(Revista Pergunte e Responderemos, PR 446/1999)
Em síntese: O Sr. Bispo de Angoulême (França), Mons. Claude Dagens, publicou, aos 9/2/99, uma Nota oficial pela qual reconhece a cura milagrosa do Sr. Jean-Pierre Bély obtida aos 9/10/1987 e devidamente examinada por médicos e teólogos. As diversas perícias efetuadas levaram à conclusão de que se trata de fato inexplicável pela ciência e realizado em resposta do Senhor às orações do beneficiado e de quantos lhe assistiram. A seguir, vai publicado o texto de Mons. Dagens acompanhado de notícias sobre o procedimento adotado para averiguar a possibilidade de algum milagre em Lourdes.
Sabe-se que em nossos dias duas atitudes se defrontam frente a possíveis milagres: há os que não lhes dão crédito algum, como também existem os que facilmente acreditam
Como espécimen da maneira como a autoridade eclesiástica procede perante a notícia de eventual milagre, vai a seguir publicada a Declaração de Mons. Claude Dagens, Bispo de Angoulême (França), relativa à cura total e subitânea de um diocesano seu, o Sr. Jean-Pierre Bély. - À guisa de ilustração, serão indicados mais pormenorizadamente os trâmites do exame médico realizado em cada caso de apregoado milagre.
I. A Declaração do Sr. Bispo de Angoulême
«Esta Declaração versará sucessivamente sobre:
- o fato da cura;
- a interpretação deste fato segundo a fé cristã;
- a responsabilidade própria da Igreja ao autenticar o fato.
1. O fato da cura
Na sexta-feira 9 de outubro de 1987, em Lourdes, no decorrer da peregrinação do Rosário, da qual participava, o Sr. Jean-Pierre Bély, de 51 anos de idade naquela época, foi curado de grave moléstia, que o invalidava, e de que sofria havia vários anos. Tal moléstia foi identificada pelos médicos que dele tratavam, como sendo uma esclerose em placas evoluída em fase severa e avançada.
Todos os médicos que examinaram o paciente após o acontecimento ocorrido em Lourdes aos 9 de outubro de 1987, verificaram que a cura do Sr. Bély foi subitânea, completa e duradoura.
Como Bispo da diocese de Angoulême, em que o Sr. Bély continua a residir, trago hoje a responsabilidade de tornar pública a interpretação que a Igreja se julga autorizada a dar a essa cura subitânea e inesperada.
Tal interpretação apóia-se sobre o testemunho prestado pelo Sr. Bély mesmo após o acontecimento ocorrido em favor dele na cidade de Lourdes aos 9 de outubro de 1987. Comporta a leitura e uma compreensão desse testemunho à luz da fé.
a) É certo que o Sr. Bély foi total e duradouramente curado em Lourdes, ou seja, foi isento da moléstia de que sofria, e restaurado efetivamente em seu estado normal.
Essa libertação em relação à moléstia e esse reerguimento podem ser considerados como um dom pessoal de Deus a tal homem ou como um derramamento da graça e um sinal de Cristo Salvador.
b) O derramamento da graça ocorreu em Lourdes por ocasião de uma peregrinação, durante a qual o Sr. Bély pôde receber o sacramento da Reconciliação e o da Unção dos Enfermos. É necessário reconhecer o íntimo nexo existente entre os sinais sacramentais e o fato da cura. O amor de Deus para com o enfermo se manifestou através dos atos sacramentais da Igreja.
c) A intercessão da Virgem Maria também foi decisiva para a cura do Sr. Bély.
O relato que ele mesmo fez dos dias passados em Lourdes, permite-nos perceber a peculiar atenção materna da Virgem Maria para com o doente gravemente afetado e fiel à oração do Rosário.
Por conseguinte, o fato da cura do Sr. Bély não deve ser separado nem dos sacramentos recebidos durante a peregrinação nem da prece dirigida a Nossa Senhora de Lourdes. A cura do Sr. Bély, mesmo que tenha sido instantânea, não caiu do céu; ela se insere no contexto da Igreja real, que vive dos sacramentos do Cristo e que roga à Virgem Maria, a Mãe de Jesus Cristo, o Salvador.
A imprevista cura do Sr. Bély suscitou múltiplas perícias médicas de ordem neurológica e psiquiátrica; estas foram submetidas, durante perto de dez anos, à Comissão Médica (Bureau Médical) de Lourdes e ao Comitê Médico Internacional de Lourdes (CMIL).
No decorrer de sua última reunião, esse Comitê Médico Internacional absteve-se de fornecer provas médicas absolutas da cura, mas exprimiu o desejo de que a Igreja formulasse o seu juízo próprio. Ora tal é o objetivo desta Declaração.
a) O discernimento pastoral que tenho a responsabilidade de tornar público, como Bispo da diocese de Angoulême, não é dissociável do discernimento médico tal como foi formulado pelo Comitê Médico Internacional.
Com efeito, pode-se reconhecer que o fato dessa cura subitânea e imprevista escapa aos trâmites habituais e naturais da doença diagnosticada.
b) Levando em conta esses elementos, a Igreja goza da liberdade, reconhecida pelo próprio Comitê Internacional, de formular o seu discernimento próprio pastoral, que se apóia sobre o testemunho do Sr. Bély e sobre a Comissão Canônica, constituída de sacerdotes e leigos qualificados, principalmente de médicos, que reuni em Angoulême na segunda-feira 4 de janeiro de 1999.
Em nome da Igreja, portanto, reconheço publicamente a índole autêntica da cura obtida pelo Sr. Jean-Pierre Bély em Lourdes na sexta-feira 9 de outubro de 1987.
Essa cura subitânea e completa é um dom pessoal de Deus a tal homem e um sinal efetivo do Cristo Salvador, que se realizou pela intercessão de Nossa Senhora de Lourdes.
c) Esta Declaração pública foi proclamada no decurso de duas celebrações eucarísticas na quinta-feira 11 de fevereiro de 1999, na festa de Nossa Senhora de Lourdes, festa que também é, na Igreja Católica, o Dia Mundial de Oração pelos Enfermos.
Em Lourdes, a Eucaristia foi celebrada às 10h e 30min na basílica de São Pio X sob a presidência de Monsenhor Jacques Perrier, Bispo de Tarbes e Lourdes.
Em Angoulême a Eucaristia foi celebrada às 20h 30min na igreja de Nossa Senhora de Obezine. Presidi-lhe como Bispo de Angoulême. O Sr. Bély dela participou com a família e os amigos.
d) Convido todos os fiéis a que dêem graças pela cura, como o faz o Sr. Bély mesmo, ou seja, segundo o espírito das bem-aventuranças, com a consciência de sermos pobres criaturas amadas por Deus e certas de poder contar com o amor de Deus.
Convido especialmente os doentes a que sejam, entre nós, as testemunhas dessa confiança, não simplesmente numa atitude de resignação diante do sofrimento, mas desejosos de que se realize a nova criação, liberta da doença, do pecado e da morte. Pois 'as criaturas todas gemem até agora as dores do parto' (Rm 8, 22).
Que a Virgem Maria, Nossa Senhora de Lourdes, nos ensine a participar, mesmo em nossos corpos, desse parto de uma humanidade nova, transformada pelo Amor de Deus em Cristo.
Mons. Claude Dagens
Bispo de Angoulême
9 de fevereiro de 1999»
II. Os Trâmites da Pesquisa Médica
Para averiguar as apregoadas curas de doenças em Lourdes, existe nessa cidade o chamado Bureau Médical (Comissão Médica). Esta não se destina a atender aos doentes que comparecem como peregrinos e precisam de consulta médica. Para este fim, existem médicos e enfermeiras/enfermeiros disponíveis para acompanhar os doentes em suas carências. Existem também farmácias e ambulatórios prontos a dar o socorro médico ou farmacêutico necessário a peregrinos e visitantes da cidade.
O Bureau Médical tem sua estrutura concebida como serviço destinado a averiguar a autenticidade de alguma apregoada cura. É composto por médicos residentes em Lourdes e por outros profissionais da saúde interessados em verificar a genuinidade da declaração de cura feita por pacientes beneficiados. Aliás, desde a época das aparições em 1858 os médicos tiveram papel importante
A partir de 1998 o Bureau Médical está sob a responsabilidade do Dr. Theillier.
Pergunta-se agora:
- Como se dá o controle de uma cura?
Antes do mais, sejam apresentados os critérios que indicam a cura:
Para que a pesquisa médica possa concluir estar diante de uma cura certa, definitiva e medicamente inexplicável (os médicos não falam de milagre), requer-se:
- que se apure claramente o tipo de moléstia de que sofria o paciente antes de chegar a Lourdes; exige-se diagnóstico preciso, sem o qual não prossegue a pesquisa;
- que a cura tenha sido subitânea, sem convalescença, completa e definitiva;
- que o tratamento prescrito pelos médicos não possa ser tido como causa da cura nem mesmo como fator que a tenha favorecido de algum modo.
Eis as etapas da tramitação do processo:
Os pacientes que vão a Lourdes, geralmente levam consigo um atestado médico que declara exatamente qual é o seu estado de saúde.
Caso o enfermo se julgue restabelecido, apresenta-se à Comissão Médica (Bureau Médical) com o seu acervo documentário; cantata assim o médico-chefe da equipe e todos os médicos presentes em Lourdes desejosos de participar do exame do caso.
Esse primeiro contato não permite conclusão alguma. Apenas é feito o registro do caso e convida-se a pessoa a voltar à presença da Comissão Médica no ano seguinte ou em época posterior.
Se vários exames sucessivos resultam favoráveis ao laudo de cura, o caso é transferido para o Comitê Médico Internacional (desde que 3/4 dos médicos presentes aos exames da Comissão Médica o desejem).
A segunda instância (perante o Comitê Médico Internacional) só é praticada a partir de 1947. O próprio Bureau Médical de Lourdes, composto de médicos franceses apenas em suas origens, tornou-se internacional em
Podem decorrer muitos anos antes que os especialistas profiram algum juízo sobre determinado caso; interessa-lhes, antes do mais, controlar a evolução da saúde dos pacientes ou a duração do estado de cura.
Se o Comitê Internacional emite um laudo favorável, este é levado ao conhecimento da autoridade eclesiástica. Desde 1947, cerca de 1.300 dossiês foram apresentados ao Comitê Internacional. Entre 1947 e 1998 o Comitê levou 29 dossiês à autoridade eclesiástica; 19 deles foram reconhecidos como casos de cura milagrosa. Antes da criação do Comitê Internacional, a Igreja havia reconhecido 46 milagres obtidos em Lourdes desde 1858. Ora 46 + 19 = 65 casos anteriores ao do Sr. Jean-Pierre Bély.
Como dito, tendo passado por Comissões Médicas com o qualificativo de "cientificamente inexplicável", o caso é apresentado à autoridade eclesiástica. Toca então ao Bispo da diocese em que reside a pessoa agraciada, pronunciar-se sobre o assunto. Para tanto, o prelado reúne uma Comissão de sacerdotes, canonistas e teólogos, que deve orientar seu procedimento pelas normas estabelecidas em 1734 pelo futuro Papa Bento XIV
Em poucas palavras, essas normas exigem que não se encontre explicação válida de ordem médica, científica, natural para o caso
Desde que o Bispo diocesano receba todos os laudos favoráveis ele se manifesta definitivamente e propõe aos seus diocesanos, como ao mundo católico todo, que vejam em tal cura um "sinal de Deus".
Já observamos que a cura do Sr. Jean-Pierre Bély foi a 66ª reconhecida pela Igreja desde
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