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quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Conversões: o exemplo de uma esposa

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 446 1999)

Por James F Heady


Em síntese: James F. Heady trabalha como agente administrativo numa Companhia de Seguros. Formou-se em Economia pela Universidade de Stanford. Casado em 1955 converteu-se ao Catolicismo sete anos mais tarde. Mora em Ventura County, Califórnia, com a cristão (igreja doméstica) cada qual dos dois cônjuges santifica o outro, cf. 1Cor 7, 14. - Dada a importância desta verdade vivenciada por James Heady, publicamos, a seguir, o seu relato, extraído das pp. 88-93 da obra citada.

***


O ITINERÁRIO ESPIRITUAL DE JAMES F. HEADY

«Nasci em abril de 1933, e fui o primeiro de quatro irmãos e o único filho homem.

O meu pai tinha sido jogador de futebol americano durante o segundo grau e rejeitara diversas vezes o conselho de cursar alguma Faculdade. Preferiu alistar-se na Marinha a fim de conhecer o mundo. No ano em que nasci, trabalhava como cronometrista para a WPA (Work Projects Administration), durante os piores anos da Depressão.

Por volta de 1940, mudamo-nos para uma casa na rua 32, em Portland, Oregon, onde os meus pais moram até hoje. Na época, papai conseguira um "emprego de verdade": trabalhava como cronometrista para a companhia que estava construindo a ferrovia Southern Pacific. Continuaria nessa empresa ocupando cargos diversos até aposentar-se, trinta e cinco anos depois.

Como era agnóstico, a nossa educação religiosa foi deixada a cargo da minha mãe, que não pertencia a nenhuma Igreja em particular, mas pensava que era importante termos algum tipo de formação religiosa. A nossa nova casa ficava a apenas um quarteirão de uma igreja congregacionalista. Quando começamos a ir à respectiva escola, começamos também a participar da escola dominical.

Ali tínhamos livros e marcavam-nos lições de casa de verdade. A minha mãe cuidava de que fizéssemos os deveres e assistíssemos as aulas, embora nem ela mesma nem papai jamais tivessem posto os pés nessa igreja.

Essa comunidade tinha uma forte orientação fundamentalista[1]. A Bíblia era a pedra angular, e na escola dominical enfatizava-se e seu estudo, que incluía a memorização dos nomes de todos os livros que a compõem.

Até iniciar o segundo grau, grande parte das minhas atividades sociais girava em torno da igreja. A cada verão, assistíamos aos cursos bíblicos de férias e organizávamos lanches e piqueniques. Uma igreja quaker, The Friends ("Os Amigos"), tinha algum tipo de acordo de cooperação mútua com a nossa. Durante o ano escolar, havia palestras culturais e oficinas de trabalhos artesanais de que éramos incentivados a participar.

O dinheiro era escasso, de forma que essas atividades extra-curriculares foram de grande ajuda para evitar que nos metêssemos em encrencas. Na igreja ensinavam-nos que Deus era um Deus pessoal que tudo via e sabia. Era proibido beber e fumar (não fumo até hoje) E embora não se proibissem totalmente, os filmes de cinema e os bailes desaconselhavam-se.

Por ser eu o filho mais velho e o único varão, desde muito cedo tive de aprender certas noções práticas de economia. Esperava-se de mim que poupasse tudo o que ganhava distribuindo jornais, cortando gramados, trabalhando como empacotador numa mercearia, etc.

Tive um bom desempenho escolar e cheguei a ser dispensado de cursar um ano. Quando comecei o colegial, porém, os meus pais disseram-me que não teriam dinheiro suficiente para pagar-me uma Universidade; tudo o que pudessem poupar teria de ser destinado aos gastos com as minhas irmãs. Compreendi perfeitamente a situação, sem criar maiores ressentimentos, mas lembro-me de ter passado muitas noites insones a refletir, inquieto, sobre o que haveria de fazer da minha vida.

Nesse meio tempo, na igreja, tinha passado da escola dominical para a participação regular nos serviços religiosos. Estes assemelhavam-se aos das outras igrejas protestantes. Incluíam as longas orações feitas pelo ministro e, como é evidente, também um comprido sermão. A cada três meses, tínhamos um serviço com comunhão, em que se passavam bandejas com uns pãezinhos e uns cálices de vinho a fim de simbolizar a Última Ceia.

A igreja parecia uma sala de reuniões com vidros coloridos nas janelas. Não havia quadros nem imagens. Olhando em retrospectiva, tudo isso me parece hoje que era extremamente frio, embora as pessoas fossem afáveis e acolhedoras. Os sermões davam a impressão de não acabar nunca e consistiam em longas e confusas admoestações para "evitarmos o pecado", ou, caso contrário, para "sentar-nos e esperar que chegasse a hora de ir para o inferno e a condenação".

Por volta da época em que comecei o colegial, fui batizado com uma aspersão de água feita pelo pastor numa sala de reuniões da igreja. Tornei-me membro do Christian Endeavor (Compromisso Cristão), um grupo de estudos bíblicos para secundaristas, e passei a participar das atividades sociais da igreja.

Todos esses anos estiveram repletos de preocupações e dúvidas sobre as minhas capacidades pessoais por causa de um grave complexo de inferioridade que sofria. Rezei intensamente e durante muito tempo, pedindo a Deus que me ajudasse e me desse as respostas aos meus problemas. Este hábito persistiu depois de adulto. Por vezes, as respostas que Deus mandava não me agradavam muito, mas o fato é que, no fim das contas, tudo foi adiante.

Finalmente, com a ajuda de Deus e com muito esforço, terminei o segundo grau em junho de 1950, como primeiro da turma e com uma bolsa de estudos custeada pelo Programa de Treinamento para Oficiais da Marinha dos Estados Unidos. Entrei na Universidade de Stanford no outono daquele ano, com a intenção de formar-me em Engenharia. No entanto, ao fim de dois anos, o meu interesse por Economia cresceu a tal ponto que mudei de curso. Por outro lado, como estava longe de casa, os vínculos com a Igreja foram-se afrouxando, embora ainda rezasse com freqüência na capela da Universidade.

Em janeiro de 1955, formei-me em Economia. Entrei na Marinha e, cinco meses mais tarde, num baile de oficiais em San Diego, conheci Helen. Era também marinheira, mas da costa Leste. Começamos a namorar. Depois de alguns encontros, contou-me que era católica. Eu conhecia superficialmente outros católicos, mas ela foi a primeira que conheci mais de perto.

A Igreja congregacionalista pregava que o protestantismo era a melhor das religiões, mas a gradual ruptura de laços com a minha antiga igreja de Portland, bem como os meus estudos de História em Stanford - que seguiam a tendência liberal - tinham-me ensinado a aceitar de mente mais aberta outros pontos de vista.

O meu interesse pela Igreja crescia na medida em que aumentava o meu interesse por Helen. Queria estar com ela o máximo de tempo possível. E ela tinha tal devoção pela Igreja Católica que também eu desejei conhecer cada vez melhor essa religião. Muito antes de nos casarmos, comecei a assistir à Missa juntamente com ela. Foi idéia minha. Ela nunca me insinuou sequer que se tratava de uma condição necessária para continuarmos a namorar, mas deixou claro que eu seria muito bem recebido se quisesse ir. Obviamente, no começo tudo me pareceu muito estranho e diferente. Ainda não se tinha traduzido o texto latino da Missa para o inglês, mas, usando o missal latim-inglês, podia acompanhar razoavelmente bem as cerimônias.

Em setembro esposa, Helen. Têm três filhas, duas delas Religiosas. Tanto ele como a sra. Heady são membros ativos da sua paróquia.

* * *

Folheando ainda a obra "Jornadas Espirituais" citada à p. 306 deste fascículo [v. artigo anterior], encontramos o depoimento de James F. Heady, profundamente marcado pelo testemunho de sua esposa em conseqüência do qual se tornou católico. Bem ilustra a palavra de São Paulo que fala da comunhão de bens espirituais existente entre esposo e esposa; no lar de 1955, casamo-nos em San Diego. Como não-católico, recebi algumas aulas em que se explicava o que a Igreja esperava de quem contraía um "matrimônio misto". Cerca de um ano depois, nasceu a nossa primeira filha. O meu projeto era ficar na Marinha, mas os longos seis meses de separação que se seguiram ao casamento custaram demais a passar. Acabei por deixar a Marinha e, logo a seguir, fui trabalhar numa Companhia de Seguros Agrícolas, onde continuo ao cabo de vinte e oito anos.

Helen nunca me empurrou em direção do catolicismo. Mas o seu exemplo e a minha assídua assistência à Missa fizeram-me experimentar uma atração crescente pela Igreja. Faltava alguma coisa na minha vida, alguma coisa que não sabia identificar. Depois do nosso casamento, essa inquietação cresceu consideravelmente. Por fim, Helen perguntou-me se não gostaria de fazer com ela uma "novena" de cinqüenta e quatro dias à Santíssima Virgem. Explicou-me que tinha muita devoção a Maria e fazia essa novena quando precisava muito de ajuda. Até então, as suas orações sempre tinham sido atendidas, talvez nem todas as vezes nos termos em que ela queria, mas sempre no sentido de oferecer-lhe a melhor solução.

Concordei com começar a novena. No segundo dia, foi como se me tivessem tirado uma venda dos olhos. Disse a Helen que queria ser instruído na fé católica. Compreendi que era o que devia fazer, e nem mesmo então ela me forçou a nada. Fui eu que telefonei ao nosso pároco.

Esse padre teve a amabilidade de me dar aulas particulares de doutrina na casa paroquial, uma vez por semana. Comecei a minha formação em outubro, e em abril do ano seguinte, no dia do aniversário da minha filha mais nova, recebi o Batismo na Igreja. Isso foi uns sete anos depois de Helen e eu nos termos casado.

A partir do momento em que comecei a receber as aulas, passei a sentir-me muito mais em paz. Tinha uma sensação de segurança, de bem-estar e de aconchego que não me lembrava de ter experimentado antes. Todos os meus anos de formação na Igreja congregacionalista, todos os cursos bíblicos e mais a escola dominical tinham-me ensinado muitas coisas sobre Deus e sobre a Bíblia, mas algo estivera faltando até então.

O meu gosto pela História suscitara em mim sérias dúvidas sobre o elo de continuidade nas Igrejas protestantes. Já a Igreja Católica surgiu na época de Cristo e até então permanecia coerente consigo mesma. Quando os membros de uma congregação protestante percebem que há qualquer coisa de errado na sua congregação, abandonam-na por sua conta e formam um novo ramo. Isso nunca me pareceu correto. Na época de Martinho Lutero, houve realmente muitos problemas internos na Igreja Católica, mas, depois daqueles anos de turbulências, a Igreja acabou por reformar-se sem constituir diversas Igrejas católicas competindo umas com as outras. A continuidade - desde os tempos de Cristo até aos dias atuais - permanece inquebrantável. E isto é algo que me atrai poderosamente, devido ao meu senso de disciplina.

O nosso casamento foi abençoado com três filhas, todas elas educadas no seio da Igreja. A mais velha está casada; as outras duas fizeram os votos perpétuos como Religiosas. Menciono-o para mostrar a profundidade do compromisso que a minha esposa e eu temos com a Igreja. Foi o amor a Deus que levou essas nossas duas filhas a fazer essa escolha. Não as desencorajamos de forma alguma, porque não queríamos negar nada a Deus, se Ele realmente queria que elas se entregassem ao seu serviço.

Deus vem-nos abençoando e premiando ao longo de toda a nossa vida de casados. Temos tido as dificuldades e provações normais que acometem qualquer casamento, mas graças à fé católica sempre conseguimos superá-las. Lembramo-nos com freqüência de que Cristo prometeu que nunca seríamos tentados acima das nossas forças (cf. 1Cor 10,13).

Graças à oração diária e à assistência regular à Missa, experimento paz e tranqüilidade todos os dias da minha vida. Dou graças a Deus pela minha conversão. Se Ele não me tivesse conduzido até a minha esposa, e sem o bom exemplo dela, ainda estaria buscando em vão o sentido da minha vida. Ao concluir estas lembranças, vêm-me à cabeça as palavras de Cristo no Evangelho: "De modo que vos digo: Pedi e recebereis, buscai e achareis, batei e abrir-se-vos-á" (Lc 11, 9)».

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NOTA:

[1] Fundamentalista é a atitude de quem lê a Bíblia interpretando-a ao pé da letra, sem reconhecer os gêneros literários e os expressionismos da linguagem semítica ou helenística de outrora (Nota de PR).


terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Deus, ateísmo: o testemunho de ateus

(Revista Pergunte e responderemos PR 445 1999)

Em síntese: O estudo da psicologia da fé mostra quão complexo é o ato de fé; mobiliza todas as faculdades da pessoa em foco. A teoria é ilustrada pelos casos concretos, de modo que as páginas seguintes apresentam o testemunho de homens e mulheres que lutaram para chegar ao ato de fé e tornarem-se férvidos servidores do Senhor Deus.

* * *

Após estudar a psicologia da fé, interessa-nos levar em conta o que se deu no íntimo de homens e mulheres que passaram por fase de ateísmo e chegaram finalmente à luz da fé. Trata-se assim de vislumbrar a luta do ser humano feito para o Infinito e atormentado enquanto não se volta conscientemente para Ele. Serão considerados apenas vultos do século XX.

1. Alexis Carrel (1873-1944)

Alexis Carrel foi Prêmio Nobel em Medicina. Perdeu a fé de sua infância e entregou-se ao materialismo positivista. Aos poucos, porém, foi tomando consciência de que este não respondia a perguntas fundamentais do seu coração. Viajou para Lourdes, acompanhando uma enferma de câncer terminal; lá verificou, com todo o rigor científico, a cura da moléstia. Isto o impressionou profundamente, levando-o a uma busca sincera e sequiosa da verdade. Escreveu contra o materialismo e também contra a religião acomodada ou de fachada, sem, porém, chegar a uma crença definida. No fim da vida, caiu gravemente enfermo; então aguçou-se-lhe o drama do sentido da vida; resolveu entregar-se a Deus como um menino e pediu os sacramentos da Igreja. O empurrão decisivo foi-lhe dado ao presenciar a têmpera forte e heróica de uma órfãzinha. Exclamou então: "Minha salvação está em que uma pobre ignorante me segure a mão e me guie... Sim; quando se trata de não morrer como um cão, mas de terminar a vida nobremente, é somente junto aos humildes adoradores de Deus que os filósofos hão de buscar lições de Lógica".

A propósito ver PR 406/1996, p. 137-144 (A Viagem de Lourdes).

2. Paul Claudel (1868-1955)

Famoso poeta francês, Claudel aos dezoito anos de idade aderia à incredulidade e à devassidão. Ao terminar seus estudos no Liceu Louis-le-Grand, já havia lido os filósofos alemães ateus, admirava Ernest Renan . (sarcástico em relação ao Evangelho) e professava o culto da ciência como resposta aos seus anseios naturais. Ele mesmo descreveu posteriormente o seu estado de alma:

"Evoquem-se esses tristes anos da década de 1880, a época do pleno desabrochar da literatura naturalista. Nunca pareceu mais firme o domínio da matéria. Os grandes nomes nas artes, na ciência, na literatura eram todos irreligiosos... Renan imperava. Foi ele quem presidiu à última distribuição de prêmios do Liceu Louis-le-Grand, à qual eu assisti, e creio que fui coroado por suas mãos... Vivia então na imoralidade e pouco a pouco caí em estado de desespero... Esquecera completamente a religião; a seu respeito a minha ignorância era de selvagem" (ver J. Calvet, Le Renouveau Catholique dans la Littérature Contemporaine, Paris 1927, p. 139).[1]

Aos vinte anos de idade, por ocasião do Natal, entrou na basílica de Notre-Dame em Paris e ouviu o canto do Magnificat, que muito o impressionou, como ele mesmo relata:

"Foi então que se deu o acontecimento que ia mudar a minha vida. Num instante foi sacudido o meu coração e passei a acreditar. Acreditei com forte adesão, com o bem-estar de todo o meu ser, com perfeita convicção, com certeza isenta de qualquer dúvida: todos os livros, todos os arrazoados, todos os percalços da minha vida agitada não conseguiram abalar a minha fé, nem mesmo tocá-la... Quão felizes são aqueles que têm fé! Ó, se tudo isso fosse verdade! Mas é verdade! Deus existe! Está aí! É alguém, um ser pessoal, tão pessoal como eu! E Ele me ama, Ele me chama!... E eu estive diante de Vós como um lutador, que zombeteia. Vós me chamastes por meu nome. E, como alguém que conhece, Vós me escolhestes dentre todos os meus companheiros".

Apesar de tão explícitas declarações, Claudel ainda lutou dez anos contra Deus. Prendia-o o medo dos companheiros ou o respeito humano, que por muito tempo lhe paralisou os passos e a última decisão:

"Farei esta confissão? No íntimo, o sentimento mais forte que me impedia de declarar as minhas convicções era o respeito humano. A idéia de anunciar a todos as minhas convicções e a conversão, de dizer aos meus pais que não comeria carne às sextas-feiras, de me proclamar um desses católicos tão ridicularizados, fazia-me suar frio" (Les Témoins du Renouveau Catholíque, p. 68).

Em seus embates íntimos, Claudel pensou em fazer-se monge beneditino, mas verificou que sua vocação era outra. Passou por outra crise, que finalmente chegou a equilíbrio tranqüilo. Em suma, teve uma conversão que durou a vida inteira, o que bem revela quanto a graça encontra resistência no recôndito de muitas pessoas dilaceradas entre o Bem Infinito e os bens finitos.


3. Ernesto Psichari (1883-1914)

E. Psichari era neto do incrédulo e sarcástico Ernest Renan. Após um fracasso amoroso, tentou duas vezes o suicídio. Fez-se militar e foi para o deserto do Saara; ali percebeu o vazio dos atrativos das grandes cidades; o contato com a natureza rude e despojada fê-lo pensar; enfrentou os grandes questionamentos relativos ao sentido da vida. O próprio Psichari relata o que lhe aconteceu, falando de si na terceira pessoa:

"Nos seus anos de adolescência, que miséria e abandono! Seu pai alimentara-lhe a inteligência, mas não a alma. As primeiras perturbações da juventude encontraram-no desaparelhado, sem defesa contra o mal, sem proteção contra os sofismas e as falácias do mundo... Durante oito anos, dos vinte e dois aos trinta, errara pelo mundo e atirara a todos os céus a sua maldição... Fugia de continente a continente, de oceano a oceano, sem que alguma estrela o guiasse entre as variedades da terra" (Le Voyage d'un Centurion, 14ª ed., Paris 1916, pp. 4,6).

No silêncio do deserto, a voz de Deus falou a Psichari: "Tu me procuras e eu aí estou, nesse desgosto de ti mesmo que te assalta, nesse peso de tua alma cativa e até no pesadelo horrendo dos teus pecados" (ibd., p. 196).

Pediu então o Batismo, após ter-se preparado devidamente, e escreveu a famosa obra "A Viagem dum Centurião", que relata a história de sua conversão.

4. Giovanni Papini (1881-1956)

Giovanni desde menino muito leu, procurando satisfazer à sua sede de saber. Em busca da verdade, entregou-se à Filosofia, que o deixou descontente. Passou então para o pessimismo, o materialismo, o pragmatismo, chegando a tornar-se ocultista e espírita. Era sempre movido pelo desejo de ser grande e tornar os outros felizes. Entre as suas reflexões de tal época, lê-se a seguinte:

"Ser Deus! Empreendimento impossível, mas é a soberba meta almejada. Tal é o meu programa e o de outros... Ainda não acreditava em Deus; Deus não existia para mim, e jamais tinha existido. Eu queria criá-lo para o futuro e fazer de um homem pobre e miserável o Ser supremo, soberano, muito rico e poderoso".

Essa pretensão deixou-o frustrado e inspirou-lhe outras considerações:

"Peço, rogo humildemente de joelhos e com toda a pujança de minha alma um pouco de certeza, uma só, uma pequena crença certa, um átomo de verdade. Mas por que ainda não me encontrei com ela?... Não posso continuar vivendo assim, vacilando entre a dúvida e a negação, sempre ansioso por causa de um desejo que renasce todos os dias, e abatido pelo fracasso cada vez mais freqüente... Quero uma certeza firme e dela preciso, ainda que seja uma só. Quero uma fé indestrutível, mesmo que seja uma só. Quero uma verdade autêntica, por pequena e exígua que seja..., uma verdade que me faça tocar o âmago mais íntimo do mundo, e me confira o derradeiro e mais firme apoio".

Pôs-se então a procurar mais a fundo nos Evangelhos: "Retornei aos Evangelhos para procurar Cristo; entrei nas igrejas para encontrar Deus".

Papini encontrou Deus finalmente, refletindo sobre os horrores da guerra mundial à luz do Evangelho. Foi então que escreveu a sua célebre "História de Cristo". A firmeza da conversão de Giovanni Papini transparece na seguinte declaração, que ele redigiu com o próprio sangue:

"Temos necessidade de Ti, de Ti, e de mais ninguém. Só Tu, que nos amas de verdade, podes sentir por cada um de nós o que sofremos; só Tu podes conhecer a solicitude que cada um de nós experimenta por si. Só Tu podes sentir plenamente quão grande, quão imensa é a necessidade que temos de Ti neste mundo e nesta hora".

5. Adolfo Retté (1863-1930)

A. Retté foi anarquista, inimigo entranhado da Igreja, entregue aos prazeres do sexo e da bebida. Certa vez, socialista que era, falou a um auditório de socialistas em Fontainebleau. O tema era o materialismo de Haeckel e Büchner; Deus será "exorcizado" pelas conquistas da ciência e banido do universo. Terminada a palestra, quatro pessoas aproximaram-se do orador e pediram-lhe explicações mais minuciosas: dissesse como foi que o mundo começou, se por ninguém o universo foi criado. A. Retté repugnava falar sobre o que ele ignorava, por conseguinte balbuciou e hesitou. Tal incidente lhe pôs em foco o problema das origens, que a ciência por si só não resolve:

"Estava profundamente perturbado; sentia-me mal; tinha necessidade de refletir a sós com a minha consciência".

Internou-se na floresta: "Mas já não apreciava o encanto da sombra e do silêncio. O coração pesava-me no peito; tinha vontade de chorar; um remorso estranho e insólito parecia tumultuar dentro de mim" (Du Diable à Dieu, Paris 1907, p. 15).

Retté começou a duvidar do valor da vida. Caiu no desespero, que o levou a tentar o suicídio. Foi buscar uma corda:

"Então senti-me como que partido em dois: a metade do meu ser queria o suicídio imediato. A outra metade resistia e parecia estar pedindo socorro, enquanto em torno de mim eu sentia desencadear-se uma tempestade de blasfêmias e palavrões... Ouvi uma voz celeste, que me gritava: 'Deus, Deus está aí!'. Fulminado pela graça, caí de joelhos e entre soluços murmurei: 'Eu te dou graças, ó meu Deus, por te haveres voltado para mim!”.

Após três anos de ansiedade, aos quarenta e três anos de idade, Adolfo Retté fez sua Primeira Comunhão e tornou-se católico convicto, dedicado ao serviço dos pobres e ajudando muitos irmãos a se levantar.

6. Eva Lavallière (1866-1929)

Eva Lavallière era uma atriz de vida desregrada. Como tal, fazia o papel de mulher feliz, mas carregava dentro de si uma tragédia. Chegou ao desespero e às portas do suicídio. Caiu doente e foi procurar alívio no espiritismo, mas sem resultado. Voltou-se então para o Catolicismo e perguntou a uma amiga: "Julgas que Deus me aceitará após uma vida tão devassa?" Pôs-se a ler e conversar com pessoas amigas e finalmente redigiu uma carta, da qual dizia: "Custa-me muito escrever esta carta, e mais ainda custa-me enviá-la: nela vai proclamada a minha morte ao teatro. Nunca mais representarei!" Após nova enfermidade, que lhe proporcionou viva experiência de Deus, resolveu dedicar-se ao serviço dos semelhantes.

7. Thomas Merton (1915-1968)

Thomas Merton foi educado sem religião e no ódio ao Catolicismo. Foi fortemente impressionado pela guerra mundial de 1939 a 1945 e pela enfermidade de pessoas queridas. Estudou as obras de filósofos católicos, mas sem se convencer definitivamente. Refere-se ele a essa época dizendo: "Coisa estranha! Eu assimilava tudo, mas encontrava-me vazio de tudo. Devorando prazeres e alegrias, não encontrava senão angústias, miséria e temor. Nessa extrema desgraça e humilhação, passei por uma aventura sentimental, na qual fui tratado como fora de muitas outras nos últimos anos... Como um cãozinho, eu mendigava um pouco de carinho e uma prova de afeto. Tal era a morte do herói ou do grande homem que eu sonhara ser. A minha derrota foi a ocasião da minha salvação".

Após novas buscas de respostas, leu obras de Newman, que o inspiraram fortemente. Dizia de si para si: "Que esperas? Que fazes aqui? Sabes o que tens de fazer. Então por que não o fazes?"

Pediu e recebeu o Batismo, mas verificou que se convertera na inteligência mais do que no seu tipo de vida concreto. Para rematar sua caminhada, entrou no mosteiro trapista de Gethsêmani (U.S.A.), onde se aprofundou nas verdades da fé e na prática da ascese; disto resultaram escritos notáveis de projeção mundial e benéficos para muitos leitores.

8. Tatiana Goritcheva (1947- )

Tatiana nasceu em Leningrado no ano de 1947. Estudou Filosofia e Radiotécnica. Observa:

"Nasci num país em que os valores tradicionais da cultura, da religião e da moral foram arrancados pela raiz de maneira planejada e com êxito. Eu odiava tudo e amava a solidão".

Desgostosa da ideologia reinante em seu país, voltou-se para os "ídolos" do Ocidente, especialmente Nietzsche e o existencialismo ateu de Sartre e Camus. Chegou assim ao "desespero, com o qual começa a fé". Aos vinte e seis anos de idade, iniciou a luta contra a mentira:

"Cansada e desiludida, eu fazia meus exercícios de Yoga e repetia os mantras. Até aquela fase de minha vida, eu nunca tinha proferido uma oração. Mas o livro de Yoga propunha como exercício uma prece cristã, ou seja, a oração do Pai-Nosso. Comecei a repeti-la mentalmente como um mantra, de modo inexpressivo e automático. Compreendi - não com minha inteligência ridícula, mas com todo o meu ser - que Deus existe. Ele, o Deus vivo e pessoal, que me ama e ama todas as criaturas. A velha criatura morrera. Não somente abandonei meus valores e ideais anteriores, mas também meus antigos costumes. Finalmente meu coração se abriu. Comecei a querer bem às pessoas... Tornei-me impaciente, desejando servir a Deus e aos homens. Que alegria e que luz esplendorosa jorraram em meu coração!".

Tatiana teve consciência de fazer parte da Igreja perseguida e exclamou: "Eu também pertenço a esse povo!". Recebeu os sacramentos e pôs-se a estudar a Religião em Seminários integrados por intelectuais. Foi presa pela KGB e submetida a interrogatórios. Acabou sendo expulsa da Rússia em 1980, quando fixou domicílio em Paris.

Em 1986 Tatiana Goritcheva dava o seguinte testemunho:

"Há milhares de conversões inesperadas, como foi a minha. Em torno de mim muitas pessoas se tornaram cristãs; descobriram o Evangelho e a sua vitalidade aos 20, 30... 60 anos de idade; o corpo inteiro treme quando se lê o Evangelho. Hoje o Evangelho e os Padres da Igreja constituem a literatura mais importante da Rússia. A oração, para nós, vale mais do que o ar; é ela que nos dá força para transformar o mundo. Num Estado totalitário, vivemos sob cerco constante, mas, quando rezamos, sentimo-nos livres. A experiência da prisão é pavorosa, mas os nossos prisioneiros se julgam ainda muito felizes porque são perseguidos por amor a Cristo... Vocês não podem imaginar a força que Deus dá às pessoas em extrema necessidade.

O cristianismo tornou-se quase moda na URSS; ser intelectual e ser cristão é praticamente a mesma coisa. É curioso como se encontra liberdade na Igreja, onde não há riquezas, nem poder; mas onde existe a força dos valores místicos. A Igreja quase não existe como instituição, mas sim como um corpo vivo, purificado pelo sofrimento e o martírio. É por isto que ela atrai tanto. - Não podemos dizer quantos cristãos existem na URSS: trinta milhões, ou mesmo, segundo o Patriarcado de Moscou, cinqüenta milhões... O número não importa; o fato é que nem todos os convertidos se dizem cristãos, pois têm medo das represálias; freqüentam a Igreja, mas não se mostram dissidentes em relação ao regime soviético. Há outros, como eu, que se tornam dissidentes, porque não podem ocultar a alegria de ser cristão; é preciso levar o Evangelho ao resto do povo russo. Perdemos todo medo; organizamo-nos em pequenos grupos; verdade é que temos poucos padres; menor ainda é o número dos sacerdotes que têm a coragem de liderar a juventude; o padre que se destaque, é encarcerado e os seus filhos são enviados para educandários do Estado ou para prisões de crianças. Em Leningrado temos cinco padres que trabalham com a juventude convertida; correm grande risco.

Organizei um clube de mulheres, ao qual dei o nome de Maria (nem podia ser outro, pois queríamos honrar a Rainha do céu e da Rússia). Este clube tinha por objetivo ajudar-nos a perseverar na fé, já que ninguém sabe o que é isto: ... Cristianismo e Cultura, Cristianismo e História... Éramos 50 ou até 200 pessoas no meu apartamento, sempre na espreita de que a Policia interviesse para nos prender; muitos amigos nos abandonaram por medo; outros se admiraram de que não éramos encarceradas, pois nós lhes parecíamos loucas. Na verdade, o nosso grupo era vigiado pela KGB dia e noite, finalmente alguns dos seus membros acabaram presos, e outros expulsos da URSS".

A respeito de Tatiana Goritcheva, ver PR 295/1986, pp. 530-542; 301/1987, pp. 242-251.

9. Edith Stein (1891-1942)

Edith Stein foi judia, discípula do filósofo alemão Edmund Husserl. Perdeu a fé da sua infância. Estudou então vários pensadores alemães, sem encontrar resposta para seus anseios. Estando em férias, leu a autobiografia de Santa Teresa de Ávila, que muito lhe falou: "No mesmo instante, senti-me cativada: não pude interromper a leitura até chegar à última página. Quando fechei o livro, disse a mim mesma: 'Aqui está a verdade!'". Estudou a doutrina católica, foi batizada e entrou no Carmelo. Morreu em campo de concentração, vítima do nacional-socialismo.

Ver PR 443/1999, pp. 187-191.

10. Douglas Hyde (1860-1949)

Douglas Hyde era Secretário do Partido Comunista da Inglaterra e diretor do The Daily Worker. Por sua profissão, tinha que refutar escritores católicos como Chesterton, Belloc e, de cada vez, ficava muito impressionado pelo confronto das idéias. Em certa ocasião, ao entrar numa igreja católica, num recanto escuro frente à imagem da Virgem SSma., foi profundamente tocado: "Era feliz. Dei-me conta de que minha dolorosa peregrinação terminara. Murmurei: 'Senhora tão meiga e tão boa, sê boa para mim!'".

11. Carlos Nicolle (1866-1936)

Carlos Nicolle foi Prêmio Nobel em Medicina, pesquisador de doenças infecciosas e Diretor do Instituto Pasteur. Incrédulo ferrenho, sustentava a tese de que a razão explica tudo. Todavia o problema do sofrimento humano o perturbava. Procurou esclarecimentos em escolas filosóficas, mas em vão. Mais tarde dizia: "Não foi difícil encontrar de novo, debaixo das cinzas de preocupações científicas, o resquício de fé sobrenatural depositado por minha mãe, cujos sentimentos religiosos eram profundos". Escreveu um amigo seu: "Após ter-se insubordinado contra os fracassos averiguados por nossos próprios olhos, chegou, por fim, a pôr sua confiança em Deus".

12. Willibrord Verkade

Verkade era pintor dinamarquês. Dedicou-se à arte, à literatura e à filosofia, sem professar religião alguma. Certo dia entrou numa igreja católica, quando durante a Missa se cantava o Sanctus, Sanctus, Sanctus... Todos se ajoelharam. Mais tarde escrevia ele: "Como? Ajoelhar-me eu? Meu orgulho protestava com todas as suas fibras contra tal humilhação. Mas, já que eu estava ali, ajoelhei-me como as demais pessoas. Quando se levantaram, também eu me levantei, mas algo havia mudado dentro de mim. Eu já era católico pela metade, pois meu orgulho se tinha quebrantado; eu me tinha ajoelhado". Procurou instruir-se na doutrina católica. Foi batizado e mais se dedicou à pintura, pela qual exprimia sua ânsia de Deus. Finalmente tornou-se monge beneditino e escreveu sua autobiografia intitulada Unruhe zu Gott (Inquietude para com Deus).

13. Charles de Foucauld (1858-1916)

Charles foi educado de acordo com seus caprichos infantis. Após a Primeira Comunhão, perdeu a fé e entregou-se à licenciosidade. Fez-se militar no exército francês e foi servir na África. No seu ritmo de idas e vindas foi seqüestrado. Começou então a repensar sua religião... Foi procurar um sacerdote para pedir-lhe esclarecimentos e ouviu do padre as palavras: "Ajoelha-te e confessa-te!". Charles o fez, e disse, mais tarde, ter sido inundado por luz e paz. Tornou-se monge trapista na Terra Santa. Mas preferiu a vida eremítica, que ele passou a viver heroicamente no deserto do Saara, dedicando-se aos muçulmanos mais pobres. Certa noite, quando rezava, foi assassinado. Seu testemunho de vida e seus escritos suscitaram numerosos seguidores e seguidoras.

14. Léon Bloy (1846-1917)

Léon era filho de pai sarcástico, que zombava da religião (discípulo de Voltaire), e de mãe muito religiosa católica. Recebeu educação contraditória, que nele suscitou lutas internas entre a verdadeira crença religiosa (sugerida por sua mãe) e os preconceitos (incutidos por seu pai). Aos poucos estes foram desmoronando, mas com grande sofrimento para Bloy, que ele descreve em sua obra A Mulher Pobre. Acabou pedindo o Batismo, mas nem por isto conseguiu definir o seu ritmo de vida: quis tornar-se monge beneditino, mas não lhe foi possível, porque caía e recaía em seus vícios. Retirou-se para um mosteiro cartuxo, a fim de lá escrever; mas sua consciência lhe dizia que suas palavras não correspondiam ao seu tipo de vida. Um belo dia pareceu-lhe ouvir uma voz interior, que lhe dizia: "Se fores dócil à graça, eu te anuncio com certeza alegrias tão profundas, tão intensas, tão puras, tão luminosas que julgarás estar para morrer". Começou então uma vida nova, que com seus escritos e conversas levou muitos irmãos a Deus.

15. Takashi Nagai

Takashi Nagai era médico japonês, impregnado de materialismo. O falecimento de sua mãe muito o impressionou, assim como a cura de grave moléstia de que sofria. Pôs-se a ler os escritos de Blaise Pascal, que lhe deram o impulso final para procurar a Deus. Resolveu pedir o Batismo e dedicou o resto de sua vida à Medicina em favor dos que sofrem e precisam de atenção abnegada.

16. Outros grandes vultos

Em suma podem-se citar ainda:

- Agostinho de Hipona (+430), que levou vida devassa; bateu às portas do maniqueísmo, caiu no ceticismo, passou pelo neoplatonismo e finalmente, debaixo de uma árvore, ouviu uma voz que lhe indicava a leitura do Novo Testamento. Pediu o Batismo e tornou-se um dos maiores doutores da Igreja, grande vulto da filosofia e da história universal.

- Inácio de Loiola (+1556). Militar libertino, que, convalescente num hospital, leu a vida de Cristo e se converteu em penitente, místico e apóstolo, fundador da Companhia de Jesus.

- S. Francisco Xavier (+1552), ambicioso professor da Sorbonne (Paris), que, feito jesuíta, se tornou apóstolo das Índias Orientais.

- Inácio Lepp, psicoterapeuta marxista, que se converteu e se tornou sacerdote. Entre outras obras, escreveu Psicanálise do Ateísmo Moderno, obra cujo primeiro capítulo tem por titulo "O ateu que eu fui".

Os depoimentos até aqui registrados têm o valor de mostrar o fascínio do Infinito exercido sobre a psique humana, que lhe diz um "Sim" espontâneo, entravado pelos vínculos de bens transitórios e paixões um tanto irracionais e cegas. Nas pessoas sinceras o fascínio supera a resistência e leva à autenticidade de vida.

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NOTA:

[1] Conta-se que nesse discurso Renan teve uma inspiração e disse: "Quem sabe? Hoje estais aqui à roda de mim; há talvez entre vós algum que mais tarde se levantará para dizer que foi ruinosa a minha influência sobre a juventude". Claudel o disse.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Tipos de caráter

DESCOBRIR O CARÁTER

Fonte: Costa, Anna Maria, Conheça o seu filho, Quadrante, São Paulo, 1985

Introdução

O NERVOSO

O SENTIMENTAL

O COLÉRICO

O APAIXONADO

O SANGÜÍNEO

O FLEUMÁTICO

O AMORFO

O APÁTICO

Introdução

Para conhecer as pessoas, não é necessário sermos psicólogos, na acepção estritamente técnica do termo, mas que há um co­nhecimento dos traços mais salientes da pessoa, do seu modo habitual de ser, de reagir, de situar-se em face dos acontecimentos, que parte da simples obser­vação e que está ao alcance de qualquer um. Trata-se, com efeito, de um conjunto de observa­ções sobre o caráter baseadas no senso comum, e que ao mesmo tempo encontram a sua confirmação no campo das pesquisas psicológicas: pela sua sim­plicidade podem, pois, ser utilizadas por qualquer pessoa animada de boa intenção, e são de segura confiabilidade pela sua base científica: a psicologia, ao contrário de tantas "modas passageiras", nunca negou o valor da experiência e do bom senso.

Tudo isto tem um nome difícil: caracterologia. Mas não nos deixemos impressionar; trata-se apenas de conhecimentos práticos que podem oferecer:

- a moldura externa em que enquadrar a pes­soa que desejamos conhecer, o que poderá esclare­cer-nos melhor os traços do seu caráter;

- a consciência de que cada comportamento dos pessoas tem um significado próprio, porque é uma manifestação do seu caráter e é suscetível de uma intervenção educativa. Seria, pois, um erro primário conceber o caráter de uma pessoa como algo tão estável que não admite um trabalho de formação.

Observando cuidadosamente os pessoas, notar-se-á como não é possível encontrar na classificação e descrição dos "tipos" um retrato fiel da sua perso­nalidade; isso é algo evidente, pois cada indivíduo tem uma personalidade inteiramente original. Seria, pois, um erro enquadrar um filho no tipo "amorfo" ou "sentimental", mesmo que algum traço do seu caráter se situe neste tipo ou naquele.

Conhecer o caráter de uma pessoa significa, acima de tudo, tomar em consideração todos os ele­mentos que o caracterizam, sem descurar nenhum e sem reduzir arbitrariamente a personalidade do indivíduo a um único conceito, erro em que se in­corre quando se define um filho como maduro ou imaturo, introvertido ou extrovertido, altruísta ou egoísta.

O caráter compõe-se de elementos inatos e de elementos adquiridos. Os primeiros estão ligados ao organismo e não são suscetíveis de uma modificação total; são a constituição física, o temperamento e a inteligência (esta última nas suas várias formas: con­creta, abstrata, lógica, imaginativa).

Os elementos adquiridos do caráter são:

- o conjunto dos sentimentos; a vida afetiva tem uma importância particular na formação do caráter;

- ­o conjunto dos valores e dos ideais, generi­camente considerados como representações concei­tuais, que determinam a conduta e levam á preferir um modo de agir a outro;

- o conjunto das atitudes, consideradas como inclinação para reagir de um modo inteiramente pessoal; estão ligadas à vida afetiva e emotiva da pessoa.

A família pode exercer uma notável influência na formação dos sentimentos, dos valores e das pre­disposições. Na classificação e no estudo do caráter, foram tomados em consideração três elementos fun­damentais que determinam o tipo caracterológico segundo a proporção com que se combinam; a emoti­vidade, a atividade e a ressonância das impressões.

A emotividade

Por emotividade entende-se normalmente a intensidade das reações afetivas. Toma em considera­ção tanto a capacidade de reagir perante situações que, para os outros, seriam totalmente inócuas, como a extensão dessas reações.

O emotivo tende a agitar-se, a comover-se e a preocupar-se por coisas que ele mesmo poderá admitir, num segundo momento, que objetivamente não valiam a pena serem tomadas tão a sério. Todos podem emocionar-se em certas circunstâncias; por isso, a melhor maneira de conhecer a intensidade das emoções próprias ou das dos outros é considerar a desproporção que pode existir entre o fato real que provocou a emoção e a intensidade desta. Uma for­ma muito acentuada de emotividade é a ansiedade.

A atividade

Por atividade entende-se a tendência que leva a agir e a trabalhar mais pelo gosto da atividade em si do que pelo seu resultado. Em sentido caracterológico, a atividade corresponde a uma necessidade íntima e constante do indivíduo: é a sua "energia". É ativa a pessoa que, perante um obstáculo, procura superá-lo, e para isso aumenta a sua capacidade de ação. É inativa a pessoa que, ao contrário, desanima diante de um obstáculo.

A atividade caracteriza-se pela disponibilidade para estar sempre ocupado, mesmo nos tempos li­vres; pela facilidade e desembaraço no esforço; por passar da decisão à ação sem inércia; pela tenaci­dade na consecução dos propósitos, unida à facili­dade e à rapidez em recuperar as energias gastas e à necessidade íntima de realizar imediatamente o que foi decidido. já a inatividade faz-se acompanhar de um certo cansaço e lentidão no agir, da inclina­ção evidente para a preguiça - que, no entanto, não é verdadeiramente preguiça, mas expressão de uma carência de energia -, da tendência para desanimar facilmente porque não se consegue fazer o que se quereria.

A ressonância das impressões

Por ressonância entende-se a medida das nossas reações às impressões externas. Estas podem ser pri­márias, se duram pouco; e secundárias, se a sua du­ração é longa. As reações do chamado tipo primário são imediatas e breves; as do tipo secundário não são imediatas e tendem a prolongar-se e a ser revi­vidas no tempo. Os tipos primários tendem a viver no presente, ao passo que os secundários se ressen­tem muito da influência do passado.

O quadro caracterológico

Da combinação desses três elementos - emoti­vidade, atividade, ressonância - resulta o seguinte quadro:

Emotivo - inativo - primário: nervoso;

Emotivo - inativo - secundário: sentimental;

Emotivo - ativo - primário: colérico ou dinâmico;

Emotivo - ativo - secundário: apaixonado;

Não emotivo - ativo - primário: sangüíneo;

Não emotivo - ativo - secundário: fleumático;

Não emotivo - inativo - primário: amorfo;

Não emotivo - inativo - secundário: apático.

Este quadro tem o valor de um esquema de re­ferência. Na realidade, nunca encontramos o tipo perfeito do fleumático ou, por exemplo, do amorfo, dada a complexidade da pessoa humana e a indivi­dualidade que a caracteriza. As páginas que se se­guem devem, portanto, constituir apenas um ponto de referência. E óbvio que este es­quema não deve servir para aplicar um "rótulo" às pessoas!


O NERVOSO

Características: emotivo, inativo, primário.

Extrovertido e absolutamente primário nas rea­ções. Tem uma sensibilidade tumultuada e incoeren­te, uma inteligência desordenada e uma vontade inconstante. Tende facilmente aos entusiasmos e às contradições. Foge da solidão, gosta das mudanças e das novidades, da alegria e dos divertimentos. Mostra-se satisfeito de si próprio, vaidoso e desejoso de estima. Tendencialmente instável, tem uma apa­rência tensa e move-se por impulsos.

É violento e suscetível; procura emoções pro­fundas e novas, e cai em freqüentes contradições entre o que pensa e o que vive. É talvez o mais pro­penso à mentira. Hipercrítico e desconfiado, experi­menta desejos elevados e inconstantes: tende a cons­truir grandes projetos, que depois abandona. Fica satisfeito quando se acha em primeiro plano, fala continuamente de si, é hábil na conversa, procura impor-se por meio da crítica e do espírito de contra­dição, e pode chegar a assumir atitudes orgulhosas e de desprezo para com os outros. Amável e afetuoso, apresenta-se como o típico "menino simpático", que, no entanto, não se submete a nenhum esforço.

Modo de tratar: precisa de educadores muito francos e muito generosos, dispostos a aceitar pacien­temente a sua emotividade e a saber orientá-lo. É contra-indicada a severidade excessiva. Pode ser oportuno, sempre com o parecer dum médico, ajudá-lo a conseguir um mínimo de calma, utilizando, se for preciso, um adequado tratamento fisiológico. Exige muita vigilância - mas não uma atitude de indis­crição ou curiosidade -, acompanhada de muita delicadeza no trato; as repreensões e as críticas não o educam, antes o levam a protestar com violência. Pode-se ajudá-lo a superar o seu desejo de exibir-se procurando descobrir-lhe motivos positivos, valores morais que o incitem a destacar-se, estimulando-o depois a fazer as coisas sempre melhor.

Na adolescência, é útil revelar e explicar ao fi­lho os defeitos do seu caráter e quais os limites da sua personalidade; em qualquer caso, é preciso cor­rigi-lo com delicadeza sempre que erra e procurar responder-lhe com calma, evitando dar-lhe motivo para novas irritações. Demonstrar-lhe interesse repetidas vezes e elogiá-lo para sublinhar os seus primei­ros sucessos.

Pôr em prática uma pedagogia ativa e viva; es­timulá-lo a auto-afirmação pelo domínio de si próprio e, durante a puberdade, ajudá-lo a analisar uma determinada emoção, para poder governá-la. Afas­tá-lo das suas falsas manias de originalidade, que o levam a assumir atitudes teatrais, e estimulá-lo a conseguir uma individualidade autêntica, meditada, decidida.

Dirigir-lhe a inteligência, atraindo-a para formas abstratas de raciocínio. Ensiná-lo a ver as coisas numa perspectiva ampla, a procurar o "como" e o "porquê". Ajudá-lo a dominar a força motriz por meio de uma atividade esportiva. Para isso, são mui­to úteis os trabalhos manuais: propor-lhe um único objetivo de cada vez, mas exigindo com firmeza e afeto que o leve até o fim. Ajudá-lo a ter um horário e a não deixar as coisas para "amanhã".

Quanto a tomar decisões, é impulsivo e decide precipitadamente, sem prever as conseqüências; por esse motivo, é conveniente levá-lo à ação em coisas que ponham em jogo a sua reputação, utilizando, como estímulo, o seu amor próprio. Os passeios ajudam-no muitíssimo. Quanto às manifestações tí­picas de impulsividade (teimosia, palavras, gestos), criar o vazio à sua volta e deixar que se extravase - desde que não se trate de manifestações gra­ves -, aguardando que recupere a calma para lhe mostrar a sua fraqueza, comparando-a, bem mais tarde, com o domínio de si demonstrado por algum dos seus amigos.

É muito inconstante nos seus interesses e nas suas simpatias; a escola, com a sua regularidade e obrigações, ser-lhe-á de muita ajuda. Mas deve estar sempre ocupado: a família pode proporcionar-lhe algumas novidades e variedades nos jogos e nas ati­vidades. De qualquer juízo negativo que se faça a seu respeito, dar-lhe uma explicação tranqüila e afe­tuosa; é importante não sermos tímidos com os ner­vosos.

Inclina-se a faltar à objetividade e a mentir para enfeitar a realidade. Não se deve, pois, alimen­tar a sua imaginação, e é preciso fazer com que em casa tenha um ambiente pouco receptivo às suas "invenções", mas sempre sem muita severidade. E vaidoso e orgulhoso: procurar não extinguir-lhe o orgulho, que é parte do seu potencial, mas dar-lhe um rumo certo, de modo que se sinta satisfeito não tanto pela sua pessoa mas pelos seus atos. E preciso proporcionar-lhe ocasiões de conseguir um certo su­cesso, tendo depois o cuidado de mostrar que "5e notou", elogiando-lhe o esforço e o resultado. Nas suas "raivinhas", náb ceder, e fazer com que ganhe consciência delas, mas com uma tranqüilidade quase indiferente, sem ironia nem castigos. Desmontar-lhe os caprichos com poucas palavras e calma.


O SENTIMENTAL

Características: emotivo, inativo, secundário.

É fechado e introvertido. Procura a solidão, não gosta de mudanças e novidades. Compraz-se nas coisas habituais e nas lembranças. Cai com freqüência na melancolia, é tímido, mostra-se descontente de si próprio e pouco preocupado com o aspecto exterior. É dócil e sensível; uma simples repreensão pode feri-lo profundamente. Tem mudanças de humor lentas, mas profundas. É honesto e geralmente sincero. Conserva por muito tempo, firmes, as tristezas e as felicidades da infância: cada nova expe­riência se insere nas impressões já enraizadas; há uma continuidade muito forte entre a sua conduta atual e a vida passada. Indeciso e meditativo, não integra facilmente e é propenso a isolar-se. Às vezes, a introversão muito acentuada pode levá-lo à arrogância, ao menosprezo e à falta quase total de sociabilidade. Falta-lhe senso prático.

Tudo pode marcá-lo profundamente; uma pequena descompostura, um sofrimento, um castigo.

Não se adapta facilmente à vida de grupo. Necessita particularmente de um ambiente escolar acolhedor. A sua inatividade leva-o a temer a ação, e a sua emotividade a temer as conseqüências da ação, pas­sando por indecisões e escrúpulos. Pensa e raciocina com honestidade, mas caoticamente: nos estudos, manifesta pouca inclinação pelas matérias científicas. Sua timidez deve-se freqüentemente a uma adapta­ção afetiva insuficiente.

Modo de tratar: o ambiente familiar é de gran­de valia do ponto de vista afetivo; é bom que seja um ambiente rico de afeto, mas sem muitos cari­nhos. Evitar-lhe, durante a infância, tanto as situa­ções por demais penosas como uma atmosfera exces­sivamente carinhosa e suave. Procurar compreender bem as coisas e as situações que possam feri-lo, para ajudá-lo a esquecer e a aceitar também os fatos desa­gradáveis sem exasperar-se. Ajudá-lo a viver em har­monia com o ambiente; para isso, é preciso con­seguir, enquanto não sair da adolescência, que se interesse pelo ambiente familiar, a fim de que não desanime e venha a isolar-se.

Não combater a introversão em si, mas comba­ter o gosto pela solidão, pelo passado, pelas lembran­ças infantis, a obstinação por essas situações e o acabrunhamento. Estimulá-lo elogiando-lhe os pri­meiros êxitos, e rodeá-lo de um ambiente que o ajude constantemente. Usar de muita indulgência: não sublinhar nunca as suas fraquezas, mas propor­-lhe uma meta a conseguir, e depois outra, sem deixá-lo pensar que seus insucessos sejam graves.

Dada a sua tendência à inatividade, ajudá-lo a tomar decisões modestas, mas progressivas. A atividade ajuda-o também a livrar-se de seus hábitos e manias; é necessário para isso descobrir quais as coisas que podem interessá-lo e provocá-las. Em qualquer caso, não deixá-lo por muito tempo no ócio contemplativo das leituras ou do diário íntimo. Certificar-se da firmeza dos seus conhecimentos re­ligiosos, a fim de orientar a sua vaga religiosidade para uma religião autêntica.

Captar as suas veleidades, ajudá-lo a determi­nar-se, encorajá-lo e desfazer os seus "não vale a pena". Mesmo quando não tem nada de concreto a realizar, fazer com que o seu dia esteja preenchido, e ajudá-lo a superar com decisões autônomas a sua passividade.

Devido à sua intranqüilidade, necessita do afeto firme e estável dos que o rodeiam. Evitar as humi­lhações que ferem a sua dignidade; os sentimentais apáticos aproveitam-se das humilhações para despre­zar-se, para afastar-se mais da realidade; os senti­mentais ativos, para conservar rancores e ódios.

Infundir-lhe confiança e coragem constantemen­te, mostrar-lhe com discrição (ou total silêncio) as faltas cometidas, e facilitar-lhe que se desculpe. No relacionamento afetivo, descobrir a sua sensibilidade, que é muito rica. Há sentimentais que na adolescência tendem ao dogmatismo e à utopia; é neces­sário revelar-lhes essas atitudes e fazer com que as reconheçam.


O COLÉRICO

Características: emotivo, ativo, primário.

É extrovertido, impulsivo, violento, excitável, com simpatias muito pronunciadas e sempre à pro­cura de impressões novas. Desejoso de resultados imediatos; insincero pela tendência que tem para exagerar; muito loquaz e propenso a falar mais de si do que dos outros e das coisas. Nos primeiros anos da escola é um aluno turbulento, Instável, agi­tado, atento a tudo; coleciona os objetos mais varia­dos, é excessivamente rebelde, ofende os outros, insubordina-se com freqüência e com acentuada hostilidade. Não tem complexos, é muito ousado, e alterna impulsos afetivos com atitudes bruscas e até rancorosas. Escolhe os seus afetos de modo exclu­sivo.

O ambiente familiar parece-lhe restrito e mes­quinho: quer liberdade e procura independência. O companheirismo é uma das suas predileções; influi rapidamente sobre o grupo, com a facilidade da sua palavra. Participa com prazer dos trabalhos de equi­pe: fá-lo-á com maior entusiasmo se contribuir para as decisões. Mostra-se disposto tanto a executar um serviço com o maior empenho como a criar dificul­dades. E generoso, compassivo e serviçal, mas só se interessa pelas coisas que aprecia. Sempre alegre e de bom humor, gosta de fazer piadas que, às vezes, chegam à grosseria. Tem senso prático e é dotado de capacidade inventiva. E francamente límpido; não mente para enganar, mas para exagerar, embelezar, e colorir as suas próprias palavras. E capaz de uma fortíssima concentração quando tem de enfrentar uma situação inesperada e urgente; nas provas orais, exibe-se de maneira brilhante.

E sensível a tudo o que lhe dizem, à oratória, às aparências. Tem um comportamento sempre va­riável, mas sem má-fé. Nenhum colérico é um aluno excelente. Alcança um nível talvez aceitável, ainda que a maioria das vezes abaixo do normal. Seu oti­mismo é total. Possui uma inteligência prática (estu­dante medíocre, mas um vivo homem de negócios). Manifesta pouca inclinação pelos trabalhos escola­res abstratos. Sonha com tudo sem nunca se decidir por nada; tem desejos vagos e dificuldade para es­colher. Tende à improvisação e à precipitação. Sua rapidez intelectual é paralela à sua instabilidade emotiva.

Modo de tratar: dar oportunidades ao seu de­sejo de agir, através de atividades esportivas. Che­ga-se a ele pelo coração, e não com raciocínios lógi­cos. Uma ordem recebida estimula-o à rebelião e então faz exatamente o contrário. Dar-lhe sugestões e inspirá-lo a tomar decisões acertadas. Precisa de alguém com personalidade - professor, pai - que saiba impor-se para conquistá-lo.

Deixar-se-á guiar quando se sentir dominado por uma confiança viva e firme, sorridente e vibran­te. Deve experimentar constantemente a nossa sim­patia, mesmo quando for necessário censurá-lo. Evitar as críticas humilhantes na presença de outros, não tanto porque ficará marcado, mas porque não as aceitará e fugirá. Conversar com ele a sós, mostrando-lhe que o que fez não é digno dele, que vale muito mais do que aquilo que a sua atitude parece revelar.

Nada se conseguirá dele se não lhe forem dados objetivos que sejam do seu interesse. Respei­tar os seus projetos, cultivá-los, precisá-los, lembran­do-lhe que deve dedicar-se totalmente a prepará-los. O resultado então é duplo: orienta a sua atividade impetuosa e introduz nela constância e humanidade.

Viver com ele a sua vida e os seus interesses; agra­dar-lhe-á profundamente esta atenção. Procurar inte­grá-lo o mais possível no ambiente escolar.

E necessário preparar-lhe alguns sucessos que o encorajem. Ajudá-lo a superar-se, confrontando-se consigo mesmo. Estar atentos à facilidade com que faz amizades: a sua conduta depende da companhia que tem. Necessitaria de um bom amigo que o tra­tasse com tato. Escolher para ele atividades em que as dificuldades não sejam senão obstáculos que a sua vivacidade ultrapassará. Substituirá assim as suas reações por uma ação positiva e ponderada. Deve-se fazer com que ganhe consciência da sua capacidade de concentração, para que possa reagir de maneira ponderada e não impulsiva a um fato imprevisto.

Organizar com cuidado o seu trabalho escolar, para o qual necessita de certa disciplina; e renovar--lhe constantemente os objetivos em que deve empe­nhar-se. Concentrar, ativar e vivificar o estudo (tão necessário quanto no caso dos nervosos). E útil o método empírico. Fixar com ele a finalidade geral dos seus objetivos e do seu trabalho. E a seguir documentá-lo com informações e leituras que tornem concreto o seu caminho. Dar às suas coisas um tom de poesia e de aventura, sublinhar as pequenas vitó­rias escolares e pessoais, mostrar-lhe que avança dia após dia ao encontro de um futuro que ele mesmo escolheu: tudo isto é disciplina da imaginação. Obri­gá-lo, quando trabalha, a agir com reflexão e cui­dando dos detalhes: tem a tendência ao "mais ou menos". Infundir-lhe calma e confiança. Na educa­ção, evitar que permaneça isolado ou na ignorância a respeito de si próprio. Procurar fazer com que seja consciente do seu modo de ser.


O APAIXONADO

Características: emotivo, ativo, secundário.

Existem apaixonados intensos e apaixonados atenuados ou reflexivos.

Os apaixonados intensos são sérios, sombrios, fechados em si mesmos. Isolados, muito impulsivos, impacientes, suscetíveis, críticos, intolerantes, fechados nas suas próprias idéias, intratáveis; querem dominar.

Os apaixonados reflexivos não são graves nem sombrios; são menos fechados em si próprios, e re­flexivos, pacientes, tolerantes, abertos às novidades e não-dominadores.

Ambos os tipos têm como fundo comum a vio­lência, a ação decidida, o pensamento rápido, o sen­so prático, a amplidão de vistas, a independência, o espírito de observação, a boa memória, uma certa falta de coragem em face do perigo.

O apaixonado intenso

E o apaixonado em que a emotividade, a ativi­dade e o caráter secundário estão presentes em ex­cesso. Apresenta problemas educativos especiais e difíceis. Pode ser:

- melancólico: mais meditativo ou vingativo. A melancolia encoberta por um ativismo pode vir a manifestar-se em conseqüência de uma inferioridade ou de um problema moral. Possui uma suscetibili­dade muito acentuada. É um estudante preciso e constante, muito inclinado às leituras sérias.

- impetuoso: com uma forte emotividade e atividade. Às vezes, assemelha-se ao colérico. Mal-humorado, teimoso, não perde de vista o que deseja e o que se passa à sua volta. Cede diante dos argu­mentos da razão. Um Impetuoso pouco dotado inte­lectualmente não aceitará o insucesso; quererá com­pensá-lo com o trabalho excessivo ou impondo aos outros a sua própria autoridade. A emotividade, unida ao caráter secundário, assumirá um tom afe­tuoso e alegre se o ambiente for favorável e agradá­vel; num ambiente inadequado, dará fortes sinais de rebeldia. Ao apaixonado, ajuda-o somente a autori­dade baseada na convicção afetuosa e no ambiente favorável.

Modo de tratar: precisa de uma direção sólida, mas nunca rígida e brutal. E preciso mostrar-lhe que é compreendido e que se pretende ajudá-lo, e evitar ofendê-lo ou trair a sua confiança: trata-se de um hiper-emotivo. Falar-lhe ao coração e, ao mesmo tempo, persuadi-lo e convencê-lo. Em face da sua possível obstinação, não interferir nas suas reflexões e discutir amigavelmente as suas objeções. Nunca lançar mão de piadas e ironias. Habituá-lo a meditar os seus próprios atos e, para tanto, a servir-se ampla­mente do raciocínio. Apresentar-lhe os problemas com clareza, para que adquira esse hábito.

E necessário estar de sobreaviso com relação às crianças que meditam continuamente as injustiças das quais se acham vítimas. Esta tendência pode ser controlada com um ambiente aberto, acolhedor, oti­mista. Habituá-lo a conhecer os limites das suas possibilidades, e não ceder em nada uma vez que lhe tenha sido imposta uma justa proibição. Oferecer-lhe um ambiente agradável e ajudá-lo mediante a auto­ridade de uma correção fraterna.

O apaixonado reflexivo

Aplica-se seriamente aos deveres escolares; nun­ca se mostra ansioso. As suas diversões são compli­cadas e inteligentes (gosta de montagens, por exem­plo), e interessa-se por coisas, pessoas e aconteci­mentos devido aos problemas que lhe levantam. Devora livros escolares, de cultura ou de ciência; conserva com esmero os seus livros e cadernos. Já denota uma maturidade bem consolidada a partir dos 13 ou 14 anos. Às vezes tem manifestações de carinho, mas normalmente mostra-se reservado e tenso. Tem sentimentos familiares muito acentuados.

Não muito emotivo, revela uma perseverança tranqüila e absolutamente contínua. Pouco impulsi­vo, sabe dominar-se e procura a conciliação; a sua violência não passa de algumas efervescências mo­mentâneas; sem ostentação, assumirá um papel de D. Quixote, e não deixará de se obstinar enquanto achar que a sua causa é justa. Manifesta uma firme ponderação quando faz as suas escolhas. Geralmente, está entre os melhores alunos da escola, pois tudo o ajuda nesse sentido: a inteligência, a memória, o es­pírito de observação. E generoso, ajuda com prazer os colegas mais fracos, mas é, ao mesmo tempo, independente; gosta de trabalhar sozinho. Tem um vivo e forte sentimento religioso.

Modo de tratar: é preciso vigiar o nosso com­portamento diante dele: é alguém que julga e sofre. O trabalho de grupo - que não é da sua preferên­cia - dá-lhe o senso do social. Faz-lhe bem em­preender pequenas viagens. Deve-se convencê-lo a praticar esporte, mostrando-lhe os benefícios que traz à sua vida pessoal, à sua saúde, etc. Animá-lo a praticar atos de coragem, para os quais se sente pouco inclinado. Os passeios com a família podem aju­dá-lo muito. Estimular-lhe o gosto pelas artes plás­ticas, pela música, explicando-lhe que são úteis para o seu enriquecimento pessoal, para a sua cultura geral, etc. Dar-lhe uma formação religiosa baseada na reflexão; em vista dos seus fortes impulsos sexuais, oferecer-lhe explicações claras e simples, que assimilará com facilidade.


O SANGÜÍNEO

Características: não-emotivo, ativo, primário.

É um caráter extrovertido, que logo se dá a conhecer. Manifesta grande atenção e interesse pelo atual e pelo que lhe está próximo, e tende ao con­creto. Assimila facilmente a educação que recebe:

Na escola, está entre os melhores alunos, se for convenientemente acompanhado; e quando devidamente orientado, pode transformar em qualidades muito positivas tendências quase indiferentes à primeira vista. Tem uma certa pobreza interior, de que pro­cede a sua curiosidade; manifesta uma vida moral débil pois não tem forças para dizer "não" a uma tentação. Pode cometer pequenas má-criações e fur­tos, mente com facilidade e mostra-se insensível quando é apanhado em flagrante.

Tem uma vida religiosa fraca: pratica exterior­mente, mas "dentro" não tem nada. Para ele, "qualquer sacrifício requer demasiada renúncia; e manso, independente nos juízos, gosta de discutir e tem opinião a respeito de tudo. Costuma ter uma inteli­gência superior à média e de tipo sintético. Gosta das visões panorâmicas e de tudo o que é positivo e objetivo (terá sucesso nas ciências); é atraído pelas novidades, interessa-se por tudo, mas o seu interesse diminui com as primeiras dificuldades; tem uma vontade medíocre.

Geralmente é afetuoso, mas egoísta: gosta das pessoas pelo que elas lhe proporcionam, e não pelo que são. Quando briga, reconcilia-se facilmente. E oportunista, versátil e diplomático: "E melhor não quebrar a cabeça e tomar as pessoas e as coisas como elas são". E muito permeável à influência dos outros. Hábil e cortês, tem presença de espírito e sai-se bem nas dificuldades, por exemplo em viagens, caronas", etc. Gosta de esporte. Tem senso de pon­tualidade e um instinto inato de orientação. Persegue fins imediatos; grande trabalhador, mas com tendência para a mediocridade, não porque seja preguiçoso, mas porque passa de uma coisa para outra com toda a facilidade. Atravessa a puberdade sem grandes conflitos, mas apenas com a natural curiosidade. No estudo, corre o risco de vir a fazer "corpo mole" e de procurar diplomas fáceis; tende a buscar traba­lhos de tipo administrativo.

Modo de tratar: conter e orientar-lhe a curiosi­dade, que no seu caso é alavanca excelente para sucessos futuros. Encorajá-lo para que a confiança que tem em si~ mesmo e nos seus propósitos o levem a realizar metas ambiciosas. Transformar a sua bon­dade um pouco exterior em bondade interior e profunda; torná-lo generoso. Solicitar-lhe a inteligência; submetê-lo a um esforço que seja contínuo, propon­do-lhe objetivos concretos e constantes.

Estimular nele uma autêntica sensibilidade e ajudá-lo a combater gradualmente as reações primá­rias e a ausência de emotividade. Necessita de uma integração profunda no ambiente familiar; uma cá­lida intimidade ajudá-lo-á a crescer na sua afetivi­dade. Necessita de um ambiente firme e ordenado, de uma disciplina vigilante, mas discreta; é conve­niente seguir o seu trabalho escolar, observar como o executa, pedir-lhe e comentar com ele as notas, criticá-las sem amargura, mas com clareza; exigir-lhe mais aplicação, fixando metas e prazos para a sua consecução.

Para combater a sua tendência à ausência de emotividade, inculcar-lhe simpatia pelos seres vivos. Habituá-lo a contemplar a natureza; fazer-lhe notar a beleza de uma paisagem, fazer com que descubra o mundo dos contos, das histórias e das fábulas, das canções, etc.

O trabalho e a intervenção da mãe são decisi­vos nestes casos. Ela pode suscitar nele o interesse pelo trabalho e pela atividade em geral, e desenvol­ver-lhe a sensibilidade. Não é bom que ignore a dor e o sofrimento dos outros, que normalmente o deixa­riam indiferente. Pode ser eficaz fazer-lhe notar a suavidade da mãe, a boa vontade do pai, o afeto dos irmãos, mediante conversas simples, em tom de confidência, em que se lhe descubram horizontes mais amplos. Dominar-lhe a curiosidade, concentran­do-a em interesses estáveis e concretos. Transformar a sua leviandade em autêntico otimismo; fazê-lo notar, caso por caso, os seus desleixos, e revelar-lhe a verdadeira causa dos seus insucessos e da sua "pouca sorte". Sublinhar, exemplificando com o caso de outras pessoas, os frutos e a satisfação que se seguem a um esforço constante. Na educação moral. propor-lhe um ideal que o atraia. Encarregá-lo de um trabalho, se possível com alguns dias de ante­cedência.


O FLEUMÁTICO

Características: não-emotivo, ativo, secundário.

É extrovertido e na escola tende a ser ativo, meticuloso e hábil no raciocínio. Prefere brincar so­zinho, ainda que aceite sem protestar, mas também sem grande entusiasmo, a companhia dos outros. É inclinado a executar com exatidão as suas tarefas; cuida e mantém em ordem as suas coisas.

Na vida familiar, desenvolve-se de modo tranqüilo, sem maiores problemas; é dócil e não mani­festa grandes efusões. Ama os pais por senso do dever e por gratidão. Nunca é causa de inquietação para a família ou de dificuldades para os professo­res. Isola-se de quando em quando com prazer; agradam-lhe brincadeiras calmas, como jogos de montar, baralho, xadrez. Mostra-se geralmente pouco loquaz, franco, simples, muito calmo. Manifesta, às vezes, um frio senso de humor.

Acomoda-se com facilidade, não gosta de novi­dades, é naturalmente disciplinado. Não é muito expansivo, tem interesses intelectuais, e uma propen­são exagerada para a ordem e a limpeza extrema. Quando é encarregado de um trabalho diretivo, exe­cuta-o de maneira precisa e exata. Tem vontade de fazer bem as coisas e não teme o esforço, desde que se trate de coisas do seu interesse. E pouco esportivo. Cede de vez em quando às inovações, mas logo volta ao tradicional. No estudo, procura ter ordem, classificar e resumir o que aprende; gosta de estudos históricos e filosóficos. Possui um espírito sólido e aberto.

Modo de tratar: estimular-lhe a emotividade, gradativamente e com muito afeto, pois não se obte­rá nada dele através da violência. Favorecer-lhe os contatos com o ambiente; não fará logo grandes ami­zades, mas começará a abrir-se aos outros. A ação da família deve orientar-se sobretudo no sentido de levá-lo a conviver com os outros. Mostra-se de vez em quando alegre, cordial, quase afável; lembrar-lhe esses momentos, rodeá-lo dos amigos que prefere, eliminar pela raiz as suas manias habituais, intro­duzindo na sua vida algo de novo e inédito. Não permitir-lhe que se entregue excessivamente às suas reflexões e que se isole muito. Atacá-lo no seu ponto fraco: o raciocínio. Pô-lo em contato com a natureza, que de inicio nada lhe dirá, mostrando-lhe por exem­plo a beleza de uma paisagem. Procurar que parti­cipe de jogos coletivos e de conversas de grupo; geralmente prevalece nele a atividade, e precisa efe­tivamente contar com ela, uma vez que é o seu elemento positivo. O ambiente familiar deve estimu­lá-lo e arrastá-lo, apoiando-se na sua atividade.


O AMORFO

Características: não-emotivo, inativo, primário.

Tem como traço fundamental uma preguiça evi­dente, distinta da do nervoso. Propenso à tensão psicológica. Está entre o nervoso e o sanguíneo: há, com efeito, amorfos para-nervosos e amorfos para-sangüíneos. Abre-se passivamente aos estímulos do ambiente. Executa docilmente as suas tarefas, se lhe são exigidas por uma "autoridade" que tenha competência; abandonado a si próprio, nada faria, e nunca faz mais do que lhe é pedido. Se um trabalho reclama esforço, adia-o para "amanhã". Deixa as coisas para a última hora, a fim de conseguir ajuda dos que já terminaram as suas tarefas. É bastante impontual.

Os para-sangúmeos demonstram uma preguiça particular, embora alguns consigam bons resultados nas línguas vivas e em geografia. Se são preguiçosos, mas comem bem, dormem e brincam como as de­mais crianças, revelam uma preguiça de caráter; no caso contrário, são astênicos, e convém que sejam tratados pelo médico.

No amorfo predominam os interesses egoístas e materiais, como o comer e o beber; é o que mais come, e mais lentamente: comer em meia hora pare­ce-lhe impossível; tem grande atração pela cama e pelo sono, e cuida pouco do asseio pessoal. Pratica esporte com prazer, se for esporte de grupo; não gosta de ginástica. Conformista, falta-lhe espírito prático. No trabalho e no estudo, quer sempre aca­bar logo e não cuida dos detalhes. É desordenado (alia a falta de jeito à preguiça). Exprime-se mal; procura economizar as palavras, encurtar as conver­sas, etc. Desperdiça comida, papel, material escolar, dinheiro. Gosta muito dos jogos de azar.

Modo de tratar: tem necessidade de uma auto­ridade clara e forte, de compreensão e firmeza, e de uma vigilância quase que diária em relação à pre­guiça. Não lhe devem ser propostos planos para o futuro ou objetivos a longo prazo. Provocar-lhe, não a vaidade, mas a auto-confiança que esta pressupõe. Encostá-lo à parede, para que escolha entre a imposição de um esforço e suas recompensas práticas ou morais, e o pressentimento de uma reprimenda e de uma punição. Realizará o esforço. São castigos adequados privá-lo dos doces ou de um divertimento ou um passeio, ou de alguma coisa de que goste. Dar-lhe a entender como é, com calma e naturali­dade; pôr-lhe em evidência o seu gosto pela inati­vidade, a sua negligência, a sua tendência a adiar as coisas. Mostrar-lhe que existem nele inclinações que deve vencer de modo a preparar o seu sucesso, mesmo que os resultados sejam pequenos. Sugerir-lhe um trabalho de grupo. Se lhe for proposto um esforço bem proporcionado, executá-lo-á. Leva muito em consideração as críticas, as caçoadas, as observa­ções dos seus companheiros.

Apelar continuamente para os seus gostos, tanto na família como na escola, a fim de que adquira o hábito de interessar-se e de esforçar-se. Ajudá-lo a fazer um programa de pequenos sacrifícios quanto ao dormir e ao comer.

Fazer-lhe notar as alegrias que dá o esporte, pois acabará por adquirir um certo prazer pelo es­forço. Interessá-lo em excursões e passeios que pos­sam ajudá-lo a mexer-se. Não permitir que se deleite na tranqüilidade dos hábitos domésticos; dar-lhe exemplos de energia, entusiasmo e atividade. Envol­vê-lo numa rede de deveres firmes e constantes, e não lhe permitir demasiadas desculpas por não os ter cumprido (mesmo em relação ao horário).

Fazer com que mantenha o quarto em ordem, limpe os sapatos e não seja negligente no asseio pessoal e no vestir. Fazê-lo lutar contra a imprecisão na linguagem, contra o desperdício, contra o hábito de tomar emprestado e não restituir, ou contra a impontualidade. Incentivá-lo a fazer cada dia algu­ma coisa pelos outros.


O APÁTICO

Características: não-emotivo, inativo, secundário.

Finge bastante bem possuir uma riqueza inte­rior que na verdade lhe falta por completo.

Na puberdade, é sujeito a reações de semi-opo­sição (fugas, pequenos furtos, mentiras). É pregui­çoso: falta-lhe tensão e força psicológica, é descon­fiado, guarda rancores profundos, obstinado. Revela princípios; é bom economizador.

Diverte-se pouco, responde pouco, mantém si­lêncios prolongados. No tempo livre, isola-se ou anda de grupo em grupo, sem parar em nenhum. É talvez o temperamento mais falso de todos. Fal­tam-lhe os recursos da energia. Não se interessa nem pelos companheiros nem por si próprio. Vive na “moleza” e passivamente. E o menos loquaz dos da sua idade. Fechado em si próprio, reservado, de hu­mor instável, sente prazer na solidão e tem uma docilidade apenas aparente; interiormente não aceita nada. Não se inclina a compadecer-se: é de uma hostilidade fria e dissimulada.

Modo de tratar: utilizar métodos e procedimen­tos ativos; neste sentido, é ótimo interessá-lo num trabalho de grupo. Integrá-lo num ambiente social compreensivo e vivificante. Obrigá-lo a sair de si mesmo para dedicar-se aos outros; cultivar-lhe desde cedo as virtudes altruístas; atrair freqüentemente o seu interesse. Para torná-lo mais ativo, despertar-lhe a atenção para as satisfações que acompanham o esforço pessoal, e situar este esforço na altura das suas possibilidades, ressaltando depois os resultados conseguidos; tirá-lo da rotina do automatismo, de modo a alcançar um comportamento autônomo e de­liberado.

Na vida espiritual, impedir que renuncie aos valores muito altos e se detenha nos desejos pessoais mais imediatos. Elevar o nível das suas aspirações, propondo-lhe gradualmente novos objetivos e ideais a conseguir.