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segunda-feira, 7 de maio de 2007

Milagres: sim ou não

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 292/1986)


Em síntese: Apesar do descrédito que sofre a palavra "milagre" em nossos dias, a Igreja continua a professar a possibilidade e a existência de autênticos milagres. Estes não são simplesmente demonstrações do poder de Deus, mas vêm a ser, conforme a linguagem bíblica, sinais, isto é, acenos eloqüentes de Deus aos homens a fim de dissipar dúvidas ou demonstrar a Providência e o Amor de Deus para com as criaturas. - De modo especial, a Igreja crê que Deus faz milagres que atestem a santidade de homens e mu­lheres que a devoção popular considera "santos"; a Igreja, para confirmar tal opinião, geralmente espera que Deus se pronuncie sobre a temática, realizan­do um ou dois milagres ou sinais. Existe em Roma a Congregação para as Causas dos Santos, que examina a documentação relativa a cada candidato a canonização e que, por conseguinte, se interessa pela autenticidade ou não de fatos tidos como milagrosos.

O artigo seguinte apresenta declarações de um professor e médico que trabalha em tal Congregação, e oferece três relatos de milagres reconhecidos como tais pelos peritos médicos e canonistas.

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Os milagres hoje em dia correm o perigo do descrédito, pois se ve­rifica que muitos fatos até época recente tidos como inexplicáveis são elucidados pela ciência médica e pela parapsicologia. Não obstante, a Igreja continua a valorizar os milagres dentro de certas condições:

1) o episódio em foco tenha realmente ocorrido como fato históri­co (é preciso examinar criticamente os relatos de "prodígios" logo que sejam apresentados pelo povo de Deus; muitas narrações são então comprovadas como fantasiosas e não históricas);

2) o episódio histórico seja totalmente inexplicável pela ciência;

3) haja ocorrido em condições dignas de Deus, como resposta do Senhor a um contexto adequado ou a preces de fiéis devotos. Esta ter­ceira característica é muito acentuada em nossos dias, pois o milagre só tem sentido na medida em que é um sinal (semeion, diz sempre o evan­gelista São João) de algo maior ou de uma mensagem de Deus aos ho­mens. Exemplo típico de milagre-sinal é o da cura do paralítico em Mc 2,3-12: Jesus, ao vê-lo, perdoou-lhe os pecados; visto que os circuns­tantes não acreditavam na validade do gesto do Senhor, Este mandou que o paralítico se levantasse e andasse. O "sinal" comprovou a autoridade de Jesus; tornou-se uma palavra mais eloqüente do Senhor Jesus.

Precisamente porque acredita no valor dos milagres, a Igreja exige, para a canonização dos Santos, milagres comprovados; estes são tidos como sinais de Deus que autenticam as virtudes dos Santos e possibili­tam à Igreja propor tais fiéis como amigos de Deus e intercessores dos homens. - Aliás, é de notar que toda canonização de Santo é proferida com a assistência infalível do Espírito Santo; é uma afirmação de fato dogmática, ou seja, do fato de que tal ou tal servo(a) de Deus é modelo de vida cristã e pode ser tido(a) como intercessor(a) junto a Deus; em tal tipo de definição a Igreja não pode errar, pois toca a fé.

Recentemente o jornalista italiano Vittorio Messori foi entrevistar personalidades da Santa Sé relacionadas com os processos de canoniza­ção dos Santos. Nas páginas subseqüentes, publicaremos partes de um diálogo havido entre o jornalista e o Prof. Dr. Marcello Meschini, médico legista de Roma e Secretário dos Processos de Averiguação de Milagres.[1]

1. Milagres: como averiguá-los?

O Dr. Marcello Meschini logo observou que, para se poder falar de milagre, se requerem sucessivas perícias médicas: o exame de cada caso começa na própria diocese da pessoa tida como virtuosa; os médicos lo­cais estudam o ocorrido e recolhem toda a documentação atinente ao fato.O material é enviado à Santa Sé, que submete o caso à "Consulta Médica" da S. Congregação para as Causas dos Santos; uma Comissão de cinco médicos examina os dados com plena liberdade cientifica e au­tonomia de decisão: as discussões podem tornar-se candentes. Desde que os médicos reconheçam a total inexplicabilidade do caso, este é leva­do a exame teológico, que ocorre em duas fases: primeiramente, há uma sessão de teólogos apenas, que investigam os aspectos religiosos das ocorrências (terá havido aí manifestações supersticiosas, vã glória ou, ao contrário, autentica piedade?); depois, o documentário é apresentado a uma Congregação de Cardeais e Bispos. Os resultados de todas essas perícias são levados ao Papa; se este os reconhece como válidos, lê-se na sua presença o decreto referente à validade do milagre. Assim é aberto o caminho para a Beatificação ou para a Canonização da pessoa em foco.[2] O Santo Padre pode dispensar da exigência de milagres desde que haja evidência de se tratar de um mártir que derramou o sangue estritamente por fidelidade à fé católica.

Observou o Dr. Marcello Meschini:

"Para que uma cura seja por nós considerada como cientificamente inexplicável e milagrosa, precisamos de conhecer bem o diagnóstico e as probabilidades de cura; precisamos também de saber se foi cura definitiva, completa, obtida sem tratamento adequado e em período de tempo não natu­ral, isto é, de maneira instantânea ou inexplicavelmente rápida.

Para poder definir isto tudo, requer-se evidentemente uma documenta­ção rigorosa a ser estudada pela Postulação da Causa, que nem sempre é fá­cil obter; os peritos podem pedir novas pesquisas e, mesmo assim, são mui­tas vezes obrigados a pronunciar-se negativamente por falta de documentos suficientes".

2. Alguns exemplos

Acrescentou o Prof. Meschini:

"Muitos pensam que as curas que reconhecemos e que servem aos processos de canonização, devam referir-se à vida e à morte de algum en­fermo; este, sem a intercessão do Santo, teria morrido. Na verdade, porém, os casos são muito diversificados; não exigimos que as previsões de cura te­nham sido nulas para podermos falar de milagres".

A fim de ilustrar as suas afirmações, Meschini citou o seguinte caso: havia uma menina afetada de piodermite, isto é, uma infecção da pele que se estendia sobre o rosto inteiro; com o tempo, a doença poderia provocar danos orgânicos, mas no momento limitava-se a desfigurar a paciente (causando-lhe, sem dúvida, distúrbios psicológicos). Ora a invo­cação do Servo de Deus N.N. provocou o completo e definitivo desapare­cimento da moléstia no decorrer de uma noite. O caso foi reconhecido como milagroso e ocasionou a glorificação do 'candidato'.

Eis outro caso mais recente e impressionante, em que a vida não estava em perigo, mas se tornara mais difícil: um menino indiano nascera com os pés tortos; as plantas dos pés não pousavam sobre o chão, mas estavam voltadas uma para a outra, de modo que só era possível à crian­ça arrastar-se sobre a parte lateral dos pés. O médico de sua pobre aldeia natal diagnosticara o caráter definitivo e irreversível da deformação. Com efeito, o menino, ao crescer, não pudera senão aprender a arrastar-se com muito cansaço, apoiando-se em duas bengalas. Certa manhã, quan­do penosamente se dirigia à escola distante três quilômetros da choupa­na de sua família, deixou-se cair esgotado numa atitude de desespero. Sua irmã, jovenzinha, o acompanhava; para consolá-lo, propôs-lhe que orassem. Mas a quem haveriam de rezar? A menina lhe sugeriu que invo­cassem a Fundadora do Instituto Religioso no qual sua tia se fizera freira. Esta, com efeito, dizia muitas vezes que a Madre "fazia milagres". Dito e feito; as duas crianças invocaram a Madre e logo ocorreu a cura. O en­fermo pôde imediatamente desfazer-se de suas bengalas e caminhar normalmente até a escola, onde todos conheciam a sua deformação e, por isto, ficaram perplexos. Para dissipar as dúvidas sobre a realidade dos fatos, pediram ao menino que fosse jogar bola com os colegas; ele o fez, sim, naturalmente experimentando o grande cansaço de quem treina pela primeira vez.

Eis mais um exemplo de milagre reconhecido como tal, segundo o Prof. Dr. Marcello Meschini:

Uma menina canadense, afetada de leucemia, era vítima também de um tumor retro-esternal (atrás do osso esterno), dentro da caixa torá­cica - o que lhe acarretava sufocação crescente. Apesar de sucessivas in­tervenções cirúrgicas, a situação da menina foi-se agravando a ponto que os médicos recomendaram aos pais que a levassem para casa a fim de que morresse entre os seus. Na falta de esperança de cura, os genitores chegaram a preparar o traje com que a menina seria sepultada. Eis, po­rém, que um dos familiares lhes sugeriu começassem uma novena a um "Servo de Deus" cuja causa estava sendo examinada em Roma. Ora a paciente foi piorando sempre até o último dia da novena, quando, com enorme surpresa de todos, ela se sentou na cama e pediu alimentação. As suas atitudes doravante eram de uma pessoa sadia. Foi então submetida a rigorosos exames médicos, que evidenciaram a total inexplicabilidade do fato; todavia, antes de emitir um juízo sobre a cura, os peritos espe­raram oito anos, a fim de se certificar de que o tumor não tornaria a aparecer. Após este prazo, os médicos puderam afirmar a plena inexpli­cabilidade cientifica da cura.[3]

Após narrar tais fatos, acrescentou o Prof. Dr. Meschini:

"Hoje em dia o progresso da medicina é tal que torna mais raros os ca­sos em que devamos reconhecer curas dotadas de características não natu­rais ou prodigiosas. Doutro lado, tal progresso tornou possível a utilização de meios que controlam a índole total e definitiva da cura com precisão e segu­rança que outrora não tínhamos. Em todo caso, nas minhas aulas para os jo­vens que freqüentam o Studium instituído pela Congregação para as Causas dos Santos, recomendo absoluto rigor, objetividade, aceitação tão-somente dos princípios reconhecidos pela ciência oficial; nunca admitam fazer de hi­póteses teses comprovadas, transformar proposições prováveis em certas e seguras, nem recorram apenas ao método dedutivo.[4] Todos trabalhamos para a glória de Deus; ora o Senhor não precisa de afirmações vagas, ilusórias ou superficiais. Mas é o próprio Deus do Evangelho que nos incita sempre, e de todo modo, a procurar a verdade".

São estas algumas observações importantes relativas ao tema "milagres". Verifica-se que a Igreja acredita em fatos que, totalmente inexplicáveis pelos estudiosos, sejam sinais de autêntica intervenção de Deus na história dos homens, ... sinais da benevolência e do amor de Deus às suas criaturas necessitadas de uma Palavra "forte" do Todo-Po­deroso.

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NOTAS:

[1] Extraímos estes dados da revista JESUS, das Edições Paulinas da Itália, março 1986, pp. 90s.

[2] A respeito de Beatificação e Canonização de Santos ver o artigo de

PR 249/1980, pp. 355-364.

[3] Os médicos não falam de milagre no sentido teológico. É à Comissão de canonistas e teólogos que compete examinar o fato do ponto de vista da fé.

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