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sábado, 14 de abril de 2007

Evangelhos: ainda a origem dos evangelhos

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 321/1989)

Em síntese: Os estudos de papirologia e paleografia vêm confirmando a existência de manuscritos dos Evangelhos e de livros do Novo Testamento já no fim do século I. Há mesmo autores que julgam que a redação escrita dos Evangelhos começou na década de 40, fazendo eco à pregação de Jesus continuada pelos Apóstolos. - Donde se vê que, pelo progresso da ciência, estão ultrapassadas as teorias segundo as quais o texto dos Evangelhos esta­ria cronologicamente distante de Jesus e, por isto mereceria pouco crédito; corresponderia a ficções e mitos concebidos pelos cristãos do século II. Esta hipótese preconcebida não pode ser sustentada diante dos resultados das pesquisas dos últimos decênios. - O presente artigo apresenta alguns espéci­mens desses estudos recentes, comprovados pela experiência e a boa critica de estudiosos austeros e

destituídos de preconceitos.

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Os debates sobre o filme "A Última Tentação de Cristo" abordaram mais de uma vez a questão da origem e da veracidade dos Evangelhos. Estes foram considerados como pouco fidedignos, pois oriundos a grande distân­cia da vida terrestre e da morte de Jesus; os decênios terão ocasionado a in­serção de muitas lendas e ficções na verdadeira história de Jesus.

A propósito já foi publicado um artigo em PR 318/1988, pp. 489-501, que mostra, mediante critérios objetivos e científicos, a continuidade entre a pregação de Jesus, a dos Apóstolos e a redação dos Evangelhos no decorrer mesmo do século I. A tese de que os Evangelhos datam do século II ou estão distanciados de Jesus por um hiato de decênios é a dos racionalistas do sécu­lo passado; já foi superada pelo próprio progresso do estudo.

A ORIGEM DOS EVANGELHOS

Uma das últimas descobertas de papirologia e paleografia leva alguns estudiosos a crer que o Evangelho segundo Marcos (Mc, o mais antigo dos que hoje temos) data do quarto decênio (40-50) da era cristã. Esta proposi­ção, surpreendente como é, tem suscitado hesitações da parte de outros es­pecialistas. Mas vai aumentando o número dos que a professam após minu­cioso estudo da questão. Ora, se Mc data do quarto decênio da era cristã, muito mais firme ainda se torna a credibilidade do texto sagrado.

A respeito desta tese muito recente já foi publicado um artigo em PR 288/1986, pp. 194-200[1]. Continuamos a estudá-la valendo-nos de novos es­tudos do autor da descoberta: o Pe. José O'Callaghan S.J., professor do Pon­tifício Instituto Bíblico de Roma. Escreveu em La Civiltà Cattolica de 5/11/88, fasc. 3321, pp. 268-272, a comunicação "Verso le origini del Nuo­vo Testamento", cujo conteúdo vai, a seguir, transmitido aos nossos leitores.

O progresso da paleografia:

Os mais antigos manuscritos dos Evangelhos são papiros datados do sé­culo II (os autógrafos se perderam, dada a fragilidade do material utilizado pelos autores sagrados). Tais papiros se acham conservados nas Bibliotecas de grandes cidades (Londres, Paris, Viena, Berlim, Leningrado, Cairo, Nova Iorque...), onde são acessíveis aos estudiosos.

Acontece que na década de 1930 o pesquisador inglês C.H. Roberts descobriu o mais antigo dos manuscritos até então conhecido[2] : era um pe­queno fragmento de 8,9 cm por 5,8cm; de aparência insignificante, foi com­prado com outros papiros no Egito em 1920; numa das faces desse fragmen­to se encontra o texto de Jo 18,31-33, e na outra face o de Jo 18,37s. Está guardado no John Rylands Library de Manchester. Os papirólogos atribuíram as letras desse fragmento aos primeiros decênios do século 11, mais pre­cisamente ao ano de 125. As conseqüências deste achado foram de ,vasto alcance: o papiro fora encontrado no Egito, a mais de 1.000 km da região onde fora escrito o autógrafo de João; vê-se então que no Egito se lia o Evangelho de João poucos decênios após a morte do Apóstolo. Consequentemente os Evangelhos de Mt, Mc e Lc, anteriores ao de João, foram reconhecidos, com novo vigor, como obras da segunda metade do século I.

Em 1972 os estudos bíblicos foram sacudidos por nova descoberta: na Gruta 7 de Qumran, a N.O. do Mar Morto, foram encontrados pelo Pe. O'Callaghan S.J. papiros do Novo Testamento, entre os quais um fragmento de Marcos (6,52-53), dito 7Q 5; este foi atribuído ao ano de 50, conforme cuidadosos estudos do descobridor. Todavia esta conclusão foi tida como precipitada e inaceitável por outros especialistas.

O caso parecia encerrado pela crítica contestatária, quando em 1984 o professor C.P. Thiede, de Berlim, retomou os estudos, debruçando-se sobre os papiros originais em Jerusalém; em conclusão, confirmou a sentença de O'Callaghan; os resultados de suas pesquisas estão expostos no livro Die klteste Evangelien-Handschrift? Das Markus-Fragment von Qumran und die Anfãnge der schriftlichen Ueberlieferung des Neuen Testaments (Wuppertal 1986); na tradução italiana dessa obra, p. 42, lê-se:

'Assim resumindo, foram aduzidas todas as provas positivas em favor da exatidão da datação; além disto, foram eliminadas todas as possíveis obje­ções. Na base das regras do trabalho paleográfico e da crítica do texto, é cer­to que 7Q 5 é Mc 6,52-53, o mais antigo fragmento conservado de um texto do Novo Testamento, escrito por volta de 50, e certamente antes de 68'

Em tal livro, encontra-se também o parecer do Dr. H. Hunger, outrora Diretor da coleção de Papiros da Biblioteca Nacional Austríaca e professor emérito da Universidade de Viena. Depois de ter estudado o livro de Thiede, H. Hunger afirma:

"O autor examinou escrupulosamente todos os principais problemas relativos ao fragmento 70 5 de Qumran e, a meu ver, dissipou todas as pos­síveis dúvidas.

A identificação com Mc 6,52-53 é convincente".

O mesmo professor publicou uma longa recensão do livro de Thiede, concluindo com estas palavras: "Assim é de esperar que, com a presente pu­blicação, comece finalmente a impor-se a ponderada opinião referente a 7Q 5" (Tyche 2,1988, p. 280).

A obra de Thiede mereceu ainda outros comentários, dos quais são aqui citados alguns: Mons. G. Ghiberti, Presidente da Associação Bíblica Italiana: "Embora eu não seja papirólogo, estou muito favoravelmente impressionado pelo con­junto de argumentos aduzidos para identificar 70 5" (Aegyptus 66, 1986, p. 298).

O Prof. H. Staudinger, da Universidade de Paderborn (Alemanha) e Diretor do Instituto para o Estudo dos Fundamentos da Teoria das Ciências, aos 27/03/88, escreveu na Frankfurter Allgemeine Zeitung: "A discussão científica internacional mostra, com sempre maior clareza, que não se pode duvidar seriamente da interpretação de O'Callaghan".

Ao lado dos estudos sobre 7Q 5, outros foram-se desenvolvendo no campo papirológico dos últimos anos, vindo a corroborar a tese da antigüidade dos Evangelhos.

2. Outros Estudos

Em 1988 o Prof. Y. K. Kim publicou outro artigo significativo: Paleo­graphical Dating of P46 to the late First Century, in Biblica 69 (1988), pp. 248-257. Este escrito resulta de dois anos de trabalho e consulta a emi­nentes especialistas ingleses como R. Coles, de Oxford; P. Parson, Professor da mesma Universidade de Oxford e Vice-Presidente da Associação Interna­cional de Papirólogos; M. Hengel e C. F. D. Moule, eminentes professores. - Ora em tal artigo o Prof. Kim demonstra que o Papiro46 (P46) da Cole­ção Chester Beatty, portador de grande parte das epístolas de S. Paulo, não data de 200 aproximadamente (como se pensava), mas do fim do século I.

Uma das razões evocadas pelo mestre é que as letras do P46 e o seu estilo caligráfico não têm paralelo algum após o século I d.C.: a forma das finais na parte inferior das letras pede datação anterior; algumas letras (es­pecialmente o b e o y) são de feitura antiga; no estilo paleográfico de P46não se vêem vestígios dos ornamentos e da decoração típicos do século II. A comparação com outro pequeno papiro do século III (que contém Fm 13-15 e 24-25) evidencia que o estilo caligráfico de P46 é muito anterior. Além destas razões paleográficas, Kim aduziu outras de ordem fonética e de gramática, que postulam a datação de fins do século I.

Ora note-se que, no caso de P46, não se trata de um fragmento, como nos casos atrás citados, mas de um código que consta de 86 folhas, isto é, 172 páginas (das quais parte se encontra em Dublin, e parte em Michigan); são folhas muito bem conservadas (com poucas exceções), que apresentam epístolas de São Paulo na ordem seguinte: Romanos, Hebreus, 1ª. e 2ª. aos Coríntios, Efésios, Gálatas, Filipenses, Colossenses e 19 aos Tessalonicenses. Tal código foi comprado por volta de 1930 num mercado de antiquários no Egito; é obscura a sua origem, mas provavelmente devia encontrar-se entre as ruínas de alguma igreja ou de um mosteiro cristão, talvez da região de El Fayum (Egito).

3. Conclusão

Vê-se que o progresso dos estudos vai abrindo caminho para que os estudiosos se aproximem dos autógrafos do Novo Testamento. - Tais estu­dos e suas conclusões não são inspirados por tendências apologéticas precon­cebidas (defender a antiguidade dos Evangelhos frente aos racionalistas); isto não seria justificável aos olhos da ciência.

Apesar deste recuo de datas em direção do tempo de pregação de Je­sus, deve-se admitir sempre que Jesus não escreveu nem mandou que os Apóstolos escrevessem; por isto ficará sempre um intervalo (preenchido pe­la pregação oral) entre Jesus e a redação dos Evangelhos; esse intervalo, po­rém, vai-se tornando mais breve aos olhos do estudioso à medida que se vão descobrindo antigos manuscritos do Evangelho; há mesmo quem julgue que no segundo decênio após a morte de Cristo (na década de 40) se começou a redigir por escrito a pregação de Jesus continuada pelos Apóstolos. Ver C M. Martini, Testi neotestamentari tra i manoscritti dei deserto di Giuda? em La Civiltà Cattolica 1972, pp. 156-158.

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NOTAS:

[1] Muito se recomenda a leitura desse artigo, pois oferece dados minuciosos sobre a descoberta, que levou a recuar a datação de Mc para o quarto de­cênio.

[2] C.H. Roberts, An Unpublished Fragment of the Fourth Gospel in the John Rylands

Library. Manchester 1935.

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