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segunda-feira, 2 de abril de 2007

Deus, ateísmo: e aqueles que dizem não a Deus?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 450/1999)

Em síntese: Deus quer que todos os homens se salvem; cf. 1 Tm 2, 4. Todavia Ele não força ninguém a amá-Lo e preferi-Lo aos bens cria­dos. Por conseguinte, Deus a ninguém condena; é a criatura que conde­na a si mesma. Caso morra consciente e voluntariamente avessa a Deus (coisa que só Deus pode saber), terá para sempre a sorte que escolheu para si, pois a morte coloca o ser humano em estado definitivo, no qual não é possível qualquer mudança. - De resto, faz-se necessário reco­nhecer que nenhuma criatura está apta a julgar Deus; Este, por defini­ção, é a Suma Perfeição e a Santidade Absoluta; quando Ele à limitada razão humana parece injusto, parece tal não porque seja menos justo do que o homem (um Deus injusto não pode existir), mas porque o seu de­sígnio salvifico ultrapassa o entendimento humano.

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A Redação de PR recebeu o seguinte e-mail:

"Sou católico, mas tenho uma dúvida que muito me persegue e incomoda: é a questão da condenação eterna... Como um Deus tão mi­sericordioso pode deixar que seus filhos fiquem para sempre no inferno? Para mim, o inferno é o lugar dos demônios e não dos filhos de Deus. Não creio que no inferno esteja algum ser humano. Creio na existência do inferno, mas não como lugar dos homens de pecado e condenados".

RESPONDENDO...

Procederemos por partes:

1) São Paulo afirma que Deus quer que todos os homens se sal­vem e cheguem ao conhecimento da verdade; cf. 1Tm 2, 4. Esta verdade deve pairar sempre ante os olhos de quem estuda tal temática.

2) Ocorre, porém, que Deus não força ninguém a se salvar ou a amar a Deus sobre todas as coisas. Ele respeita a livre opção do homem, quando este prefere a criatura ao Criador ou os bens finitos ao Bem Infinito.

3) Por conseguinte, Deus não condena a criatura, mas é a criatura que condena a si mesma, optando por permanecer longe de Deus. - Esta é outra verdade de importância capital, que dissipa a idéia de um Deus Carrasco ou Juiz frio e insensível.

4) Está claro que as opções errôneas da criatura humana nem sem­pre são plenamente responsáveis. Há pessoas angustiadas, obcecadas que não agem com total conhecimento de causa ou com plena liberdade. Deus - e só Deus - conhece o íntimo de cada um(a); compreende a fraque­za de seus filhos. Vê que, muitas vezes, mesmo quando erram, estão procu­rando o bem, mas não sabem onde o encontrar. Conhecedor do fundo do coração humano, Ele não procede como um homem, mas atende aos anseios mal formulados daqueles que, sem culpa própria, Lhe dizem Não.

5) Quem morre consciente e voluntariamente afastado de Deus, fica para sempre longe de Deus não num lugar dimensional, mas num estado de alma (o inferno não é um tanque de enxofre fumegante com diabinhos e tridentes). A morte estabiliza a criatura na sua última opção, de tal modo que, após a morte, não há como trocar de atitudes. A consci­ência desta verdade incute ao homem o valor da vida presente e de cada um de seus instantes; é no tempo que se configura a vida definitiva de cada ser humano.

A morte coloca o homem num estado definitivo e imutável. O ho­mem fica sendo para sempre amigo ou inimigo de Deus, conforme as disposições que tenha ao deixar este mundo; somente enquanto peregri­na na terra, pode merecer ou desmerecer o Sumo Bem.

Esta verdade se encontra no Evangelho: Jesus admoesta os discí­pulos a que vigiem, pois a atitude que tiverem assumido nesta vida em relação a Deus, definirá a sua sorte definitiva. É o que incutem as pará­bolas das dez virgens (Mt 25, 1-13), dos dez talentos (Mt 25, 14-30), do ricaço e de Lázaro (Lc 16,18-31), o quadro do juízo final em Mt 25, 31-46...

A mesma idéia ressoa na pregação dos Apóstolos; ver Gl 6, 10; 1 Cor 15, 24; 2Cor 5, 10; 6, 2; Hb 3, 13. A tradição cristã a repetiu sempre, e o Concílio do Vaticano I (1870), suspenso antes de concluído, estava para promulgá-la em suas definições teológicas, nos seguintes termos:

"Depois da morte, que é o remate da nossa caminhada, todos tere­mos logo de nos apresentar perante o tribunal de Cristo, a fim de que cada qual receba a retribuição do que tiver feito de bem ou de mal quan­do estava no corpo (2Cor 5, 10); depois desta vida mortal, não há mais possibilidade de penitência e justificação" (Mansi-Petit, Conc. t. Llll, 175).

Até a morte, mas somente até a morte, a natureza humana se acha completa (alma e corpo) e dotada das faculdades que concorrem para a sua evolução (sentidos, inteligência e vontade). Ora é lógico que a deci­são do homem relativa ao fim supremo seja tomada pelo homem em sua natureza completa. O homem não é espírito só, mas espírito destinado a vivificar um corpo e desenvolver-se mediante o corpo.

Verdade é que, depois da ressurreição, o corpo estará de novo unido à alma. Por que então não poderá haver mudança de opções após a ressurreição? - Respondemos dizendo que a reunião de corpo e alma após a morte é algo a que a natureza humana não tem, por si mesma, direito; é dom gratuito de Deus. O corpo então não servirá de instrumento mediante o qual a alma mude as suas inclinações; ao contrário, as condi­ções do corpo se adaptarão às disposições, boas ou más, da alma, em vez de as influenciar; os justos terão um corpo glorioso, ao passo que os réprobos terão um corpo tido como "tenebroso".

A irrevogabilidade de um destino é algo que nós, peregrinos na terra, dificilmente concebemos; tudo o que conhecemos neste mundo, se nos apresenta como transitório; não temos a experiência do definitivo ou da morte.

6) O homem é, muitas vezes, tentado a criticar Deus, como se Este fosse menos perfeito do que a criatura e tivesse que aprender com ela a administrar a história deste mundo. Popularmente falando, isto equivale a dizer que, "se Deus não procede como eu penso, Deus está errado e eu estou certo". Ora tal atitude é falsa não somente aos olhos da fé, mas também aos da razão. Com efeito; Deus, por definição, é Santo e

Perfei­to; está infinitamente acima da capacidade intelectual e moral da criatu­ra. Em conseqüência, um Deus injusto ou imperfeito simplesmente não é Deus; quem o admite, está negando o conceito e a existência de Deus; é mais lógico não crer em Deus do que crer num Deus falho e criticável. Se a criatura não compreende os desígnios de Deus, isto não se deve a deficiências do Senhor, mas às limitações do intelecto humano.

Vem muito a propósito a parábola de Mt 20, 1-15: um patrão con­trata cinco turmas de operários em diversas horas do dia e, no fim da jornada, manda pagar a todos o mesmo salário, embora tenham presta­do desiguais cotas de serviço. Um dos mais cansados dos trabalhadores se insurge então e argüi o patrão de injustiça, pois iguala entre si os que não trabalharam o mesmo número de horas. O patrão lhe responde com serenidade, observando que não lhe faz injustiça, pois pagou quanto foi estipulado em contrato, ou seja, um dinheiro, a justa remuneração. Se ele dá aos demais trabalhadores algo que não lhes é devido em estrita jus­tiça, mas depende da benevolência gratuita do patrão, ele tira do seu bolso e não lesa ninguém. Fica então a pergunta: "Precisamente porque eu sou bondoso além de toda expectativa, dando de graça, tu te irritas? É a minha magnanimidade surpreendentemente bela e nobre que te faz protestar?"

A mesma resposta do Senhor da parábola pode ser dada pelo Se­nhor Deus à criatura que o critica, julgando que Deus não é justo e deve­ria proceder como a criatura procederia. Se Ele "escandaliza",

"escanda­liza" porque é bom além dos trâmites habituais vigentes entre os homens. Então não há por que O criticar, mas, sim, existem motivos para abaixar a cabeça e adorar a Suma Sabedoria do Senhor, que vê muito mais lon­ge do que a mesquinha intuição do ser humano. É esta a resposta que a fé católica formula para as dúvidas propostas pelo amigo internauta.

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