É notícia o fato de que, na perspectiva de próximas eleições políticas, certas dioceses do Brasil têm publicado cartilhas visando a suscitar no povo de Deus os princípios de uma educação política. Não há dúvida, a intenção que anima tais obras é louvável, pois importa que os cidadãos brasileiros, por mais modestos que sejam, tenham as condições necessárias para participar da vida pública do país, elegendo seus representantes nos órgãos do Governo de maneira consciente e responsável, em vez de seguir simplesmente a orientação de um chefe ou líder de influência no seu ambiente. À Igreja toca realizar essa tarefa não por causa dos interesses de partidos ou grupos que estejam em causa, mas unicamente por razão das implicações morais ou éticas que as eleições têm para todos os cidadãos. Ao cristão compete, em consciência ou diante de Deus, o dever de procurar votar em dirigentes e governantes moralmente dignos, imbuídos de princípios cristãos e profissionalmente habilitados para promover o bem comum, ou seja, o bem arquitetado pela justiça e pelo senso de fraternidade que devem reinar entre os filhos de uma mesma nação. Todos os cidadãos de determinado país hão de se sentir responsáveis pela implantação de uma ordem sócio-econômico humana e reta em sua pátria e, se são cristãos, hão de se empenhar pela observância dos princípios do Evangelho e da doutrina social da Igreja. Ora à Igreja, qual Mãe e Mestre, compete colaborar na formação das consciências, transmitindo as normas éticas que decorrem da mensagem de Jesus Cristo, dissipando dúvidas e incentivando as boas iniciativas neste setor. Eis por que têm sido dadas a lume cartilhas políticas populares em algumas dioceses do Brasil.
Acontece, porém, que nem todos esses escritos vêm logrando o almejado efeito; alguns perecem unilaterais ou tendenciosos ou vasados em linguagem político-partidária. É justamente neste contexto que merece atenção o documento elaborado, a pedido do Sr. Arcebispo de Florianópolis (SC), por um grupo de especialistas (sacerdotes e leigos) desejosos de preencher real lacuna na pastoral do Brasil. Tal documento, publicado em fevereiro de 1982, será transcrito a seguir, pois revela atitude serena e objetiva diante de um problema candente e provocador. Dentro das limitações; que um texto de tal tipo não pode deixar de apresentar, exprime as linhas centrais do pensamento da Igreja em tal matéria. Após a transcrição do texto, serão postas em relevo as grandes linhas do mesmo [*].
A propósito a redação de PR exprime sua gratidão ao Pe. Paulo Bratti, diretor do Instituto Teológico de Santa Catarina, um dos principais autores e responsáveis do documento em foco, o qual cedeu a PR o exemplar respectivo e a autorização para publicação.
IGREJA, POLÍTICA E FÉ
Pelo Grupo de Trabalho de Pastoral Política da Arquidiocese
de Florianópolis
APRESENTAÇÀO
Nos últimos anos, a Igreja no Brasil tem sido muito questionada por causa de certos documentos que tem publicado e por causa de seu posicionamento frente a problemas concretos que afligem o povo brasileiro. Para muitos, Ela está exorbitando de sua missão e incursionando em seara alheia. Neste ano de eleições, há perigo de que os ânimos se acirrem ainda mais, deixando, como desagradável conseqüência, um rasto de ressentimento.
Ora, não é esse o objetivo da Igreja; nossa intenção é criticar construtivamente comportamentos e estruturas, para que os homens reflitam e somem suas capacidades na edificação de uma sociedade mais humana e mais justa.
Para tanto, resolvi convidar um grupo de pessoas, sacerdotes e leigos, e lhes solicitei um breve estudo sobre «Igreja, Política e Fé», a fim de esclarecer o pensamento da Igreja nesta matéria e dirimir algumas possíveis dúvidas. É um pequeno catecismo de pastoral política, apresentado de modo sintético, que pretende, também, estimular a leitura dos Documentos nele citados. A mesma matéria será divulgada em estilo popular, próprio para o debate em grupos de reflexão.
Desta forma, penso, estaremos dando uma parcela de contribuição à educação política de nosso povo, tão necessária para que haja mais participação, e se desperte a consciência de corresponsabilidade na construção de um mundo melhor.
Dom Afonso Niehues
Arcebispo Metropolitano
TEXTO
1. Por que a Igreja, se está preocupando tanto com a política?
R. Antes de tudo, porque, a partir do Concílio Vaticano II, se foi firmando a idéia de que a Igreja não é uma realidade existente fora da história, mas sim o Povo de Deus solidário com os problemas dos homens do nosso tempo.
Além disso, em seu trabalho pastoral, a Igreja está partindo de uma análise da realidade. Ora, olhando mais atentamente nossa realidade, percebe-se que existem situações de injustiça e de má distribuição das riquezas, que não estão de acordo com o Evangelho da fraternidade.
Esses problemas não podem ser resolvidos somente por ações isoladas de indivíduos, mesmo de boa vontade. São problemas mais amplos - estruturais - que requerem a ação conjunta de toda a sociedade; requerem, portanto, uma ação política. Por isso Paulo VI escreveu que «a ação política é uma maneira exigente, se bem que não seja a única, de viver o compromisso cristão ao serviço dos outros» [1].
2. Todos os cristãos estão conscientes disso?
R. Certamente não. Muitos cristãos têm, ainda, uma concepção estreita e pessimista da política, tida como atividade desonesta. Por isso dizem: «Não quero saber de política!» Não sabem que, ao falar assim, já estão tomando uma posição política, pois, por sua omissão, podem estar concordando com uma situação existente.
Há, ainda, os cristãos que separam o campo religioso - que seria meramente um assunto privado - do campo político, que é o da vida pública. Infelizmente essa idéia puramente «espiritualista e privativa» da fé penetrou na cabeça de muita gente. Dentro dessa mentalidade, a Religião e a Salvação não teriam nada a ver com a vida social.
3. Que fazer para superar essa visão?
R. É necessário, antes de mais nada, conscientizar-se de que o homem é um ser social: ele não vive só, mas convive. Já o grande filósofo Aristóteles dizia que o homem é um «animal político», porque vive na polis, o que, em grego, significa cidade. A nossa vida cristã, portanto, não se pode reduzir, apenas ao relacionamento inter-pessoal - «eu e Deus» ou «eu e tu» -, pois nosso próximo são também as massas humanas. Então, é preciso olhar nosso semelhante não somente como um indivíduo isolado, mas como alguém que depende muito do ambiente e do contexto em que vive.
4. Que conseqüências têm essa doutrina?
R. A resposta está no Documento de Puebla: «A Igreja critica aqueles que tendem a reduzir o espaço da fé à vida pessoal ou familiar, excluindo a ordem profissional, econômica, social ou política, como se o pecado, o amor, a oração e o perdão não tivessem importância aí» [2]. Daí a urgência de se superar uma «ética individualista» que se preocupa somente consigo mesma. Há muitos cristãos que têm um comportamento pagão; só pensam em ganhar dinheiro, em «ter» mais, em subir na vida às custas dos outros. Essa mentalidade anti-evangélica se difundiu tanto que se ouve dizer com freqüência: «Cada um por si e Deus por todos!» ...
5. Quer dizer que não pode haver um cristão apolítico?
R. Não pode. Os Bispos Catarinenses afirmaram, num Documento recente, que «não é possível a chamada neutralidade política, nem para a Igreja-Organização, nem para as pessoas que a compõem» [3]. E que o Evangelho também não é neutro e, diante de situações de evidentes injustiças e iniqüidades, Ele nos obriga a tomar partido. Por isso, todo cristão autêntico será partidário dos valores que constituem o fundamento da paz social: a verdade, a justiça, a liberdade e o amor [4]. Na América latina os católicos farão suas as grandes opções de Medellín e de Puebla: opção pelos jovens e opção preferencial pelos pobres. Lutarão pela implantação da justiça social e por uma sociedade onde haja verdadeiramente comunhão e participação.
6. Então os Bispos e Padres também deverão fazer política?
R. Devemos distinguir dois conceitos de política:
1°) Em sentido amplo, a Política significa a busca do bem comum, da solidariedade, da concórdia interna, da justiça com liberdade. Nesse sentido, a Política interessa à Igreja toda. À Hierarquia - Bispos e Padres - cabe também a tarefa de formar a consciência política dos fiéis, já que «nossa conduta social é parte integrante do seguimento de Cristo» [5].
2°) A Política pode significar, também, a busca do Poder para resolver as questões econômicas, políticas e sociais, segundo uma determinada ideologia. É a «política de partido», que e o campo próprio dos leigos.
Os Bispos e Padres, porque «ministros da unidade e homens do Absoluto», deverão se despojar de qualquer ideologia político-partidária. Um ministro ordenado que se servisse de sua influência religiosa para impor determinada opção partidária estaria cometendo o pecado do «clericalismo», exigindo obediência num assunto de livre escolha dos fiéis.
7. Assim sendo, eles «ficam em cima do muro» ...
R. Na verdade, a Hierarquia Eclesiástica tem sido ultimamente, entre nós, defensora dos direitos humanos e advogada dos que não possuem voz, nem vez. Nos casos de conflito, longe de se acomodarem na indiferença, Bispos e Padres se posicionaram claramente a favor dos posseiros, dos operários, dos índios, sendo por isso censurados, quando não presos.
Mas a missão dos Sacerdotes não se esgota na luta pela justiça e vai muito além dos programas dos Partidos. Há outros aspectos da vida que precisam ser evangelizados, como as dimensões pessoal, familiar, cultural, religiosa. Quando, então, um Pastor, ao mesmo tempo em que valoriza a atuação política, lembra essas outras dimensões da existência - afirmando que, para sobreviver, o homem precisa de pão e de sentido, de justiça e de oração -, não está ficando em cima do muro, mas exercendo um autêntico serviço profético.
8. Portanto, a política não abarca toda a vida?
R. Exatamente. Por isso também Puebla chama a atenção para o perigo de uma «total politização da existência cristã» [6]. Isto acontece quando se absolutiza o engajamento político, quando se julga tudo a partir de uma ótica política, quando se transportam para o interior da Igreja análises feitas nos Sindicatos e nos Partidos, que criam bloqueios e divisões. Começa-se, então, a rotular os homens da Igreja de conservadores, progressistas e moderados; introduz-se a estratégia da «luta de classes» para o âmbito eclesiástico; esvazia-se o sentido sobrenatural da Salvação; reduz-se a fé a um ardor puramente revolucionário; incorre-se num maniqueísmo farisáico, que divide matematicamente o mundo dos homens entre bons e maus, opressores e oprimidos; esquece-se de que, para além de suas legítimas diferenças políticas, culturais e ideológicas, os homens são feitos do mesmo barro, filhos do mesmo Pai e destinados à mesma meta que é a vida eterna. Estes são alguns riscos reais de uma exagerada «politização».
9. Qual é mesmo, então, a missão dai Igreja?
R. O Regional Sul IV da CNBB, formado pelas oito Dioceses Catarinenses, coloca como objetivo da atividade pastoral «Despertar todo homem e o homem todo para uma vida de Igreja, onde cada um assuma a missão de anunciar o Reino pela Palavra, pela celebração do Mistério cristão na vida e pelo testemunho, através de uma evangelização libertadora que leve à Comunhão e à Participação» [7]. Vê-se que a vivência cristã integral é ampla e abrangente. Deve-se, por isso, evitar todo «reducionismo» que enxerga só um aspecto: ou só a militância política alienada da vida interior, de união com Deus, ou só a vida de oração, litúrgica e sacramental, alienada dos problemas sociais. O leigo, porém, que alimenta sua fé na meditação da Palavra de Deus e na celebração eucarística, tem por tarefa própria ordenar e/ou transformar a ordem temporal (economia, cultura, educação, meios de comunicação social, etc.) segundo o plano de Deus.
10. No passado não se falava em transformar e, sim, em conservar...
R. Ainda hoje a Igreja deve conservar os valores perenes e permanentes do «depósito da fé», como: a doutrina da criação, a paternidade divina, o mistério do pecado, a redenção de Cristo, a necessidade da Graça, o valor da oração e dos Sacramentos, a vida após a morte, a prática de virtudes pouco apreciadas atualmente, como a penitência, a castidade, a humildade. A Igreja se posiciona, outrossim, contra o aborto e o divórcio, sendo, portanto, a favor da vida e do matrimônio indissolúvel. Nesse sentido, Ela será sempre «conservadora».
Mas, com relação à organização social, Ela prega realmente «reformas profundas e audazes» por meios não violentos [8]. É que reina entre nós uma «pirâmide social perversa», com «ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres» (João Paulo II). O modelo adotado em nosso país é concentrador de rendas, beneficiamento econômico. O Brasil é um dos países recordistas em desigualdades entre abastados e miseráveis [9].
11 . Como mudar essa situação?
R. A ética cristã não aceita, como via normal, o uso da força e da luta armada. «A violência não é cristã, nem evangélica» [10]. Também não basta mudar os detentores do poder. O importante é que o povo se organize: «A organização popular é o fundamento de uma sociedade segura e estável» [11]. Daí a importância dos chamados «corpos intermediários», isto é: dos sindicatos, das associações de classe e de bairros, bem como das Comunidades Eclesiais de base. Todas essas entidades deveriam ser uma escola de democracia, com ampla participação e liberdade de discussão, sem imposições ideológicas. Essas organizações populares deveriam ser veículos de legítimas reivindicações e de pressão moral libertadora, capazes de mudar estruturas sociais injustas. Não é somente o Governo o culpado dos males que nos afligem. É toda a sociedade - por conseguinte, cada um de nós - que precisa converter-se de uma mentalidade egoísta, gananciosa e consumista.
R. O Papa afirmou aqui no Brasil que «a Igreja, como tal, não pretende administrar a sociedade, nem ocupar o lugar dos legítimos órgãos de deliberação e ação... a sua contribuição específica será a de fortalecer as bases espirituais e morais da sociedade... é um serviço de formação das consciências» [12]. Em sua doutrina social - que é parte integrante da concepção cristã da vida - a Igreja apresenta caminhos e princípios que têm valor universal. Cabe aos técnicos e aos cientistas sociais traduzir em normas e estruturas práticas essas orientações.
A Igreja respeita a autonomia das instituições civis, como o Estado. Seria retroceder aos tempos medievais se os eclesiásticos se quisessem apoderar do poder temporal ou se os homens públicos fossem tratados como menores. E preciso evitar que, sob o pretexto de profetismo, se volte a criar a imagem de uma Igreja intolerante e moralizante, que deixou de dogmatizar em questões teológicas para fazê-lo em questões políticas. O Conselho Permanente da CNBB lembrou há pouco que «o desarmamento dos espíritos... a humildade e a conversão são necessários a todos, inclusive à Igreja» [13].
13. Mas a Igreja tem condenado certos sistemas...
R. É verdade. Em Puebla, por exemplo, os Bispos latino-americanos condenaram três ideologias incompatíveis com a visão cristã do homem:
a) O liberalismo capitalista, enquanto considera o lucro como motor essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como direito absoluto, sem limites, nem obrigações sociais correspondentes [14];
b) O coletivismo marxista, materialista e ateu, que tem por motor a luta de classes, visando a atingir a sociedade sem classes, mediante a ditadura do proletariado e do partido. Todas as suas experiências de governo se realizaram dentro do quadro de regimes totalitários, fechadas a toda possibilidade de crítica ou retificação;
c) A Doutrina da Segurança Nacional, que suprime a participação ampla do povo nas decisões políticas, desenvolve um sistema repressivo e impõe a tutela do povo por elites do poder, militares e políticos [15].
14. Existe no Brasil algum Partido que defenda uma dessas ideologias?
R. Teoricamente, não. Olhando o programa dos diversos partidos notam-se, em todos eles, propósitos e projetos que visam a criar uma sociedade onde haja mais participação do povo e melhor distribuição da renda nacional. Por isto a Igreja no Brasil oficialmente não faz restrições a nenhum dos partidos existentes. Também Ela «não favorece a nenhum partido em especial» [16]. Por outro lado, Puebla lembra que «nenhum partido político, por mais inspirado que esteja na doutrina da Igreja, pode arrogar-se a representação de todos os fiéis, já que seu programa concreto nunca poderá ter valor absoluto para todos» [17]. Por isso os Bispos brasileiros disseram que «nenhum modelo é perfeito ou definitivo; todos são discutíveis e precisam ser continuamente aperfeiçoados» [18].
15. Sim, mas ... e na prática?
R. Cabe ao cristão verificar a coerência dos programas partidários com a verdadeira atuação dos partidos. Assim, além do programa escrito, é preciso olhar a prática. Não é segredo para ninguém, por exemplo, que o regime brasileiro dos últimos dezoito anos implantou um sistema capitalista fortemente baseado na doutrina da Segurança Nacional. De acordo com o modelo adotado, o desenvolvimento econômico traz consigo automaticamente o
Desta forma, tanto os cristãos que militam nos partidos de apoio ao regime que detém o poder, como aqueles que militam nos partidos de oposição, têm o dever de refletir criticamente sobre a situação vigente, em confronto com os respectivos programas partidários, cabendo a todos lutar politicamente para que tais programas prevaleçam sobre as decisões casuísticas e deixem de ser relegados a simples intenções.
16. Nessa situação, como formar a consciência política?
R. Antes de tudo, é preciso fazer um estudo mais aprofundado de nossa realidade. Em seguida, estudar-se-ão os programas e propostas dos diversos partidos e candidatos. O cristão deve escolher aqueles que estiverem em melhor sintonia com o pensamento da Igreja, que optou preferencialmente pelos pobres e que postula, entre outras coisas: justiça com liberdade, melhor distribuição das terras, participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, fim da especulação imobiliária, combate aos «atravessadores» gananciosos e assim por diante.
17. Qual a melhor maneira para fazer esses estudos?
R. Existem várias maneiras. Mas, sem dúvida, uma boa consciência política será mais facilmente formada a partir de estudos e debates realizados dentro de grupos organizados. Por isto é muito importante que os cristãos procurem criar novos grupos de reflexão ou se incorporar aos já existentes nos seus bairros ou Paróquias.
Um excelente roteiro de estudo poderia ser o recente documento preparado pelo Departamento de Ação Social do CELAM e publicado no Brasil pela CNBB: «Fé cristã é Compromisso Social» (Edições Paulinas).
18. Existem políticos confiáveis?
R. Existem, é claro. Infelizmente, contudo, nossa democracia sofre de males crônicos. A começar pela maneira de se entender o exercício do poder. Assim, muitos procuram-se eleger para um cargo público meramente por vaidade e ambição pessoal, em busca de auto-promoção ou defesa de interesses econômicos. Outrossim, «impressiona-nos a facilidade com que nossos representantes aumentam seus salários, com a anuência de todos os partidos» [19]. Existem, ainda, os vícios da politicagem, que são: as mordomias, o empreguismo, a compra de votos. Essas e outras tradições de corrupção dos costumes políticos devem acabar. É urgente que surja uma nova geração de políticos que encare seu mandato como um serviço desinteressado prestado à comunidade. «A fé cristã não despreza a atividade política; pelo contrário, valoriza-a e a tem em alta estima» [20]. Por isto a Igreja exorta os leigos cristãos a se engajarem na atividade política para serem fermento de uma sociedade livre. Somente com homens novos se pode formar uma sociedade nova.
Notas bibliográficas
1 Paulo VI: "Octogesima Advéniens" n° 46.
2 Documento de Puebla (= DP) n° 515; cf. também Vaticano II: "Gaudium et Spés" n° 30.
3 “A Igreja
4 João XXIII: "Pacem in Terris" nn. 35-36.
5 DP n° 476.
6 DP n° 545.
7 "A Igreja
8 "Pronunciamentos do Papa no Brasil (ed. Vozes) n° 700.
9 Cf. CNBB: "Subsídios para uma Política Social" n° 11.
10 "Conclusões de Medellín" n° 15.
11 "A Igreja
12 "Pronunciamentos do Papa no Brasil" nn. 417, 675, 676.
13 “Reflexão cristã sobre a conjuntura política" n° 28 (CNBB).
14 Paulo VI: "Populorum Progressio" n° 26.
15 DP nn. 542-550.
16 CNBB: "Reflexão cristã sobre a conjuntura política" n° 18.
17 DP n° 523.
18 CNBB: "Exigências cristãs de uma Ordem Política" n° 12.
19 "A Igreja
20 DP n° 514.
COMENTANDO
1. O documento insiste muito na participação de todos os cidadãos na vida política do país. Isto se deve a certa apatia ou indiferença que grande parte da população brasileira tem experimentado em relação à vida pública. A tendência de muitos é a de cuidar dos interesses pessoais, familiares ou grupais, sem levar em conta os da comunidade nacional; esquecem, deste modo, que o bem particular e o bem comum estão em mútua interdependência. É preciso, pois, que se dissipe o comodismo de uns, o ceticismo ou a descrença de outros em matéria política, a fim de que todos possam dar a sua contribuição em favor do bem comum. Tal é a razão da ênfase do documento sobre a participação de todos na vida política.
2. Quanto aos clérigos (bispos e sacerdotes), o texto afirma explicitamente que
- não devem exercer política partidária, colocando-se nas fileiras de determinado partido político e militando como políticos alistados, pois quem assim procede se torna membro de uma facção contra outras facções da sociedade, ao passo que a missão do pastor é universal, devendo servir aos membros de qualquer partido político. Aos clérigos, portanto, ou à hieraquia da Igreja compete apenas enunciar os grandes princípios éticos de uma política cristã, deixando aos fiéis plena liberdade, para que, observados tais princípios, se inscrevam no partido que mais lhes parecer condizer com a sua consciência bem formada;
- a atividade política, mesmo apartidária, não é a única tarefa da Igreja, nem deve inspirar, em caráter exclusivo, as outras tarefas eclesiais. Além dos deveres políticos, e acima destes, estão aqueles de ordem transcendental que tocam ao cristão como cristão ou à Igreja como Igreja, ... deveres que nenhuma outra instância ou sociedade cumprirá se a Igreja não os cumprir, pois foram confiados por Cristo à Igreja como tarefa especificamente sua: tais são a missão de aprofundar a fé, apregoá-la e transmiti-la ao mundo inteiro na evangelização e na catequese, a missão de promover a oração, a Liturgia, os exercícios espirituais, as práticas de ascese e de conversão pessoal, a missão de anunciar as virtudes teologais e morais em toda a sua amplidão (mesmo aquelas que são menos estimadas porque consideradas passivas, como a humildade, a obediência, a renúncia aos interesses egoístas..) A Boa-Nova confiada por Cristo à Igreja tende a ultrapassar sempre os moldes da cidade terrestre, a fim de elevar as mentes dos fiéis à contemplação e à vivência antecipada dos bens eternos. Será precisamente em nome do Reino de Deus transcendental já iniciado neste mundo pela graça que o cristão assumirá com pleno afinco o desempenho da sua missão temporal. A pregação dos valores transcendentais, longe de contradizer ao exercício de funções profissionais ou rivalizar com estas, comunica ao cristão um zelo que nenhuma outra motivação lhe inspiraria; sim, por amor ao Reino de Deus o cristão há de procurar ser excelente profissional em sua categoria, pois sobre ele pesam, de certo modo, a honra e a glória de Senhor Deus. Apregoando as verdades transcendentais, a Igreja está servindo não somente a Cristo, mas também ao homem, pois este foi incoercivelmente feito para a Verdade, a Vida, o Amor, a Bondade..., que não se encontram plenamente em criatura alguma, mas tão somente no Criador. Se a Igreja silenciasse tais verdades em favor de uma pregação exclusivamente voltada para a justiça social, estaria tirando o homem, a quem ela deve servir, pois lhe subtrairia a mensagem mais vital e construtiva a que ele aspira consciente ou inconscientemente.
A propósito pode-se indicar SEDOC, volume 14, n° 149, marco 1982, fascículo dedicado quase inteiramente à orientação política ministrada pela Igreja no Brasil.
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NOTA:
[*] Quando a redação de PR empreendeu a publicação do documento de Florianópolis, ainda não fora dado a lume o da arquidiocese do Rio de Janeiro, que por isto não pode ser comentado neste número de PR.
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