(Revista Pergunte e Responderemos, PR 180/1974)
Em síntese : Um artigo de R. de
As páginas que se seguem não apresentam as minúcias do artigo citado, pois estas se destinam a especialistas, mas reproduzem as linhas gerais do mesmo. Trata-se, sem dúvida, de artigo que tem enorme importância não só no campo das ciências como no da Filosofia.
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Comentário: As questões relacionadas com a origem do mundo e do homem estão sempre, ou cada vez mais, em foco, não somente entre os cientistas, mas em todo homem, na
Até o século passado, tais interrogações eram solucionadas geralmente mediante o recurso a Deus, Criador Sábio e Providente do mundo e do homem (verdade é que a respeito se atribuíam à S. Escritura minuciosas notícias, que hoje se verifica não pertencerem à mensagem da Bíblia). A partir de Ch. Darwin (1809-1882), as antigas concepções foram sendo postas em xeque, dando lugar a teses não raro materialistas, que pretendiam lançar a ciência esclarecida contra a fé. Nos últimos anos, porém, parece que a própria ciência por si mesma aponta cada vez mais os vestígios da sabedoria de Deus no grande universo como também na micro-Matéria. Tenham-se em vista os depoimentos de fé proferidos por
Interessa-nos aqui registrar, como um dos mais recentes testemunhos a este propósito, o conteúdo do artigo «Le Hasard n'existe pas» (O acaso não existe) da autoria de Annie Humbert-Droz e Renaud de
"A perfeita espiral de uma concha de caramujo traz talvez a resposta a uma questão científica e filosófica de enorme alcance: a vida originou-se realmente do puro acaso, como se tem acreditado até os últimos tempos? Os físicos da Escola de Bruxelas, baseando-se na termodinâmica, demonstram, ao contrário, que a vida, embora seja um equilíbrio instável, obedece a leis. Doutro lado, o estudo da arquitetura das formas vivas e das inanimadas... indica que existem esquemas geométricos dominantes, desde o cristal até a flor e a célula viva. Radiantes, esféricos ou em hélice, esses esquemas também parecem confirmar que 'Deus não joga com dados', segundo a célebre fórmula de Einstein" (p. 26).
Percorreremos os dois tópicos do mencionado artigo em estilo sumário, interessando-nos mais pelas suas linhas gerais (que têm grande importância filosófica) do que por suas
minúcias destinadas a especialistas.
1. Termodinâmica e vida
Principalmente os físicos da Escola de Bruxelas nos últimos anos vêm-se interessando pelos fenômenos da vida à luz da termodinâmica. Ilya Prigogine, por exemplo, observa:
"O ser vivo não é o improvável ganhador de imensa loteria; a vida já não aparece como um milagre precário, uma luta contra um universo que a recusa. Com a generalização da termodinâmica, chegamos a compreender que em certas condições particulares a vida é a regra 2. O rígido dualismo do acaso e da necessidade está ultrapassado".
Esta observação contradiz, com válido fundamento, à tese de Jacques Monod no livro «O acaso e a necessidade» (Petrópolis 1970), segundo o qual «tudo o que existe no universo é o fruto do acaso e da necessidade» (Demócrito).
2. Pergunta-se: como procede a Escola de Bruxelas para demonstrar a sua tese?
- Em poucas palavras, lembremo-nos de que dois são os grandes princípios da termodinâmica:
1) O primeiro afirma que a energia total de um sistema observável (macroscópico) se conserva através das suas transformações físico-químicas. Por exemplo, a energia química consumida na combustão da gasolina transforma-se e, transformada, encontra-se integralmente no trabalho de propulsão do veículo e no calor emitido pelo radiador.
2) O segundo princípio define os limites das transformações, afirmando: pode-se transformar energia motriz em térmica (calor), mas não se consegue o contrário. Com outras palavras: o calor que resulta de uma transformação de energia química em energia motriz, propulsora, já não se transforma em outro tipo de energia; o processo é irreversível; o passado fica sendo passado uma vez por todas. Isto quer dizer que o universo tende a um estado em que já não haverá movimento, mas inércia, e igual temperatura em toda parte. A evolução do universo é unidirecional. A tendência ao equilíbrio da temperatura e à inércia é chamada entropia; esta vai-se acentuando no decorrer dos tempos, de modo que se pode prever chegue, em época remota, ao seu grau máximo.
A entropia equivale a desordem molecular; a lei de aumento irreversível da entropia é lei de desorganização progressiva. Todo sistema isolado do mundo exterior evolui
irremediavelmente para a desordem máxima, ou seja, para o estado de entropia máxima. Destas premissas se poderia concluir que a vida - cujas estruturas supõem, por excelência, ordem - não teria chance de se realizar se considerássemos apenas as leis da termodinâmica. Foi, de fato, a esta conclusão que a maioria dos biólogos chegou nos últimos anos.
Todavia a Escola de Bruxelas aplicou-se ao estudo mais exato desta proposição, conseguindo demonstrar o contrário, ou seja, a tese de que não existe incompatibilidade entre o aparecimento da vida (caracterizada pela ordem) e o segundo princípio da termodinâmica aplicado aos sistemas isolados (princípio que significa desordem). Essa Escola chegou, sim, à conclusão de que em sistemas não isolados - isto é, que permutem energia ou energia e matéria com o mundo exterior - o estado final de equilíbrio termodinâmico não é necessariamente o estado desordenado.
O melhor exemplo de evolução em demanda de um estado de equilíbrio ordenado (em um sistema não isolado) é o cristal; neste os átomos estão perfeitamente ordenados segundo diversos planos. Contudo, do ponto de vista da termodinâmica, os seres vivos não são comparáveis a cristais. Com efeito, o cristal apresenta estrutura de equilíbrio: uma vez formado, ele não exige a ação da energia no seu ambiente para se manter; ele está em equilíbrio com o mundo exterior. Ora tal não é o caso dos organismos vivos, pois as células, para permanecerem vivas, permutam constantemente energia e matéria com o seu ambiente. As estruturas biológicas, portanto, são estados específicos de não-equilíbrio; exigem dissipação constante de energia e matéria; donde o nome que Ilya Prigogine e em geral os cientistas hodiernos lhes dão: estruturas dissipativas. Em conseqüência, vê-se que a diferença existente entre um pássaro e a escultura desse pássaro consiste em que o pássaro precisa de permutar energia e matéria com o ambiente para guardar a sua forma, ao passo que a escultura não precisa disto. Por conseguinte, a fim de explicar a vida, a Escola de Bruxelas ampliou o quadro da termodinâmica (limitado ao estudo dos estados de equilíbrio), fazendo-o abranger também os estados de não-equilíbrio. Um estado de não-equilíbrio é provocado pelas pressões que o ambiente exerce sobre o sistema. Essas pressões que consistem em afluxo contínuo de energia ou de certas espécies químicas (alimentação) têm por efeito tornar impossível o estado de equilíbrio termodinâmico. Se o sistema estudado está longe do equilíbrio, o aparecimento de estruturas dissipativas ordenado torna-se então possível, e essas estruturas só se conservam se as pressões continuam.
A seguir, a exposição de Annie Humbert-Droz enuncia experiências realizadas nos setores da biologia e da bioquímica, apresenta hipóteses, dai decorrentes, sobre as etapas de origem da vida, e termina com a seguinte reflexão
"Em conclusão, os modelos termodinâmicos de estruturas dissipativas estabelecidos pelos estudiosos da Escola de Bruxelas (Prigogine, Glansdorff...) provocaram numerosas
pesquisas no universo destinadas a confrontar esses modelos teóricos com fatos experimentais; foi verificada a exatidão de tais modelos. Parece comprovado, no momento atual, que esses modelos correspondem perfeitamente à realidade dos fenômenos biológicos. E que o acaso já não é, em biologia, o deus cego que se admitia" (p. 39).
Na outra parte do artigo, Renaud de
É contrário a toda expectativa, por exemplo, que uma tangerina se divida sempre em gomos iguais entre si ou que uma estrela do mar tenha a forma de um pentágono regular, ou ainda que as escamas do pinho se vão alinhando sob a forma de espiral logarítmica. Com efeito, uma lei essencial da Física reza que toda organização de elementos materiais deve entrar quanto antes no equilíbrio absoluto da maior desordem possível. Ora, vista a idade da terra, a laranja e a tangerina deveriam apresentar-se hoje em dia como sacolas sem forma, e o fruto do pinho como um amontoado arbitrário de partículas irregulares.
Formas geométricas também se encontram copiosamente na matéria inerte, contra toda expectativa: as estrelas são esféricas, as galácias constituem elegantes espirais, e , a matéria em nosso planeta se cristaliza, segundo prismas muito harmoniosos.
Embora tais fenômenos contradigam às conclusões de quem estuda a termodinâmica, eles não nos impedem de verificar que o universo é coerente, pois se manifesta segundo estruturas geométricas regulares; estas se opõem ao conceito de acaso e denunciam um planejamento sábio e inteligente do universo.
Na matéria viva, e mais ainda do que na inerte, pode-se também observar essa harmonia geométrica. Assim, por exemplo, tenham-se em conta, entre outros dados, os seguintes:
1) Quase todos os moluscos que têm concha, têm-na em espiral, ou, mais exatamente,
Essa mesma arquitetura em espiral encontra-se em grande número de flores ou de botões de flores, na gavinha da videira, nos frutos do pinho, nos canais internos do ouvido. A aranha tece um fio espiralado ao redor dos fios de sua teia postos em estrela; o ADN apresenta-se sob a forma de hélice dupla, surpreendente para quem a observa ao microscópio. De resto, deve-se notar que espirais e hélices se encontram desde o ADN até as galácias e as nebulosas extra-galáticas do imenso cosmos.
2) Outra estrutura, constante no reino vegetal, mas menos corrente no animal, é a simetria da estrela; basta cortar certas frutas pela metade para verificá-la; a mesma imagem aparece também nos caules e principalmente nas flores (tenha-se em vista o clássico exemplo da margarida).
No reino mineral, embora a estrutura da estrela caracterize os cristais da neve, mais freqüente é a do prismo terminado por pirâmide em cada uma (ou, ao menos, em uma) de suas extremidades; sejam citados, como exemplos, o quartzo, o sal grosso... Quase todos os metais, ligas, rochas e outros minerais oferecem desenhos geométricos em sua estrutura íntima; mas a presença de impurezas e o modo como os elementos se tornaram sólidos, condicionam o aspecto final, de tal sorte que muitas vezes os cristais elementares ficam microcóspicos e o conjunto aparece como um aglomerado que não tem nítida forma geométrica, como não tem forma de tijolo um amontoado de tijolos.
A simetria reina entre os animais superiores, visto que estes constam de dois lados (o direito e o esquerdo) ou de duas metades justapostas. Essa simetria se explica logicamente pela gravidade, força que nos atrai para a terra em linha vertical. Todo ser vivo que se desenvolva para o alto (e é necessário que o faça, pois é para cima que há espaço livre), deve gozar de equilíbrio quando se acha em repouso (este equilíbrio é indispensável condição de existência); por conseguinte, desde que lhe cresça um braço de um lado, é necessário que lhe cresça outro braço do outro lado, simétrico em relação ao primeiro; se assim não fosse, o vivente carregaria peso excessivo de um lado e o conjunto cambalearia. Cada perna deve ter a sua congênere simétrica; por isto, o homem possui duas pernas, enquanto os outros mamíferos têm mais de duas; certos insetos têm seis patas, os aracnídeos têm oito patas, os caranguejos dez, e as centopéias cem... Por conseguinte, a duplicação dos órgãos e a simetria dos mesmos em relação a um plano vertical disposto no sentido da marcha do vivente são conseqüências da lei da atração universal exercida pela gravidade. Destituída de equilíbrio segundo a direção vertical, nenhuma criatura viva poderia subsistir.
Eis alguns poucos testemunhos, selecionados dentre os muitos que Reanud de
Na verdade, a palavra «acaso» não é senão um nome ao qual não corresponde sujeito algum... muito menos corresponde o responsável por determinado efeito. O «acaso» é, antes, um suporte fictício ou imaginário que a nossa ignorância concebe ou cria quando ela não conhece o(s) autêntico(s) sujeito (s) responsável (veis) por determinado fenômeno. Quanto mais o estudioso se aplica sem preconceitos à investigação científica, tanto mais se habilita a remover a hipótese do acaso!
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NOTAS:
[1] "O Globo", 10/10/74, p. 27. Tal afirmação não é senão eco de semelhante observação feita pelo Mestre Gramsxi, segundo a notícia do jornal citado.
[2] Este também é diretor do Centro termodinâmico da Universidade de Austin (Texas, U.S.A.).
[3] Fenômenos cuja nota característica é o calor ou a temperatura alta ou baixa.
[4] No sentido de "é o termo regular do processo de evolução" (N. do tradutor).
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