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A oração é a grande meta da vida de todo cristão na terra, pois já nos dá o antegozo da vida do céu ou uma crescente união com Deus. Mas, precisamente por ser tão preciosa, encontra vários obstáculos, que suscitam o desânimo de muitas pessoas, mesmo quando consagradas a Deus. Não seja assim! Reflitamos sobre o problema.
1. Que é a oração?
Podemos com simplicidade definir a oração como elevação da alma a Deus. É o contato das nossas mais nobres faculdades com o mais nobre de todos os seres, que é Deus. É portanto algo de muito valioso.
São quatro as finalidades dessa elevação da mente:
a) Adoração: sim, a primeira atitude do orante há de ser adorar a Deus como Soberano Senhor. Isto não requer longo discurso, mas implica que nos prostremos interiormente diante de Sua Majestade num silêncio reverente. O silêncio é eloqüente para Deus; significa que a criatura reconhece não poder enquadrar sua intuição mística no comum da linguagem humana. Daí a renúncia a falar na presença de Deus.
b) Ação de graças. Eis a segunda atitude do orante. É um olhar para Deus como Sumo Bem, que nos concede suas graças,... graças que podem não corresponder às nossas expectativas, mas certamente são regidas pela Providência Divina. Agradeçamos o dom do tempo, moratória dada à nossa conversão, pois esta é a graça básica... Agradeçamos também o pouco ou muito de saúde que Ele nos dá, os talentos, as cruzes...
c) Expiação: tendo olhado para Deus em adoração e ação de graças, olhamos para nós, filhos do Pai, peregrinos que se destinam à Casa do Pai. E verificamos que o pecado nos dificulta a caminhada. Daí o repúdio do pecado e o pedido de perdão que ele inspira. Pensamos também no pecado do mundo, com o qual somos solidários nessa atitude de expiação.
d) Súplica. Já que somos viandantes que tendem à meta final, pedimos ao Pai o viático ou o pão da caminhada, isto é, todas as graças de que necessitamos para chegar certeiramente à consumação. - A oração de súplica é a que mais espontaneamente brota do coração humano, mas não deve ser a primeira; é função do nosso olhar de complacência e amor para Deus.
Assim concebida, a oração encontra dificuldades. Examinemo-las
2. As Dificuldades
Um inquérito realizado na França sobre os obstáculos à vida de oração registrou seis principais dificuldades:
a) As distrações. Este é o obstáculo clássico, que já Santa Teresa de Ávila[1] denunciava. Incute o desânimo a muitos que desejam orar. Todavia é de notar que as distrações só impedem a oração quando aceitas ou quando há consentimento. Pode alguém passar quinze minutos tentando rezar e, para tanto, tentando combater as distrações...; embora se sinta frustrado, esteja certo de haver rezado, pois terá feito um continuo ato de fé, muito significativo aos olhos do Senhor. Vale aqui aplicar o princípio de São Bernardo: "Procurar a perfeição já é perfeição"; donde "procurar rezar já é rezar". Importa não capitular, mas perseverar na busca de Deus.
b) Vida trepidante, que não favorece o recolhimento. Muitos são dilacerados por diversas ocupações, que provocam nervosismo e dispersão da mente. - Daí resulta a necessidade de distensão, que raramente é procurada no silêncio e recolhimento; procura-se, antes outro tipo de distração, a tal ponto que vários católicos dizem não ter disposição nem mesmo para participar da S. Missa no domingo, "tão cansados estão...''!
c) A educação moderna... Menospreza a disciplina, o esforço pessoal. A filosofia discretamente freudiana que inspira muitos educadores é contrária à repressão dos impulsos instintivos, repressão que poderia ocasionar neuroses. Ora quem aceita tais premissas, facilmente se entregará a certo comodismo ou mesmo ao hedonismo, fugindo da mortificação ou da ascese... Sem ascese, porém, não há mística ou não há vida de oração. A autêntica educação não pode deixar de recomendar enfaticamente o autocontrole, que vem a ser uma forma de penitência, indispensável à formação da personalidade e à dimensão do cristão.
d) Humanismo horizontal, que dá certa preeminência aos valores humanos ou à realização de potencialidades meramente naturais. O Transcendental é deixado na penumbra, pois implica ultrapassar-se a si mesmo. Assim se extingue a vida de oração.
e) Pragmatismo, utilitarismo... Dão a impressão de que o trabalho vale mais do que a oração; esta seria uma perda de tempo. Compreende-se que a criatividade empolgue a pessoa que trabalha, levando-a a valorizar mais o visível do que o Invisível. Principalmente o sucesso obceca e faz perder o gosto da oração. - Pode-se dizer que, em tais casos falta o senso de Deus; a fé está enfraquecida e lânguida.
f) Intelectualismo... Há pessoas que se acostumam a tratar com idéias mais do que com Alguém. Funcionam muito com o intelecto e pouco ou insuficientemente com o coração. Para tais pessoas, Deus não pode aparecer como o grande Tu ou o grande Interlocutor.
Feito este balanço do problema, perguntamos:
3. Que fazer? Há pistas de solução?
A luta do cristão em prol da sua vida de oração encontra valiosos recursos nos seis seguintes itens:
a) Pedir o dom da oração. Existe graciosa parábola em Lc 11,11-13,
b) Docilidade ao Espírito Santo. É Ele o Mestre interior, que geme em nós com gemidos inenarráveis (cf. Rm 8, 26). Requer-se generosidade para corresponder aos impulsos do Espírito, que nos querem levar a maior perfeição. São Paulo recomenda: "Não entristeçais o Espírito Santo de Deus" (Ef 4, 30). Com outras palavras ainda: é preciso fugir de todo pecado (leve que seja), e de toda imperfeição voluntária, criando assim afinidade ou conaturalidade com Deus. Pode-se crer que cada um reza como vive. Se se fecha a Deus na sua conduta de vida, não poderá encontrar facilidade para se encontrar com Ele na oração.
c) Disciplina de vida e ascese. Pouco se fala de ascese, em nome de uma visão humanista ou naturalista da pessoa humana. Ora é mister lembrar que em todos nós existe o velho homem com suas concupiscências (cf. Ef 4, 22-24), que é entrave à formação da nova criatura em cada cristão. A mortificação começa pelas coisas mais simples, como são a guarda dos sentidos (olhos, ouvidos, imaginação, memória) e o cultivo da taciturnidade tanto exterior como interior. Este é um ponto pouco enfatizado: o silêncio ou o recolhimento interior, que evita devaneios inúteis.
d) Amor ao próximo... A dedicação aos irmãos é muito importante, pois, como diz São João, como pode amar a Deus, que ele não vê aquele que não ama o próximo, que ele vê? (cf. 1Jo 4, 20). É muitas vezes nas pequenas encruzilhadas de cada dia que se vai fortalecendo o amor ao semelhante, penhor de mais íntima familiaridade com Deus.
e) Leitura. O contato com a Palavra de Deus enriquece a mente e habilita-a a um colóquio mais saboroso com Deus. Daí a recomendação de bons livros, como são os do Novo Testamento (aos quais se seguirão os do Antigo Testamento), as obras dos Padres da Igreja (traduzidas para o português pela Paulus Editora) e o Catecismo da Igreja Católica (particularmente o Livro IV). Ninguém ama o que não conhece, e tanto mais amará o que melhor conhece.
f) Recomenda-se um método de oração para coibir a dispersão e as distrações. O método monástico por excelência é a Lectio Divina, explanada por valiosas publicações existentes nas livrarias católicas. - Quem não consegue concentrar-se para orar, recorra a um livro, como diz Santa Teresa ter feito durante muito tempo.
É oportuno também que o orante católico se acostume a rezar a Liturgia das Horas, ao menos
À guisa de conclusão, seja citado o Catecismo da Igreja Católica numa de suas belas passagens sobre a oração:
"'Se conhecesses o dom de Deus (Jo 4, 10). A maravilha da oração se revela justamente ai; à beira dos poços aonde vamos procurar nossa água; é aí que Cristo vem ao encontro de todo ser humano, é o primeiro a nos procurar e é Ele que pede de beber. Jesus tem sede, seu pedido vem das profundezas de Deus que nos deseja. A oração, quer saibamos ou não, é o encontro entre a sede de Deus e a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede dele" (nº 2560).
Como Apêndice ilustrativo, seja transcrita a seguinte poesia de autor desconhecido:
O POBRE JOÃO
João, acabrunhado por aborrecimentos e carregado de miséria,
jamais se queixava, mas, com semblante humilde e suave,
ia à igreja e, como única oração, repetia:
"Senhor, eis aqui João diante de Vós!"
O Senhor parecia nem o ver nem o ouvir,
de modo que a carga de sua vida se tornava cada vez mais pesada.
João, porém, cada vez que um novo golpe o surpreendia,
fazia-se menor, já que Deus parecia mais surdo.
João morreu e, ao subir para a cidade celestial,
no limiar do paraíso pôs-se de joelhos e,
com a mesma voz confiante e modesta, repetia:
"Senhor, eis aqui João diante de Vós!"...
Dessa vez, porém, viu abrir-se a augusta porta
e os anjos virem ao seu encontro.
Aos pés do Eterno levaram o justo e Deus lhe disse:
"Diante de João eis-me aqui para sempre!"
Esta poesia nos diz que mesmo a oração sem palavras, na impossibilidade de um discurso, é válida. A fé de quem fica em silêncio fala eloqüentemente a Deus, a tal ponto que os antigos diziam: "Tibi silentium laus, Para Ti o silêncio é louvor". A perseverança tenaz de quem tem sede de Deus, será um dia recompensada.
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NOTA:
[1] "Muitas vezes Deus permite que securas e maus pensamentos nos persigam e aflijam, sem que os possamos lançar para longe de nós. Permite mesmo, algumas vezes, sermos mordidos, para que aprendamos a nos guardar melhor no futuro e para provarmos que deveras nos pesa ter ofendido a Deus. / Não desanimeis, portanto, quando vos acontecer cair. Nem deixeis de querer ir adiante. Dessa mesma queda tirará Deus vosso bem... Ainda que não houvesse outro meio de enxergarmos a nossa miséria, o combate renhido, que forçosamente travamos para de novo nos recolhermos bastaria para reconhecermos o grande mal que nos faz o costume de andar dissipadas" (Castelo Interior ou Moradas 1, 8s).
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