante, deve sentir a necessidade de superar essa incoerência; ela o fará ou adaptando sua vida ao seu pensamento religioso ou, se não tiver forças para tanto, adaptando o seu modo de pensar ao seu modo de viver desregrado.

Este último caso, em nossos dias, é assaz freqüente, pois o ritmo de vida da sociedade incute o hedonismo ou a busca de prazer (a qualquer preço). Incute também cobiça ou a sofreguidão de ter mais, que deteriora o ser ou o porte ético-religioso do indivíduo. Assim se explica que várias pessoas, após anos de fé tranqüila, repentinamente abandonem a religião; fazem-no não por terem lido tal ou tal livro ateu, mas simplesmente porque foram cedendo a impulsos e paixões desordenados.


II. 4. O Contratestemunho das Pessoas de Fé

É certo que também as contradições na vivência das pessoas religiosas escandalizam e afastam a quem as observa. A propósito diremos que, sem dúvida, o testemunho coerente das pessoas religiosas facilita a adesão de fé dos observadores, ao passo que o mau exemplo a dificulta. Todavia quem crê, deve dar-se conta de que:

- crê porque descobriu a Deus e deseja responder ao Bem Supremo. Este é o traço central de toda profissão de fé religiosa;

- crê, porém, em companhia de seres humanos, aos quais é inerente a fragilidade. Essa fragilidade, contudo, não impede que cada pessoa fiel encontre em Deus a sua plena resposta. Deus se dá a quem o procura, independentemente da conduta dos companheiros de caminhada.


II. 5. O Claro-escuro da Fé

As proposições da fé são claro-escuras, nunca evidentes como 2+2 = 4. Sem dúvida, elas têm suas credenciais, que as tornam acreditáveis e que todo homem pode investigar; se o fizer, chegará à conclusão de que é razoável ou é inteligente crer. Por isto, quando acredito, não abdico da minha razão, mas, ao contrário, exercito a minha inteligência; esta me diz que a Verdade não acaba quando acaba meu raio de percepção intelectual. A fé ultrapassa o alcance da minha inteligência, mas não lhe contradiz; apenas leva a ulteriores etapas a demanda da Verdade.

O fato de que as verdades da fé ultrapassam o alcance da nossa inteligência, de um lado, nos deixa sôfregos e insatisfeitos; mas, de outro lado, é fonte de alegria e paz. Com efeito, como diz Pascal, o homem foi feito para se ultrapassar constantemente ou para se realizar em algo maior do que ele mesmo; o homem é resposta pequena demais para o próprio homem; só o Absoluto ou Deus o sacia.

Os pensadores gregos perceberam este paradoxo, quando definiram o homem como um "ente de fronteira", posto em equilíbrio instável entre os animais e os deuses; sim, para os gregos, os deuses eram consumados em sua existência imortal e bem-aventurada; os animais também bastam a si mesmos, desde que encontrem alimento e o necessário para sobreviver. O homem não é assim: nem goza da satisfação dos deuses nem se dá por realizado apenas com a sua existência animal; ele é repuxado, de um lado, pelo peso da sua animalidade e, de outro lado, pela insaciável sede do Absoluto; não lhe basta viver simplesmente as dimensões do homem terrestre para ser autenticamente humano. Se há consumação para o homem, há de ser num valor que ultrapasse os limites da sua natureza. Em conseqüência, não há por que nos assustarmos quando verificamos que a mensagem da fé é trans-racional; é precisamente esta nota que permite à fé levar o homem à sua genuína realização; uma mensagem meramente filosófica pouco significado teria no caso.

Estas ponderações explicam o porquê do incômodo resultante do claro-escuro da fé: é condição para que a nossa entrega a Deus tenha o valor de um gesto livre; é também o indicio da autenticidade mesma da fé. A mensagem de Deus é suficientemente clara para que a adesão do homem seja razoável e inteligente (não cega, nem meramente sentimental), mas é também suficientemente obscura para que o nosso Sim seja livre. Deus quer ser aceito e amado livremente por criaturas livres. Somente com o progresso da vida espiritual, com o amadurecimento e a consolidação da fé é que a penumbra se vai clareando, as sombras se vão dissipando até que cederão um dia à plenitude da luz ou à visão beatifica.


III. CONCLUSÃO

Não sou ateu, porque sei que, se procurasse viver sem Deus, sem a convicção de que existe um Bem Infinito que me fez e aguarda, eu não poderia responder às questões fundamentais de todo ser humano: "Donde venho? Para onde vou? Por que trabalhar? Por que sofrer? Por que ser honesto?"

Tal convicção não é muleta nem tapa-buraco em meu comportamento. Se fosse muleta, o homem sem Deus seria mais ele mesmo, mais adulto e maduro. Ora a experiência prova justamente o contrário; o homem sem Deus pode ser uma pessoa momentaneamente tranqüila, mas cedo ou tarde é chamada a um confronto com a questão do sentido da vida: Vale a pena viver, lutar em prol do bem e sofrer, para um dia extinguir-se sem mais, como a chama de um pavio? - Responder sim a esta pergunta é antinatural. Podemos crer que, se em nós existem aspirações naturais ao Transcendente, elas não são vãs. Convenço-me disto quando olho em torno de mim e observo que, se nos homens existe olho, também existe luz (resposta para a aspiração natural do olho); se nos homens existe ouvido, existe som; se nos homens existe pulmão, existe ar; se nos homens existe estômago, existe alimento. E digo: Por conseguinte, se nos homens existem fome e sede inatas de Vida, de Felicidade, de Amor, de Bondade, de Verdade, deve haver... a Vida, a Felicidade, o Amor, a Bondade, a Verdade, que, em última análise, é Deus. Em caso contrário, o homem seria a mais absurda e miserável de todas as criaturas - o que é falso.

domingo, 5 de julho de 2009

O falso mito de que os cientistas não acreditam em Deus

Por Jorge Pimentel Cintra
(www.quadrante.com.br)


O falso mito de que os cientistas não acreditam em Deus tem, na verdade, pretensões maiores do que parece à primeira vista: quer dar a entender que todas as pessoas verdadeiramente inteligentes e esclarecidas não aderem às “fábulas” ou aos “mitos” religiosos; e os cientistas, esses “homens geniais”, levados pelas demonstrações da sua ciência, chegaram à conclusão inevitável de que Deus simplesmente não existe.

Outro falso mito que “corre solto” é que os cientistas não acreditam em Deus. Em si, o fato não teria nada de mais, já que encontramos ateus de todas as profissões e de todas as categorias sociais. Este mito tem, na verdade, pretensões maiores do que parece à primeira vista: quer dar a entender que todas as pessoas verdadeiramente inteligentes e esclarecidas não aderem às “fábulas” ou aos “mitos” religiosos; e os cientistas, esses “homens geniais”, levados pelas demonstrações da sua ciência, chegaram à conclusão inevitável de que Deus simplesmente não existe.

Nada mais distante da verdade; um conhecimento superficial da vida de alguns cientistas poderia dar uma impressão desse tipo, mas um estudo mais profundo mostra sempre que os contados casos de ateísmo são muito mais uma conseqüência de circunstâncias ou de problemas pessoais do que uma atitude decorrente de conclusões científicas. De fato, até hoje ninguém apresentou nenhum argumento verdadeiramente sério sobre a inexistência de Deus, e muito menos baseado em conclusões científicas.
É um fato que houve cientistas que foram ateus ou que abandonaram a prática da religião, como por exemplo Madame Curie, polonesa de origem, nascida e educada na religião católica, que se desinteressou da religião ao ficar abalada pela morte da mãe. Só temos a dizer que é uma pena.

Por outro lado, ao longo de toda a história, poderíamos citar uma quantidade enorme de cientistas e de filósofos que acreditavam em Deus, que viveram a sua religião ou até mesmo eram pessoas de comunhão diária, como Pasteur. Muitos deles, além disso, manifestaram as suas convicções publicamente, em mais de uma oportunidade.

Descartes e Galileu morreram como bons cristãos, com todos os sacramentos; Leibniz escreveu uma obra denominada Teodicéia (“Justificação de Deus”) contra o ateísmo. Platão e Aristóteles, sobre os quais não pesa a “suspeita” de serem considerados cristãos ou católicos, já que viveram antes de Cristo, apresentaram inúmeras provas da existência de Deus, com argumentos puramente racionais. Em Newton e Kepler encontramos almas profundamente cristãs, que não tiveram o menor receio de falar de Deus nos seus escritos. Mendel, o iniciador da genética, fez as suas experiências com ervilhas nos terrenos do mosteiro de que era abade. Copérnico, reintrodutor moderno do sistema heliocêntrico, era clérigo.

Para não alongarmos demasiado o texto com explicações, apresentamos a seguir depoimentos de alguns cientistas sem acrescentar-lhes maiores comentários e restringindo-nos somente a alguns que já fazem parte da história.1
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(1) Citações extraídas do folheto Gott existiert, reproduzidos em Pergunte e Responderemos, ano XXIX, n. 316, setembro de 1988.
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1. Isaac Newton (1642-1727), fundador da física clássica e descobridor da lei da gravidade: “A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode. Isto fica sendo a minha última e mais elevada descoberta”.

2. William Herschel (1738-1822), astrônomo alemão, descobridor do planeta Urano: “Quanto mais o campo das ciências naturais se dilata, tanto mais numerosas e irrefutáveis se tornam as provas da eterna existência de uma Sabedoria criadora e todo-poderosa”.

3. Alessandro Volta (1745-1827), físico italiano, descobridor da pilha elétrica e inventor, cujo nome deu origem ao termo voltagem: “Submeti a um estudo profundo as verdades fundamentais da fé, e [...] deste modo encontrei eloqüentes testemunhos que tornam a religião acreditável a quem use apenas a sua razão”.

4. André Marie Ampère (1775-1836), físico e matemático francês, descobridor da lei fundamental da eletrodinâmica, cujo nome deu origem ao termo amperagem: “A mais persuasiva demonstração da existência de Deus depreende-se da evidente harmonia daqueles meios que asseguram a ordem do universo e pelos quais os seres vivos encontram no seu organismo tudo aquilo de que precisam para a sua subsistência, a sua reprodução e o desenvolvimento das suas virtualidades físicas e espirituais”.

5. Jons Jacob Berzelius (1779-1848), químico sueco, descobridor de inúmeros elementos químicos: “Tudo o que se relaciona com a natureza orgânica revela uma sábia finalidade e apresenta-se como produto de uma Inteligência Superior [...]. O homem [...] é levado a considerar as suas capacidades de pensar e calcular como imagem daquele Ser a quem ele deve sua existência”.

6. Karl Friedrich Gauss (1777-1855), alemão, considerado por muitos como o maior matemático de todos os tempos, também astrônomo e físico: “Quando tocar a nossa última hora, teremos a indizível alegria de ver Aquele que em nosso trabalho apenas pudemos pressentir”.

7. Agustin-Louis Cauchy (1789-1857), matemático francês, que desenvolveu o cálculo infinitesimal: “Sou um cristão, isto é, creio na divindade de Cristo como Tycho Brahe, Copérnico, Descartes, Newton, Leibniz, Pascal [...], como todos os grandes astrônomos e matemáticos da antigüidade”.

8. James Prescott Joule (1818-1889), físico britânico, estudioso do calor, do eletromagnetismo e descobridor da lei que leva o seu nome: “Nós topamos com uma grande variedade de fenômenos que [...] em linguagem inequívoca falam da sabedoria e da bendita mão dO Grande Mestre das obras”.

9. Ernest Werner von Siemens (1816-1892), engenheiro alemão, inventor da eletrotécnica e que trabalhou muito no ramo das telecomunicações: “Quanto mais fundo penetramos na harmoniosa dinâmica da natureza, tanto mais nos sentimos inspirados a uma atitude de modéstia e humildade; [...] e tanto mais se eleva a nossa admiração pela infinita Sabedoria, que penetra todas as criaturas”.

10. William Thompson Kelvin (1824-1907), físico britânico, pai da termodinâmica e descobridor de muitas outras leis da natureza: “Estamos cercados de assombrosos testemunhos de inteligência e benévolo planejamento; eles nos mostram através de toda a natureza a obra de uma vontade livre e ensinam-nos que todos os seres vivos são dependentes de um eterno Criador e Senhor”.

11. Thomas Alva Edison (1847-1931), inventor, com mais de 2.000 patentes, entre elas a da lâmpada elétrica: “Tenho [...] enorme respeito e a mais elevada admiração por todos os engenheiros, especialmente pelo maior deles: Deus!”.

12. Guglielmo Marconi (1874-1937), físico italiano, inventor do telégrafo sem fio, prêmio Nobel em 1909: “Declaro com ufania que sou homem de fé. Creio no poder da oração. Creio nisto não só como fiel cristão, mas também como cientista”.

13. John Ambrose Fleming (1849-1945), físico britânico, descobridor da válvula e do diodo: “A grande quantidade de descobertas modernas destruiu por completo o antigo materialismo. O universo apresenta-se hoje ao nosso olhar como um pensamento. Ora, o pensamento supõe a existência de um pensador”.

14. Arthur Eddington (1882-1946), físico e astrônomo britânico: “A física moderna leva-nos necessariamente a Deus”.

15. Max Plank (1858-1947), físico alemão, criador da teoria dos quanta, prêmio Nobel em 1928: “Para onde quer que se estenda o nosso olhar, em parte alguma vemos contradição entre ciências naturais e religião, antes encontramos plena convergência nos pontos decisivos. Ciências naturais e religião não se excluem mutuamente, como hoje em dia muitos pensam e receiam, mas completam-se e apelam uma para a outra. Para o crente, Deus está no começo; para o físico, Deus está no ponto de chegada de toda a sua reflexão”.

16. Albert Einstein (1879-1955), físico judeu alemão, criador da teoria da relatividade, prêmio Nobel em 1921: “Todo o profundo pesquisador da natureza deve conceber uma espécie de sentimento religioso, pois não pode admitir que seja ele o primeiro a perceber os extraordinariamente belos conjuntos de seres que contempla. No universo, incompreensível como é, manifesta-se uma inteligência superior e ilimitada. A opinião corrente de que sou ateu baseia-se num grande equívoco. Quem a quisesse depreender das minhas teorias científicas, não teria compreendido o meu pensamento”.

17. Carl Gustav Jung (1875-1961), suíço, um dos fundadores da psicanálise: “Entre todos os meus pacientes na segunda metade da vida, isto é, tendo mais de 35 anos, não houve um só cujo problema mais profundo não fosse constituído pela questão da sua atitude religiosa. Todos, em última instância, estavam doentes por terem perdido aquilo que uma religião viva sempre deu aos seus adeptos, e nenhum se curou realmente sem recobrar a atitude religiosa que lhe fosse própria”.

18. Werner von Braun (1912-1977), físico alemão radicado nos Estados Unidos e naturalizado norte-americano, especialista em foguetes e principal diretor técnico dos programas da NASA (Explorer, Saturno e Apolo), que culminaram com a chegada do homem à lua: “Não se pode de maneira nenhuma justificar a opinião, de vez em quando formulada, de que na época das viagens espaciais temos conhecimentos da natureza tais que já não precisamos de crer em Deus. Somente uma renovada fé em Deus pode provocar a mudança que salve da catástrofe o nosso mundo. Ciência e religião são, pois, irmãs, e não pólos antitéticos”. E: “Quanto mais compreendemos a complexidade da estrutura atômica, a natureza da vida ou o caminho das galáxias, tanto mais encontramos razões novas para nos assombrarmos diante dos esplendores da criação divina”.

Será mesmo que todos os cientistas são ateus?


POR QUE EXISTEM ATEUS?

Realmente, essa é uma pergunta muito boa, para a qual talvez não exista uma resposta conclusiva, pois no fundo trata-se de um mistério.

Para entender como se chegou a essa situação, é necessário regredir um pouco no tempo em busca das raizes do problema. Sempre houve materialistas e ateus, como Epicuro e Demócrito, já nos tempos áureos da filosofia grega; mas, para nos restringirmos aos tempos modernos, podemos começar novamente com Descartes. Uma das suas preocupações era precisamente a de estabelecer (como postulado) uma separação radical entre a fé e a razão humana, criando compartimentos estanques e incomunicáveis dentro de cada ser humano, o qual teria assim uma espécie de chave que poderia ser ligada e desligada: ora pensaria e agiria como cientista, utilizando-se só da razão, ora pensaria e agiria como homem religioso, valendo-se da fé. A religião seria, nesse esquema, algo puramente voluntário e sentimental, em que a razão não teria cabida.

Um dos fatores que contribuiram para dar origem a essa atitude foram as guerras de religião do século XVI, cujas conseqüências Descartes chegou a presenciar: manifestações de fanatismo as mais diversas, em que cada grupo afirmava estar na verdade e queria convencer os demais pela força. Não é de estranhar que, até entre gente equilibrada, se levantasse a tentação de dizer que os assuntos de religião são como os sentimentos: cada qual tem os seus, como tem os seus gostos e preferências pessoais; é assunto sobre o qual de nada adianta discutir: os argumentos são muito mais passionais do que racionais. Que motivos racionais pode ter um torcedor para torcer por um time de futebol?

Ora, uma vez que se afirme que todas as religiões são iguais – que dependem do gosto de cada um –, o passo seguinte é uma indiferença absoluta, que no fundo admite que nenhuma delas está na verdade e nenhuma possui valores absolutos. A conseqüência é que não vale a pena aderir a nenhuma religião oficial e muito menos praticá-la.

O passo histórico seguinte foi o deísmo, corrente nascida na Inglaterra, segundo a qual Deus não seria senão o Grande Arquiteto do Universo que, tendo construido o mundo, o teria abandonado a seguir nas mãos do homem; neste caso, caber-nos-ia viver como se Deus não existisse, e portanto, seria preciso rejeitar a existência de milagres, da Providência ou de um Evangelho revelado, negando também qualquer intervenção de Deus na história humana. Cristo seria um grande profeta e até o maior dos homens, o que, na boca dessas pessoas, equivalia a negar que fosse Deus. A religião, a união com Deus, ficaria reduzida a um vago sentimentalismo, e a moral a umas simples regras de convivência entre os homens.

A partir daí, alguns filósofos ingleses começaram a autodenominar-se livre-pensadores, querendo dizer com isso que estavam livres da superstição (isto é, da religião), e que aceitavam somente uma religião “natural”, sem dogmas nem ritos; adotaram o lema “liberdade, igualdade, fraternidade”, que seria assumido mais tarde pela Revolução francesa.

O passo seguinte na evolução dessa linha de pensamento foi, naturalmente, o agnosticismo (se é que Deus existe, não é possível conhecê-lo), ou simplesmente o ateísmo. Por essa rota caminharam os filósofos da Ilustração francesa: Condillac, Diderot, D’Alembert, que Lênin recomendava como a melhor introdução ao “ateísmo científico”.

Nessa trajetória nota-se, paralelamente à expulsão de Deus da vida e do pensamento, uma deificação do próprio homem. A atitude de Descartes atribui ao homem (à sua inteligência) qualidades que são exclusivas de Deus; Espinosa diz que o homem é parte de Deus; Kant atribui à razão humana um papel fundamental na constituição da realidade; Hegel, num panteísmo cósmico, deifica a razão humana, projetando-a como criadora de toda a realidade; e Feuerbach entroniza definitivamente o homem no lugar de Deus: “O homem é para o homem o ser supremo”, idéia plenamente aceita por Marx. Finalmente, Nietzsche, como representante de muitos outros, proclama a morte de Deus.

O triste paradoxo embutido nessa atitude é que, ao tentar divinizar o homem, acabou-se por animalizá-lo, reduzindo-o a um plano infra-humano. A conclusão era lógica: se o homem não provém de cima (de Deus), só pode provir de baixo (da matéria); se a dignidade do homem provém de estar feito à imagem e semelhança de Deus, ao suprimir-se Deus suprime-se também a sua dignidade, e o homem passa a ser qualquer outra coisa: o homem é aquilo que come (Feuerbach); é puro sexo (Freud); provém do macaco (Darwin), que provém da matéria (os defensores atuais da geração espontânea), que provém do caos. Em perfeita consonância com esses princípios, pregaram-se as filosofias da inimizade: o príncipe deve dominar pelo medo (Maquiavel), o homem é o lobo do homem (Hobbes), a guerra, a luta e a contradição constituem a essência da realidade (Hegel), o ódio é o motor da história (Marx), o inferno são os outros (Sartre), devemos aprender a odiar (Lunatcharsky). Os inimigos estão dentro do próprio homem, numa tensão entre id, ego e super-ego, nos recalques, nas tensões psíquicas, no stress e nos complexos dos mais diversos gêneros.

Estas breves pinceladas não têm a pretensão de ser uma análise histórica, mas penso que são suficientes para explicar uma série de características do atual estado da sociedade. Depois de tudo isso, não é de estranhar que alguns cientistas pudessem e possam desembocar no ateísmo.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

O enigma da dor

EMBORA A DOR NOS FAÇA CLARIVIDENTES, NÃO DEIXA DE SER UM PROBLEMA

Na mão de Deus, dificilmente haverá meio mais eficaz do que a dor para nos libertarmos do nosso eu, dos homens e do mundo. Os nossos sofrimentos, permitidos por Deus, vi­sam em especial a felicidade no além e dizem-nos dolorosa­mente que nesta terra não somos mais do que peregrinos e es­trangeiros (l Pe 2, 11), que não temos aqui cidade permanente (Hebr 13, 14).

Não há dúvida de que muitas vezes seríamos levados a es­quecer-nos disso e nos entregaríamos às coisas terrenas e hu­manas se a dor não nos ajudasse a ver o nada, a caducidade das coisas terrenas, e não despertasse em nós o desejo de um mundo melhor e mais belo. Enfim, a dor suaviza-nos a mor­te porque, se o mundo fosse uma mansão de felicidade e bem-estar, não quereríamos partir, e a morte seria ainda mais penosa do que é. Quantas pessoas se entregariam ao pecado e cairiam na desgraça eterna se a dor não nos obrigasse sempre a recuar no caminho do pecado!

Mas, muito embora a Revelação ilumine as trevas da dor, esta não deixa de constituir o mais grave problema, o mais negro enigma da nossa vida. O raciocínio reconhece e vê al­guns pontos, a fé esclarece outros, mas à aceitação cabe ainda um grande quinhão. Não interessa tanto a Deus que com­preendamos o mistério da dor, mas que creiamos no Senhor e lhe obedeçamos incondicionalmente, embora saibamos que não podemos compreendê-lo nem abrangê-lo.

Deus não se deixa abranger por nós, porque é sempre maior, mais extenso que a nossa compreensão (cfr. Jó 26, 14; 36, 26). Ele criou o nosso ser espiritual à sua imagem e seme­lhança, mas nós deturpamos a sua imagem segundo a nossa imagem e semelhança. Julgamos que deveria agir sempre como nós e, se age de modo diverso e em especial se nos en­via padecimentos, duvidamos logo da sua existência.

Para os judeus, a cruz era um escândalo e para os pagãos uma loucura (l Cor l, 23). Mesmo os Apóstolos não a entenderam a princípio, e, quando o Senhor falou pela primeira vez dos seus padecimentos, São Pedro quis detê-lo: "Deus tal não permita, Senhor! Não te sucederá isto"(Mt 16, 22). Jesus repreendeu-o imediatamente, e essa sua reação impressionou vivamente os outros Apóstolos. Noutra ocasião em que o Se­nhor lhes falou dos seus padecimentos, não o entenderam, mas não tiveram a coragem de pronunciar uma palavra: Eles não entendiam esta palavra [...] e tinham medo de interrogá-lo acerca dela (Lc 9, 45). Lembravam-se bem do que sucedera a Pedro. E o mesmo se verificou quando o Salvador lhes falou pela terceira vez dos seus padecimentos (cfr. Lc 18, 34).

Nem mesmo a Santíssima Virgem compreendeu todos os caminhos dolorosos por onde Deus a conduziu e afligía-a o problema do porquê. Quando após três dias de buscas vãs en­contraram Jesus no templo, Nossa Senhora perguntou-lhe: "Filho, por que procedeste assim conosco?"E o Salvador respon­deu: "Por que me buscáveis? Não sabíeis que devo ocupar-me nas coisas de meu Pai?"Apesar dessa resposta, não o compreende­ram: E eles não entenderam o que lhes disse (Lc 2, 48-50).

E nós, compreenderíamos o Senhor se Ele nos respondes­se ao problema premente do porquê? Talvez não. Na maior parte dos casos, ainda não entendemos. Os sofrimentos que nos atingem não podem ser explicados no momento em que se produzem, mas apenas em função do conjunto, e é preci­samente no seu significado de conjunto que podem ser en­tendidos. Aquilo que, encarado isoladamente, pode parecer uma loucura, considerado no conjunto pode constituir uma graça divina muito especial.

O PROBLEMA DO "PORQUÊ"

Não é de admirar, pois, que o "porquê" nos acuda aos lá­bios, principalmente quando se abate sobre nós uma desgra­ça grande ou quando as dores se sucedem umas às outras. O próprio Salvador, na hora da mais amarga das suas dores, perguntou ao Pai: "Meu Deus, meu Deus, por que me abando­naste?" (Mt 27, 46). A dor parecia-lhe como que um muro que ocultava o semblante amigo de Deus (cfr. Mt 27, 46).

A obediência e a submissão tornam-se ainda mais difíceis quando o nosso entendimento nos demonstra sem qualquer sombra de dúvida que sofremos sem culpa. O fardo torna-se insuportável quando vemos que os inocentes sofrem, ao pas­so que os culpados não só não sofrem, como parecem tirar grandes lucros e vantagens da sua culpa. Há justos que sofrem como se tivessem agido impiamente e há ímpios a quem nada sucede, como se tivessem agido como justos (Ecl 8, 14). Quantas vezes não nos temos apercebido da veracidade destas pala­vras! Tu és muito justo, ó Senhor, para que dispute contigo; no entanto, desejaria dizer-te coisas justas. Por que é próspero o ca­minho dos ímpios? Por que vivem felizes os pérfidos? Plantaste-os e eles lançaram raízes, crescem e frutificam (Jer 12, 1-2). Os meus pés por pouco não vacilaram, por pouco os meus passos não se transformaram; porque invejei os iníquos, vendo a paz dos pe­cadores. Eles não conhecem misérias; têm forte e são o seu corpo. Não participam das canseiras dos outros homens, nem são fusti­gados como os outros (Sal 72, 2-5).

Não deveria espantar-nos, diante desse panorama, que caiam na confusão aqueles que não têm fé. A nós, porém, a fé diz-nos que o sol do amor divino continua a brilhar no meio da dor. Por detrás dela está o amor de Deus, que é maior que toda a dor. "Deus castiga aqueles que ama" (cfr. Hebr 12, 6). Certa vez, Cristo queixou-se a Santa Teresa de Ávila de que fossem tão poucos os que o amam. A santa res­pondeu-lhe: "Não deves admirar-te, pois amas os que te cru­cificam e crucificas os que te amam".

Quando as crianças não dão ouvidos às admoestações dos pais, estes vêem-se forçados a castigá-las, apesar do amor que lhes dedicam e até por causa desse mesmo amor. Nada há de mais prejudicial para uma criança do que esse amor brando que não sabe recusar coisa alguma, que não sabe castigar. Até uma certa idade, os filhos não compreendem que o castigo seja uma prova de amor e por isso os pais não lhes dão longas explicações, uma vez que só o castigo os pode levar a mudar de conduta e, em consequência, a compreender.

Ora, se nem sempre os filhos conseguem compreender os pais, como havemos nós de poder compreender Deus? Com certeza que o Senhor não nos leva a mal choros e queixumes, desde que saibamos reagir com fé. A fé diz-nos que o Senhor é um Deus de amor e ensina-nos a ver esse amor por trás das desgraças, levando-nos a aproveitá-las, a reconhecer o valor que têm para a eternidade.

A DOR E O PECADO

Se olhássemos mais atentamente para a nossa condição de pecadores e para a natureza do pecado, com certeza não nos revoltaríamos tantas vezes contra Deus: Ai daquele que discute com quem o criou, não sendo mais que um vaso entre os vasos da terra. Porventura diz o barro ao oleiro: Que fazes? (Is 45, 9). Pode um mortal ser puro diante do seu Criador? (Jó 4, 17).

Perante Deus, todos somos mais ou menos culpados: to­dos os castigos são pequenos em comparação com a ofensa que fizemos a Deus ao pecar. Ninguém sofre inocentemente; só Cristo na Cruz e Nossa Senhora a seus pés sofreram sem ter pecado. Quanto a nós, todos sofremos com justiça, todos recebemos o justo castigo das nossas ações (cfr. Lc 23, 41); e se não merecemos a dor que nos aflige num determinado momento, merecemo-la — e talvez mais — por pecados e erros anteriores.

Por isso, não nos devemos admirar de que a dor nos afli­ja, nem perguntar em que a merecemos. Com muito maior razão deveríamos perguntar em que merecemos o bem-estar e a felicidade quando deles gozamos. Mas é nosso hábito aceitar com naturalidade a felicidade que Deus nos dá, como se a tivéssemos merecido, quando é certo que as coisas deve­riam passar-se justamente ao contrário: Se aceitamos a felici­dade da mão de Deus, não devemos tamhém aceitar a infelici­dade? (Jó 2, 10).

Enfim, nós, pecadores, nunca devemos altercar com Deus por causa da dor, porque não podemos esquecer que Ele não poupou o Filho bem-amado em quem tinha postas as suas complacências (cfr. Lc 3, 22), que o mergulhou num mar de dor como a ninguém na terra. Se tivermos presentes todas estas coisas, será legítimo lamentarmo-nos?

"BEM-AVENTURADO O HOMEM A QUEM DEUS CORRIGE"

Embora compreendamos muitas coisas e possamos seguir o Senhor por alguns caminhos com a razão iluminada pela fé, há muitos outros que não podemos compreender, porque nos conduzem a trevas profundas. Só nos pode ajudar a fé viva na justiça divina e no imenso amor que o Senhor nos dedica. Deus não pode ser cruel, nem por um instante. Qua­se seria preferível duvidarmos da nossa própria razão a duvi­darmos da justiça e amor divinos. Quem perder a fé e a con­fiança na justiça de Deus, no seu amor, bondade e misericór­dia, perderá o chão debaixo dos pés, deixará de ter as suas raízes em Deus, origem da sua vida, e será arrebatado pela tempestade da dor.

A fé diz-nos que Deus é nosso Pai, que está junto de nós quando nos envia o sofrimento. Nesse momento, passamos como que para uma escola superior: O Senhor está perto da­queles que têm o coração atribulado (Sal 33, 19). A dor é mes­mo um dos sinais mais seguros de eleição: Bem-aventurado o homem a quem Deus corrige (Jó 5, 17).

É nosso dever, mesmo ao sofrermos as mais negras dores, estarmos convencidos de que é Deus quem as envia e não começar a ponderar e a cismar. Basta procurarmos compreen­der o que quer Deus dizer-nos por intermédio desse sofri­mento, saber como poderemos valorizá-lo e utilizá-lo. Por­que Ele quer salvar-nos e levar-nos ao céu pelo caminho da dor: O que presentemente é para nós uma tribulação momentâ­nea e ligeira, produz em nós um peso eterno de glória incompa­rável (2 Cor 4, 17). E devemos pensar com São Paulo que os sofrimentos do tempo presente não tem proporção com a glória vindoura (Rom 8, 18).

Scio cui credidi, "Eu sei em quem creio e confio", escreve São Paulo (2 Tim l, 12). O Salvador exorta-nos a não ter medo (cfr. Mt 10, 28; Lc 12, 32). Um passarinho não tem valor e, no entanto, nenhum cai sobre a terra, nem coisa al­guma lhe acontece, sem que o Pai o saiba. Nós valemos mui­to mais aos olhos de Deus e até os próprios cabelos da nossa ca­beça estão todos contados (Mt 10, 30). Não há, pois, que ter medo.

Não temais!, diz-nos o Senhor. Ainda que a terra trema e as montanhas se afundem (Sal 45, 3), ainda que nos matem (cfr. Lc 12, 4), tudo vem de Deus e tudo serve para o nosso bem (cfr. Rom 8, 28). Só devemos temer a Deus quando lhe fugimos.

Se Deus é por nós, quem será contra nós? (Rom 8, 31). Na­da temas, porque eu estou contigo (Gên 26, 24; Is 41, 10).

FONTE: O cristão e a dor, Richard Graf, E. Quadrante, São Paulo 2007.