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quarta-feira, 4 de julho de 2007

Deus: provas da existência de Deus

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 006/1957)

MAURÍCIO (Rio de Janeiro):

1) "Quais as provas da existência de Deus?"

Os argumentos clássicos em favor da existência de Deus, já parcialmente esboçados pelo filósofo grego Aristóteles (+322 a. C), podem-se resumir nas três seguintes vias:

1. A contingência do movimento.

a) Há no mundo movimento e mudanças contingentes, transitórios.

Proposição evidente, ditada pela experiência cotidiana.

b) Ora todo ser que se mova contingentemente, é mo­vido por outro.

Com efeito, "entrar em movimento" ou "mudar" signi­fica "receber uma perfeição ou determinação não possuída". Doutro lado, "mover" implica "dar tal perfeição". É, porém, impossível que o mesmo ser receba e dê ao mesmo tempo a mesma perfeição, pois, para receber, é preciso não ter; para dar, requer-se que tenha. Dada a impossibilidade de ter e não ter ao mesmo tempo o mesmo objeto, conclui-se que todo ser que entra em movimento ou se move contingentemente (após um estado de inércia), recebe de outro (causa eficiente ou mo­triz) o princípio de seu movimento. Se ele fosse o próprio princípio adequado de seu movimento, estaria sempre em movimento e mover-se-ia necessariamente, não contingente­mente, deveria estar agindo antes de começar a agir - o que é absurdo.

c) Na série das causas motrizes, deve haver uma, Su­prema e Absoluta, que explique o movimento das demais e por nenhuma outra seja explicada. Uma série infinita de causas motrizes dependentes e contingentes nada explicaria, cada qual seria mera transmissora, nenhuma apresentaria a razão e ser do movimento; tal série se poderia comparar a um canal que se prolongasse muito, mas fosse destituído de fonte; ora, se não há fonte, não há nem intermediários (ou canal) nem há efeito. Um conjunto numeroso (diga-se: infinito) de es­pelhos a refletir uma imagem não dá conta, por si só, da ima­gem neles refletida; cada um apresenta uma figura espelhada dependente, a qual supõe a figura que se espelha, absoluta.

Poder-se-ia replicar que o processo do movimento se veri­fica desde toda a eternidade; por isto, não tem princípio. Neste caso, porém, seria desde toda a eternidade que a série dos moventes dependentes exigiria um Movente Absoluto, indepen­dente; o simples fato de haver movimento o pede; o tempo ou a duração é apenas medida do fato, mas não constitui uma fonte de energia.

Existe, portanto, um Princípio de todo movimento, o qual por si mesmo possui a sua atividade, sem depender de outro. E tal Movente Absoluto é chamado Deus.

2. Os graus de perfeição dos seres.

a) Observa-se que nada no mundo é absolutamente per­feito, mas tudo parece aproximar-se "mais ou menos" da per­feição simplesmente dita ou do ideal. Quem se serve dos bens desta terra, vive num perpétuo "encanto desencantado", pois só encontra valores que se desvalorizam. O homem mais pren­dado de bens materiais e espirituais ainda tem capacidade para apreender mais alguma coisa; também o homem mais santo se vê sempre inferior aos seus propósitos.

b) Ora o relativo supõe necessariamente o Absoluto.

Todo homem que fala de "mais" e "menos (bom, belo, ve­raz.)", só o faz porque tem em mente, implícito, o conceito do Máximo, daquilo que é "por excelência", sem restrição nem limitação. Quem experimenta o caráter relativo das coisas, re­conhece a presença de um Ser Absoluto e Exemplar; é so­mente a existência deste que justifica a apreciação mais ou menos favorável que se faz das coisas relativas.

Em linguagem mais técnica, as considerações acima se po­deriam assim formular: observem-se as perfeições que por si mesmas não dizem imperfeição alguma — a bondade, a bele­za, a justiça, a ciência (há, sim, perfeições que em si implicam imperfeição;' assim o "arrepender-se", o conhecimento sensi­tivo, sempre restrito, o "raciocinar progressivamente", sempre sujeito a erros...). Aquelas perfeições em seu conceito não incluem negação nem lacuna; se a incluíssem, dever-se-ia dizer que a bondade é, por sua própria essência, a maldade,... que a beleza é, por sua essência, a feiúra, etc. Se, portanto, existe no mundo bondade, mas bondade restrita; se existe beleza, mas beleza restrita deste ou daquele modo; se existe vida, mas vida limitada em tais e tais seres reais, estes seres supõem ne­cessariamente outro que neles tenha limitado a bondade, a be­leza, a vida, e que por nenhum outro seja limitado. Em outros termos: supõem outro que neles tenha feito a composição da bondade, da beleza... com aquilo que as restringe, pois tal composição não se explica pela natureza da bondade mesma nem pela da beleza mesma. E esse Composi­tor há de ser a Bondade Absoluta, irrestrita, a Beleza Absoluta, a Justiça Absoluta - medida e causa eficiente dos seres li­mitados.

c) Existe, pois, a Perfeição Ilimitada.

O parágrafo b), acima, levava a concluir: existe o abso­lutamente Belo, o absolutamente Bom, o absolutamente Ve­raz, etc.

Contudo, se se reflete mais um pouco, verifica-se que Bon­dade, Beleza, Verdade não são senão modalidades do ser; signi­ficam o ser sob determinado aspecto (o ser comparado à in­teligência, o ser comparado à vontade, o ser comparado ao senso estético...). Em conseqüência, afirmar-se-á: há um Ser que é ao mesmo tempo Bom sem limite (a Bondade mesma), Veraz sem limite (a Verdade mesma), Belo sem limite (a Be­leza mesma). Este Ser não recebe sua Bondade nem sua Vera­cidade nem sua Existência de uma fonte extrínseca, mas Ele as tem de per si, por sua própria entidade; se as recebesse de fora, Ele só as poderia receber de maneira limitada, partici­pada (ou em parte). For conseguinte, esse Ser não tem, mas é, sua própria Perfeição. A Ele se atribui o nome de Deus.

3. A ordem e a finalidade existentes no universo.

a) Quem considera o universo, não pode deixar de nele verificar ordem estupenda e tendência de múltiplos elementos (por si indiferentes a múltiplas possibilidades de concatenação) em demanda de um fim bem determinado.

O "macrocosmos", por exemplo, ou o mundo dos astros apresenta um conjunto de corpos sabiamente coordenados dentro de proporções "astronômicas", ou seja, que escapam às cifras com que o homem habitualmente lida na terra.

O "microcosmos" ou o mundo do átomo reproduz sime­tricamente a estrutura do "macrocosmos" ou, mais precisa-ente, do sistema solar; as minúsculas dimensões e as enor­mes velocidades dos corpúsculos que giram dentro de um átomo atingem por sua vez cifras astronômicas.

No mundo dos viventes, a harmonia dos elementos que constituem um vegetal ou um animal causa surpresa, dada a complexidade das funções concatenadas em vista da conser­vação e da defesa da vida. Basta recordar a estrutura de um olho, de um ouvido. Tenha-se em vista outrossim que, quando se extrai um rim de um organismo doentio, o outro logo se desenvolve além das proporções necessárias ao metabolismo normal. Porque isto? — Porque a natureza parece querer pos­suir uma reserva, "prevendo" o caso eventual de se tornar necessário o trabalho equivalente ao de dois rins. Tais exem­plos se poderiam multiplicar.

b) Tão maravilhosa ordem, tão segura tendência a um fim supõem exista uma Inteligência que as tenha concebido e produzido.

Ordem significa adaptação de diversos elementos entre si em vista de certa finalidade a ser obtida. Ora a adaptação supõe a intuição de um efeito ainda não existente na realidade concreta, mas existente idealmente, ou seja, num intelecto, de modo espiritualizado, superior ao modo corpóreo, sensível. Ordem supõe a intuição da natureza íntima ou da essência de cada um dos seres que estão para ser adaptados; supõe o conhecimento daquilo que é perene e latente sob os fenômenos sensíveis e variáveis que cada corpo dá a ver. Somente quem percebe a estrutura íntima dos seres, sabe utilizá-los como meios para obter determinado efeito.

Pois bem; um conhecimento tal é característico de um es­pírito ou de um ser dotado de inteligência (inteligência e espírito se evocam mutuamente; cf. "Pergunte e Respondere­mos" 3/1957, qu. 1). Só a inteligência é capaz de comparar e apreender as qualidades que podem relacionar ou ligar ele­mentos aparentemente desconexos entre si.

Quem realiza a análise física e química de um relógio, parece explicar perfeitamente as propriedades de cada uma das suas peças' a resistência dos metais, a força das molas, o processo das alavancas, etc. Contudo esse estudioso não explica a escolha de tais peças, nem a sua associação em um maquinismo apto ã contagem do tempo. A razão de ser de tal as­sociação não é indicada pela análise das peças do relógio; não se acha latente em nenhuma de suas molas; nenhuma, por sua natureza, explica porque está assim correlacionada com as demais. Tal razão de ser está, sim, contida fora do relógio, num Ser real existente; foi este que por sua inteligência concebeu e realizou a combinação de elementos necessária ao fim preconcebido de marcar o tempo.

O ser inteligente que por via destes raciocínios se chega a descobrir, há de ser absoluto, ilimitado, incriado, pois a Ele se deve não apenas o ato de dispor em ordem alguns ou muitos seres preexistentes (deixando de parte outros, como poderia fazer um homem), mas igualmente o de conceber e realizar o plano do universo inteiro e de cada um de seus componen­tes. A inteligência que concebe e dá existência real a cada ente desde as raízes do seu ser (das quais emanam suas pro­priedades e atividades), só pode ser o Ser simplesmente dito, o Infinito, que por definição se chama Deus.

Dir-se-á, porém: quem sabe se todas essas estruturas e suas atividades não poderiam ser igualmente produto do acaso?

Não há sério pensador que hoje em dia ainda recorra ao acaso; este expediente implicaria um sofisma clamoroso. De fato; o acaso não é uma causa, nem um agente, mas o cruza­mento não necessário de causas independentes umas das ou­tras; vem a ser, portanto, uma relação entre elementos pree­xistentes, um mero acontecimento verificado entre estes. A in­tervenção do acaso não explica a origem dos agentes que "ca­sualmente" se encontram e combinam. O seguinte exemplo, muito famoso, ainda concorre para evidenciar o absurdo da hipótese do acaso: considere-se uma só molécula de proteína, substância que entra na constituição de qualquer corpo vivo; suponha-se, para simplificar os cálculos, que tenha o peso mo­lecular 20.000 e conste de 2.000 átomos pertencentes a duas es­pécies apenas. A probabilidade de se formar por acaso uma tal molécula se reduz a 2,02 x 10(elevado a menos 321) ou 2,02 x (1/10 elevado a 321) O volume de substância necessária para que uma tal probabilidade se realize, seria o de uma esfera cujo raio exigiria 10(elevado a 82) anos de luz para lhe percorrermos a distância. Quem lançasse ao acaso os áto­mos componentes de tal molécula de proteína ao ritmo de 500 trilhões de vibrações por segundo, dispondo de um volume de átomos igual ao da esfera terrestre, precisaria de 10(elevado a 243) bilhões de anos para obter uma só molécula de proteína. Não esqueçamos, porém, que a Terra só existe há dois bilhões de anos e que a vida nela apareceu há cerca de um bilhão de anos apenas! Leve-se outrossim em conta que um ser vivo se compõe de bilhões de células de proteína e que, segundo a linguagem dos fósseis, bilhões de seres vivos tiveram origem sobre a terra em lapso de tempo notavelmente breve. É o que leva a rejeitar peremptoriamente a origem aleatória do mundo.

Os três grandes argumentos acima, de índole metafísica, são confirmados pelo testemunho da natureza humana mes­ma:

a) todos os povos através dos séculos professaram a cren­ça em Deus. Esta proposição foi lançada em descrédito no sé­culo passado, quando Darwin comunicou ao mundo ter encon­trado na Terra do Fogo um grupo de índios, os Yamana, desti­tuídos de religião (1834). Novas explorações, porém, empreen­didas no século 20 por estudiosos austríacos, mais competentes em Etnologia do que o naturalista Darwin, levaram a ver que os mencionados aborígines têm religião, e religião assaz pura. Ulteriores pesquisas entre as tribos primitivas do mundo atual incutiram mesmo a conclusão seguinte: quanto mais simples é o grau de cultura de um clã, tanto mais simples e puro é também o seu conceito de Deus; o politeísmo, a magia são des­virtuamentos da religião primitiva, desvirtuamentos que o ho­mem é tentado a realizar quando entra em contato mais assí­duo com as forças da natureza; tende então ilògicamente a esfacelar o conceito de Deus e distribuir os atributos divinos pelos seres materiais de que ele depende para efetuar sua in­dústria e seu comércio;

b) também merece atenção o brado de todo indivíduo humano em demanda de bem-aventurança. Não há quem não queira ser feliz, e feliz sem limites, pela posse de um bem que nunca se acabe. Ora tal sede inata só se explica razoavelmente se de fato existe o Objeto infinitamente bom a ela correspon­dente; a natureza se manifesta em tudo harmoniosa, coerente consigo mesma. É o Bem Infinito que fala peia consciência de todo indivíduo, chamando-o a si mediante a norma gravada no íntimo de cada um: "Faze o bem, evita o mal". É esse mes­mo Ser que se faz ouvir pelo remorso conseqüente a uma vio­lação da consciência.

Ó grandeza do homem, a de não estar condenado a viver e morrer de si para si! É, ao contrário, entre o Alfa e o Omega que ele se move neste mundo!

Sobre o tema abordado nesta resposta, pode-se consultar com pro­veito:

P. Cerruti, A Caminho da Verdade Suprema. Universidade Católica do Rio de Janeiro 1954, 461-584.

J. A. O'Brien, Deus existe? Editora Vozes de Petrópolis 1949.

Lecomte du Noiiy, O homem e o seu destino. Editora Educação Na­cional. Porto 1953.

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