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sábado, 26 de maio de 2007

Sentido da vida: o porquê do sofrimento

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 297/1987)

Em síntese
: O sofrimento parece a alguns ser um argumento contra o poder ou a bondade de Deus. A mensagem cristã responde que Deus não é nem pode ser - o autor de algum mal; mas Ele permite que as criaturas, limitadas como são, cometam males físicos e morais. Ele não quer “policiar” o mundo artificialmente, mas se encarrega de tirar dos males produzidos pelas criaturas bens ainda maiores. Isto em vários casos é evidente pois se verifica que, para muitas pessoas, o sofrimento é uma escola que converte e transfigura. Em outros casos, os frutos positivos do sofrimento não são tão perceptíveis,- não obstante, o cristão tem certeza de que a Providência Divina não falha e um dia ele compreenderá plenamente o plano de Deus, do qual atualmente ele só percebe segmentos e facetas.

Mais: a figura do Filho de Deus, que, feito homem, assumiu a dor e a morte a fim de fazê-las passagem para a ressurreição e a glória, é o testemu­nho mais eloqüente de que o sofrimento não é mera sentença da justiça ou castigo, mas está intimamente associado ao amor que Deus tem para conos­co. Aceito em união com Cristo, o sofrimento vem a ser fonte de salvação pa­ra o paciente e de expiação dos pecados do mundo.

***

Um dos temas que mais vem a tona nos círculos filosóficos e religiosos de nossos dias é o do sofrimento. Quanto mais se alastra e intensifica a dor dos homens provocada pela fome, o terrorismo, as guerras, tanto mais indagam a respeito do sentido do sofrimento. Freqüentemente nasce daí a objeção se Deus existe como pode permitir tanta desgraça, especialmente quando afeta pessoas inocentes? Se tanto mal acontece, ou Deus não pode ou não quer evitá-lo. No primeiro caso, Ele não é Todo-Poderoso (então não é Deus); no segundo caso, Ele não ama seus filhos, pois nenhum pai assiste indiferente ao sofrimento dos seus filhos. Em conseqüência de tais raciocínios, parece lógico a muitos negar a existência do próprio Deus.

Eis por que as páginas subseqüentes serão dedicadas ao estudo de tal problema. Pode-se-lhe apresentar solução?... ou ao menos alguma luz que o esclareça? - Aliás, também o último Sínodo Mundial dos Bispos, encerrado em dezembro de 1985, chamou a atenção para a recrudescência do mal em nossos dias (tão marcados pela fome e pela ameaça de catás­trofes nucleares) e solicitou especial atenção para a Teologia da Cruz:

“Percebemos que os sinais dos tempos presentes são, em parte, diferentes daqueles dos tempos do Concílio, com problemas e angústias ainda mais graves. Com efeito: assistimos em toda parte ao aumento da fome, da opressão, da injustiça; a guerra domina em vários lugares, com os sofrimentos que ela acarreta, enquanto o terrorismo e a violên­cia, sob mil formas, se manifestam um pouco por toda parte. Isto nos obriga a nova e mais profunda reflexão teológica para interpretar esses sinais à luz do Evangelho...

Parece que nas atuais dificuldades Deus nos quer ensinar mais profundamente o valor, a importância e a centralidade da Cruz de Je­sus Cristo” (D, nº 1 e 2).

Examinemos agora as objeções que, em vista do sofrimento da humanidade, são atualmente levantadas contra a existência ou os atri­butos de Deus.

1. Se o mal existe, Deus existe?

Eis quatro objeções que a opinião pública não raro formula:

1.1. Deus sem poder ou sem amor

“Diante do sofrimento no mundo, Deus não pode ou não quer intervir. No primeiro caso, Ele é fraco ou destituído de poder; no segundo caso, Ele ca­rece de amor para com seus filhos”.

- Esta objeção já foi longamente desenvolvida por Voltaire após o terremoto de Lisboa em 1755 e pelo filósofo Arthur Schopenhauer (1860). Houve quem lhe respondesse, admitindo que Deus é muito sábio e muito poderoso, mas não todo-poderoso (assim Voltaire, Stuart MilI, M. Schiller). - Todavia quem assim pensa, está praticamente negando a existência de Deus, pois, por definição, ou Deus é a Suma Perfeição, sem limites, ou simplesmente não existe.

A resposta católica a tal objeção já foi formulada por S. Agostinho († 430), ao qual S. Tomás de Aquino († 1274) faz eco. “A existência do mal não se deve à falta de poder ou de bondade em Deus; ao contrário, Ele só permite o mal porque é suficientemente poderoso e bom para tirar do próprio mal o bem - Nullo modo sineret aliquid mali esse o operibus suis, nisi esset adeo omnipotens et bonus ut bene faceret etiam de malo” (Enchiridion, c. 11: ver Suma Teológica I qu. 22 art. 2 ad. 2). Estas palavras, aliás, sintetizam toda a doutrina católica relativa à origem do mal.

1) O mal não é uma entidade positiva; mas uma carência do ser (ou do bem) devido. Assim a cegueira é a falta de olhos (é um mal nas cria­turas às quais a natureza concede olhos); o pecado é a falta de concor­dância do ato humano como Fim Supremo da moralidade, que é Deus.

2) Ora, o não ser ou a carência como tal não tem causa. Só pode ser indiretamente causado por um agente falível ou uma criatura que, ao agir, seja capaz de produzir um efeito incompleto, carente de sua perfei­ção.

3) Por conseguinte, Deus, sendo por definição o Ser Perfeitíssimo, não pode ser causa do mal. Esta há de ser a criatura, que pode falhar ao agir no plano físico (um desastre de automóvel, uma enchente, uma seca...) ou no plano moral (o pecado).

4) Deus permite que as criaturas exerçam a sua atividade conforme a natureza de cada uma; permite, pois, as falhas respectivas. Ele não fez um mundo artificialmente policiado ou de marionetes. Todavia em sua sabedoria e bondade Ele se compromete a aproveitar o próprio mal cometi­do pelas criaturas para daí tirar bens maiores.

5) Não raro é-nos dado perceber os bens que se seguem aos males decorrentes da ação das criaturas. Com efeito, sabemos que muitas e muitas pessoas se transformaram e nobilitaram em conseqüência de uma moléstia grave, de um baque ou insucesso na vida. Em outros casos não nos é possível indicar os frutos positivos procedentes de algum mal; mas o cristão tem a certeza de que, no final dos tempos, lhe será concedido contemplar o plano de Deus e as ligações existentes entre os fatos que ele abrange.

A resposta teológica aqui esboçada será mais amplamente explanada sob o título 2 deste artigo. Importa aqui mostrar apenas que a exis­tência do mal no mundo não significa falta de poder ou de bondade em Deus. Os caminhos de Deus não são os dos homens, diz o Profeta (Is 55,8); a visão que Deus tem das criaturas e da história, é muito mais ex­tensa do que a que nós temos. Por causa de nossas perspectivas limitadas, corremos o risco de apontar sem mais um mal ou um desastre onde há apenas o preâmbulo de um grande benefício arquitetado sobre a pró­pria falibilidade das criaturas.

1.2. Insistindo...

“Não aceito a explicação, pois freqüentemente me parece que a des­graça é tão-somente desgraça, longe de qualquer plano providencial de Deus”.

A propósito formularemos três observações:

1) É preciso que a criatura não faça de si mesma o padrão ou o critério para avaliar felicidade ou desventura. Não diga: “Se eu não vejo o lado positivo de uma desgraça, tal lado positivo não existe”. Somente Aquele cujo olhar abarca toda a história da humanidade pode definir o sentido real que cada acontecimento tem nesse conjunto.

2) Se determinado mal não tem realmente uma contraparte posi­tiva ou valiosa, isto se deve muitas vezes ao endurecimento ou à indispo­sição do ser humano. Deus não constrange ninguém a acolher a sua gra­ça. Com outras palavras: a pessoa que sofre, pode fechar-se numa atitude de revolta, que a torna impermeável à ação do Espírito de Deus.

3) Se alguém insiste em negar a existência de Deus por causa das desgraças existentes no mundo, elimina do seu horizonte um fator de es­perança e coragem, e não resolve o problema do sofrimento. Ao contrá­rio, cria para si um novo problema. Com efeito, verifica-se que muitas e muitas pessoas, quando sofrem, apelam espontaneamente para Deus; assim nos cárceres, nos hospitais, nas trincheiras de guerra... é mais freqüente o clamor que pede ajuda, do que a blasfêmia. Quem sofre, ex­perimenta muitas vezes a necessidade de um auxílio mais do que huma­no para tirá-lo da sua dor e salvar da desgraça os seus semelhantes.

Mais: se alguém nega a existência de Deus, vê-se diante de um mundo marcado pela injustiça e retido pelas leis do mais forte que esmaga o mais fraco... sem que possa haver esperança de restauração da ordem ou do reconhecimento dos verdadeiros valores. Já Platão ( † 347 a.C.), diante da injusta morte de Sócrates, afirmava a necessidade de haver uma justiça superior ou divina para que a morte de Sócrates não fosse um mero absurdo ou o triunfo do mal sobre o bem (ver os diálogos Re­pública e Fedon).

1.3. Só para os maus...

“Somente os criminosos deveriam sofrer; ao passo que os justos have­riam de gozar de paz e felicidade. Ora às vezes parece que se dá o contrário”.

A respeito ponderamos:

1) Todos os seres humanos são portadores de pecado. Não os di­vidamos em criminosos, de um lado, e inocentes, de outro lado. Os que não cometem graves faltas morais, trazem dentro de si a potencialidade ou a capacidade de as cometer.

2) O sofrimento não deve ser considerado apenas como punição ou sanção devida a um réu. Ao contrário, o sofrimento tem significado muito mais largo e nobre. Com efeito,

a) o sofrimento físico é decorrente da própria natureza corpórea do homem. A dor é sinal de alarme que torna o homem consciente de uma moléstia ou um distúrbio do seu organismo; se não fosse a dor, o mal progrediria sem que o paciente pudesse perceber adequadamente. O natural desgaste dos órgãos (coração, pulmões, fígado...) provoca dores que vêm a ser salutar advertência ou ensinamento para o homem.

b) o sofrimento está também muito ligado ao amor e à nobreza de caráter. Longe de ser castigo, o sofrimento decorre muitas vezes do fato de que alguém ama outra pessoa e compartilha as dores desta. Pode-se mesmo dizer: quanto mais alguém é digno e magnânimo, tanto mais so­fre; quanto mais mesquinho ou desnaturado, tanto menos sofre. Qual a mãe que não sofre por causa da dor de seu filho?

c) de modo geral o sofrimento é escola para o ser humano. Contribui para vencer o egoísmo e tornar a pessoa mais voltada para o próximo; torna atuantes muitas energias e potencialidades que nunca desabrochariam se não fosse o sofrimento. Esta verdade é tão óbvia que já os antigos gregos a formularam no trocadilho “pathos mathos” (sofrimento é ensinamento ou aprendizagem). Quem não passa pelo cadinho do sofrimento, muitas vezes é egocêntrico e insensível para com os outros; desfigura-se no plano da personalidade.

1.4. Ao menos, não seja excessivo!

Dirá alguém: “Se o sofrimento tem suas vantagens, é para desejar que não se torne excessivo. Deus deveria saber moderá-lo”.

- Respondemos que as expressões “excessivo” e “pouco demais” são relativas. Quem gosta de trabalhar, se dá por feliz quando desempenha uma tarefa grande e importante, que a pessoa vadia rejeitaria como “ex­cessiva”. Caminhar um quilômetro, para uns, é excessivo, enquanto para outros é insuficiente. Por conseguinte, é difícil levar em consideração a reivindicação do sofrimento não excessivo, já que este termo é vago ou genérico demais. Como dito, não devo fazer de minhas categorias de pensamento e afeto os critérios de aferição do que acontece aos outros, principalmente se não conheço esses outros.

Passemos agora à explanação da resposta cristã ao problema do sofrimento.

2. A resposta cristã

2.1. Observação prévia

A fé ajuda o cristão a esclarecer o problema do sofrimento, mas não dissipa todo enigma a tal propósito. Especialmente quando se consideram casos particulares, como a morte desta mãe ou deste pai, que dei­xam crianças pequenas, não é possível oferecer explicação cabal e precisa para o ocorrido; nem nos é possível dizer por que tal desastre de auto­móvel se deu precisamente em tal dia de festa. O livro de Jó nos recorda a insondabilidade do sofrimento, quando, referindo-se às tentativas de explicar o sofrimento, põe nos lábios de Jó as seguintes palavras:

“Eis que falei levianamente; que poderei responder-te? Porei mi­nha mão sobre a boca; falei uma vez, não replicarei... Falei de coisas que não entendia, de maravilhas que me ultrapassam. Conhecia-te só de ouvido, mas agora viram-te os meus olhos; por isto retrato-me e fa­ço penitência no pó e na cinza” (Jó 40, 4s; 42, 3-6).

Todavia a fé cristã projeta sobre o mistério do sofrimento a pers­pectiva do amor de Deus; como é difícil dar explicação cabal para o mis­tério do amor, também é árduo explicar o mistério do sofrimento. A fé católica enquadra o mistério do sofrimento dentro do mistério maior do amor. Com efeito, o amor de Deus, que criou o homem num misterioso ato de benevolência, jamais o abandona; certamente exerce seus planos através dos percalços da caminhada que a criatura percorre na terra. To­das as respectivas ocorrências estão sob o signo desse amor primeiro, gratuito e irreversível (cf. 1Jo 4,10.19).

Examinemos agora, de mais perto, a explicação teológica.

2.2. A origem do mal no mundo

A S. Escritura refere que o mal no mundo teve origem por violação (por parte dos primeiros pais) da ordem instaurada pelo Criador.

Com efeito. Deus quis dotar os primeiros homens de grande rique­za interior: 1) a graça santificante, que lhes comunicava a filiação divina e 2) os dons preternaturais (a isenção da morte, do sofrimento, da desor­dem de tendências interiores...). Tal era o estado de justiça original.

Estes dons estavam condicionados à fidelidade do homem ao plano de Deus. Sim: deviam ser livremente aceitos pela criatura. Por isto o Criador propôs a esta um modelo de vida (figurado pela proibição da fruta da árvore da ciência do bem e do mal, Gn 2, 16s). Aceitando-o, o homem submeteria sua entrega ao desígnio de Deus; recusando-o exprimiria o seu Não e sua auto-suficiência. Ora, na verdade os primeiros pais rejeitaram o modelo de vida apresentado pelo Senhor Deus; pecaram por soberba, que os levou a desobediência. Em conseqüência, perderam a chamada “justiça original” e caíram num estado em que existem a morte, o sofrimento as tendências desregradas... Verdade é que tanto a morte como o sofrimento e os apetites instintivos são algo de natural; todavia após o pecado dos primeiros pais trazem a marca da desordem e da desobediência. O mundo que, por dom de Deus, estava harmoniosamente sujeito ao homem, já não é tal; enquanto o homem se mantinha submisso e fiel a Deus, o mundo inferior estava subordinada ao homem; todavia, rompida a sujeição do homem ao Criador, rompe-se a serventia das criaturas irracionais ao homem; estas o maltratam e esmagam, negam-lhe os frutos da terra e, não raro, as condições de sobrevivência.

Por conseguinte, conforme o texto sagrado e a doutrina da fé, a origem do mal no mundo está no pecado ou no plano moral. Este susci­tou o mal físico (doenças, mortes, catástrofes, calamidades...).

A doutrina do pecado original assim concebida tem sido questionada ou posta em dúvida por parte de alguns teólogos e exegetas. Estes afirmam que o pecado começou sua história no mundo sem o quadro ou a moldura que o texto sagrado lhe assinala; não importaria o modo de suas origens. Tal teoria destrói a cosmovisão cristã. Por isto o S. Padre João Paulo II, em suas audiências de quarta-feira, tem insistido no assunto, incutindo a doutrina de fé da Igreja; tenha-se em vista L’Osservatore Romano, edições semanais de setembro outubro 1986.

Eis, porém, que, na história das relações do homem com Deus, a última palavra não foi a do pecado nem a da desordem. O Senhor Deus não se quis deixar vencer pelo mal, mas venceu o mal com o bem (cf. Rm 12,21). É o que veremos a seguir.

2.2. O resgate da dor

Diz São Paulo: “Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo” (Ef 2, 4s). Ou ainda: “Onde abundou o pecado, aí superabundou a graça” (Rm 5, 20). Com outras palavras:

Deus não ficou indiferente à desgraça na qual o homem se atirou pelo pecado; não assistiu “friamente” à tragédia; mas houve por bem assu­mi-la em toda a sua realidade concreta.

O testemunho do amor de Deus foi precisamente a obra de Cristo. Enviando seu Filho ao mundo, o Pai constituiu um segundo Adão ou um novo Cabeça da humanidade. Este assumiu a dor e a morte do homem até as últimas conseqüências, numa atitude de entrega e de amor ao Pai. Desta maneira mudou o significado do sofrimento humano; este já não é mera conseqüência do pecado ou sanção da justiça divina; ele foi redimido vindo a ser a via de volta do homem a Deus. O homem sofre e, sofrendo, se encaminha para o Pai com Cristo.

Os teólogos costumam deter-se na explanação do valor do sacrifício de Cristo, valendo-se do texto de São Paulo: “Aquele que não conhe­cera o pecado, Deus o fez pecado por nós a fim de que nos tornássemos justiça de Deus por Ele” (2Cor 5, 21). Estes dizeres significam que Cristo foi constituído sacrifício pelo pecado; Ele fez partir da própria natureza humana o amor e a dedicação ao Pai que o primeiro Adão recusou.

O cristão, sofrendo com Cristo, pode até mesmo tornar-se corre­dentor com Jesus, expiando em sua carne os pecados da humanidade, como lembra o S. Padre Pio XII na encíclica “Mystici Corporis Christi”. Desta maneira, o sofrimento, além de ser escola benéfica (como foi dito anteriormente), é também ocasião de derramamento de graças sobre o mundo. O sofrimento dos inocentes há de ser visto à luz desta verdade: como Cristo inocente padeceu transfigurando a dor, assim o cristão san­tamente configurado a Cristo, padece oferecendo ao Pai o repúdio ao pe­cado e o amor que os pecadores deveriam tributar a Deus. O Pai celeste dispôs salvar os homens mediante Cristo e aqueles que se unem a Cristo pela santidade de sua vida. Assim a própria dor das pessoas retas e justas toma sentido. São Paulo dizia: “Completo em minha carne o que falta à Paixão de Cristo em favor do seu corpo que é a Igreja” (Cl 1,24). Quando o cristão sofre, não é simplesmente um ser biológico que sofre, mas é o próprio Redentor que estende a sua Paixão aos membros do seu Corpo Místico, associando-os à sua obra redentora: na verdade, o sacrifício de Cristo na Cruz foi infinitamente meritório, mas cada cristão pode dar-lhe o suporte ou a moldura da sua vida pessoal..., suporte que a Paixão de Cristo não teria se não fosse a vida de cada discípulo de Cristo.

O valor do sacrifício do cristão unido ao de Cristo foi realçado pelo Cardeal Frantisek Tomasek, de Praga, numa entrevista concedida ao pe­riódico italiano Il Sabato. O prelado falou então dos graves problemas que o regime comunista suscita para a Igreja na Checoslováquia (cer­ceamento de atividades pastorais, dificuldades para a nomeação de Bispos, encarceramento de sacerdotes e leigos...). O repórter então lhe perguntou:

“Eminência, não está cansado de combater uma batalha sem êxi­to”?

Respondeu o Cardeal: “A situação é difícil; não se vê como e quando possa melhorar. Mas tenho sempre esperança. Digo sempre uma coisa: quem trabalha pelo Reino de Deus, faz muito; quem reza, faz mais; quem sofre, faz tudo. Este tudo é exatamente o pouco que faze­mos entre nós, na Checoslováquia”.

Quem sofre, faz tudo, desde que unido a Cristo, pois toma parte íntima na Paixão Redentora do Senhor, fonte de salvação para o mundo inteiro.

3. Conclusão

Eis a maneira como a mensagem cristã responde ao problema do sofrimento humano. Aos olhos da fé, é plenamente satisfatória; tem suscitado grandes heróis e heroínas através dos séculos. O que esta explicação possui de mais típico é o fato de conjugar entre si justiça e amor. Sim; o sofrimento, de um lado é a justa conseqüência do Não dito pelo homem a Deus no início da sua história; por outro lado, é o testemunho do amor de Deus que, assumindo o sofrimento e a morte, demonstra ao homem que lhe quer bem e não desiste de o chamar à Vida; Cristo trans­figurou o sofrimento e o fez caminho de conversão ou de retorno ao Pai.

A propósito citamos:

John M. McDermott S.J., Il senso della sofferenza, em La Civiltà Cat­tolica nº 3272, 18/10/1986, pp. 112-126.

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