Em síntese: Está sendo apresentado no Brasil o filme "O Fogo e o Pêndulo", que aborda a Inquisição Espanhola e, em particular, a figura do famoso Inquisidor Tomás de Torquemada. - É preciso reconhecer que a Inquisição Espanhola, dirigida pelos reis de Espanha para unificar a população do país, foi muito violenta e dura a ponto de provocar interferências da Santa Sé que pediam abrandamento dos procedimentos inquisitoriais. Em particular, o Inquisidor Tomás de Torquemada se tornou famoso por suas táticas; o filme, porém, exagera os traços de rigorismo de Torquemada. Este foi filho de sua época e julgava ser dever de consciência guardar e preservar intacta a fé católica mediante todos os recursos tidos como legítimos em seu tempo.
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Está sendo apresentado no Brasil o filme "O Fogo e o Pêndulo", que considera a Inquisição Espanhola e, de modo particular, o Inquisidor-Mor Tomás de Torquemada. Segundo o filme, Torquemada torturava pessoalmente os acusados de heresia, com requintes bizarros. No filme as multidões ovacionavam suas torturas e execuções. Em certa parte do filme Torquemada recebe a visita de um cardeal, emissário papal, que traz uma ordem de S. Santidade determinando que pare com as torturas e vá imediatamente a Roma. Torquemada ataca o cardeal, ignora as ordens e encerra o próprio cardeal por trás de uma parede de tijolos, a fim de matá-lo.
Que dizer a respeito?
Para bem esclarecer a temática, faz-se indispensável dizer o que foi a Inquisição Espanhola.
Origem da Inquisição Espanhola
Os reis Fernando e Isabel, visando à plena unificação de seus domínios, tinham consciência de que existia uma instituição eclesiástica -a Inquisição - oriunda na Idade Média com o fim de reprimir um perigo religioso e civil dos séculos XI/XII (a heresia catara ou albigense); a este perigo pareciam assemelhar-se as atividades dos marranos (judeus) e mouriscos (árabes) na Espanha do século XV.
A Inquisição Medieval, que nunca fora muito ativa na península ibérica, achava-se aí mais ou menos adormecida na segunda metade do séc. XV... Aconteceu, porém, que durante a Semana Santa de 1478 foi descoberta em Sevilha uma conspiração de marranos, a qual muito exasperou o público. Então lembrou-se o rei Fernando de pedir ao Papa, reavivasse na Espanha a antiga Inquisição, e a reavivasse sobre novas bases, mais promissoras para o reino, confiando sua orientação ao monarca espanhol.
Sixto IV, assim solicitado, resolveu finalmente atender ao pedido de Fernando (ao qual, depois de hesitar algum tempo, se associara Isabel). Enviou, pois, aos reis da Espanha o Breve de 1° de novembro de 1478, pelo qual "conferia plenos poderes a Fernando e Isabel para nomearem dois ou três Inquisidores, arcebispos, bispos ou outros dignitários eclesiásticos, recomendáveis por sua prudência e suas virtudes, sacerdotes seculares ou regulares, de quarenta anos de idade ao menos, e de costumes irrepreensíveis, mestres ou bacharéis em Teologia, doutores ou licenciados
Note-se bem que, conforme este edito, a Inquisição só estenderia sua ação a cristãos balizados, não a judeus que jamais houvessem pertencido à Igreja; a instituição era, pois, concebida como órgão promotor de disciplina entre os filhos da Igreja, não como instrumento de intolerância em relação às crenças não-cristãs.
Procedimentos da Inquisição
Apoiados na licença pontifícia, os reis da Espanha aos 17 de setembro de 1480 nomearam Inquisidores, com sede em Sevilha, os dois dominicanos Miguel Morillo e Juan Martins, dando-lhes como assessores dois sacerdotes seculares. Os monarcas promulgaram também um compêndio de "Instruções", enviado a todos os tribunais da Espanha, constituindo como que um código da Inquisição, a qual assim se tornava uma espécie de órgão do Estado civil.
Os Inquisidores entraram logo em ação, procedendo geralmente com grande energia. Parecia que a Inquisição estava a serviço não da Religião propriamente, mas dos soberanos espanhóis, os quais procuravam atingir criminosos mesmo de categoria meramente política.
Em breve, porém, fizeram-se ouvir em Roma queixas diversas contra a severidade dos Inquisidores. Sixto IV então escreveu sucessivas car tas aos monarcas da Espanha, mostrando-lhes profundo descontentamento por quanto acontecia em seu reino e baixando instruções de moderação para os juízes tanto civis como eclesiásticos.
Merece especial destaque neste particular o Breve de 2 de agosto de 1482, que o Papa, depois de promulgar certas regras coibitivas do poder dos Inquisidores, concluía com as seguintes palavras:
"Visto que somente a caridade nos toma semelhantes a Deus..., rogamos e exortamos o Rei e a Rainha, pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, a fim de que imitem Aquele de quem é característico ter sempre compaixão e perdão. Queiram, portanto, mostrar-se indulgentes para com os seus súditos da cidade e da diocese de Sevilha que confessam o erro e imploram a misericórdia!"
Contudo, apesar das freqüentes admoestações pontifícias, a Inquisição Espanhola ia-se tornando mais e mais um órgão poderoso de influência e atividade do monarca nacional. Para comprovar isto, basta lembrar o seguinte: a Inquisição no território espanhol ficou sendo instituto permanente durante três séculos a fio. Nisto diferia bem da Inquisição Medieval, a qual foi sempre intermitente, tendo em vista determinados erros oriundos em tal e tal localidade. A manutenção permanente de um tribunal inquisitório impunha avultadas despesas, que somente o Estado podia tomar a seu cargo; foi o que se deu na Espanha: os reis atribuíam a si todas as rendas materiais da Inquisição (impostos, multas, bens confiscados) e pagavam as respectivas despesas; conseqüentemente alguns historiadores, referindo-se à Inquisição Espanhola, denominaram-na "Inquisição Régia"!
Emancipada de Roma
A fim de completar o quadro até aqui traçado, passemos a mais um pormenor característico do mesmo.
Os reis Fernando e Isabel visavam a corroborar a Inquisição, emancipando-a do controle mesmo de Roma... Conceberam então a idéia de dar à instituição um chefe único e plenipotenciário - o Inquisidor-Mor -, o qual julgaria na Espanha mesma os apelos dirigidos a Roma. Para este cargo propuseram à Santa Sé um religioso dominicano, Tomás de Torquemada ("a Turrecremata", em latim), o qual em outubro de 1483 foi realmente nomeado Inquisidor-Mor para todos os territórios de Fernando e Isabel. Procedendo à nomeação, escrevia o Papa Sixto IV a Torquemada:
"Os nossos caríssimos filhos em Cristo, o rei e a rainha de Castelo e Leão, nos suplicaram para que te designássemos como Inquisidor de mal da heresia nos seus reinos de Aragão e Valença, assim como no principado de Catalunha" (Bullar. Ord. Praedicatorum III 622).
Com efeito; a concessão benignamente feita aos monarcas seria pretexto para novos e novos avanços destes; os sucessores de Torquemada no cargo de Inquisidor-Mor já não foram nomeados pelo Papa, mas pelos soberanos espanhóis (de acordo com critérios nem sem-pre louváveis). Para Torquemada e sucessores, foi obtido da Santa Sé o direito de nomearem os Inquisidores regionais, subordinados ao Inquisidor-Mor.
Mais ainda: Fernando e Isabel criaram o chamado "Conselho Régio da Inquisição", comissão de consultores nomeados pelo poder civil e destinados como que a controlar os processos da Inquisição; gozavam de voto deliberativo em questões de Direito civil, e de voto consultivo em temas de Direito Canônico.
Uma das expressões mais típicas da autonomia arrogante do Santo Ofício espanhol é o famoso processo que os Inquisidores moveram contra o arcebispo primaz da Espanha, Bartolomeu Carranza, de Toledo. Sem descer aos pormenores do acontecimento, notaremos aqui apenas que durante dezoito anos contínuos a Inquisição Espanhola perseguiu o venerável prelado, opondo-se a legados papais, ao Concílio Ecumênico de Trento e ao próprio Papa, em meados do séc. XVI.
Frisando ainda um particular, lembraremos que o rei Carlos III (1759-1788) constituiu outra figura significativa do absolutismo régio no setor que vimos estudando. Colocou-se peremptoriamente entre a Santa Sé e a Inquisição, proibindo a esta que executasse alguma ordem de Roma sem licença prévia do Conselho de Castela, ainda que se tratasse apenas de proscrição de livros. O Inquisidor-Mor, tendo acolhido um processo sem permissão do rei, foi logo banido para localidade situada a doze horas de Madrid; só conseguiu voltar após apresentar desculpas ao rei, que as aceitou, declarando:
"O Inquisidor Geral pediu-me perdão, e eu lho concedo; aceito agora os agradecimentos do tribunal; protegê-lo-ei sempre, mas não se esqueça desta ameaça de minha cólera voltada contra qualquer tentativa de desobediência" (c f. Desdevises du Dezart, LEspagne de l'Ancien Regime.
A história atesta outrossim como a Santa Sé repetidamente decretou medidas que visavam a defender os acusados frente à dureza do poder régio e do povo. A Igreja em tais casos distanciava-se nitidamente da Inquisição Régia, embora esta continuasse a ser tida como tribunal eclesiástico.
Assim aos 2 de dezembro de 1530, Clemente VII conferiu aos Inquisidores a faculdade de absolver sacramentalmente os delitos de heresia e apostasia; destarte o sacerdote poderia tentar subtrair do processo público e da infâmia da Inquisição qualquer acusado que estivesse animado de sinceras disposições para o bem. Aos 15 de junho de 1531, o mesmo Papa Clemente VII mandava aos Inquisidores tomassem a defesa dos mouriscos que, acabrunhados de impostos pêlos respectivos senhores e patrões, poderiam conceber ódio contra o Cristianismo. Aos 2 de agosto de 1546, Paulo III declarava os mouriscos de Granada aptos para todos os cargos civis e todas as dignidades eclesiásticas. Aos 18 de janeiro de 1556, Paulo IV autorizava os sacerdotes a absolver em confissão sacramental os mouriscos.
Compreende-se que a Inquisição Espanhola, mais e mais desvirtuada pelos interesses às vezes mesquinhos dos soberanos temporais, não podia deixar de cair
Tomás de Torquemada
Tomás de Torquemada nasceu em Valladolid (ou, segundo outros, em Torquemada) no ano de 1420. Fez-se Religioso dominicano, exercendo por 22 anos o cargo de Prior do convento de Santa-Cruz
Extremamente austero para consigo mesmo, o frade dominicano usou de semelhante severidade nos seus procedimentos judiciários. Dividiu a Espanha em quatro setores inquisitoriais, que tinham como sedes respectivas as cidades de Sevilha, Córdova, Jaen e Vilia (Ciudad) Real. Em 1484 redigiu, para uso dos Inquisidores, uma "Instrução", opúsculo que propunha normas para os processos inquisitoriais, inspirando-se em trâmites já usuais na Idade Média; esse libelo foi completado por dois outros do mesmo autor, que vieram a lume respectivamente em 1490 e 1498.
O rigor de Torquemada foi levado ao conhecimento da Sé de Roma; o Papa Alexandre VI, como dizem algumas fontes históricas, pensou então em destituí-lo de suas funções; só não o terá feito por deferência à corte da Espanha. O fato é que o Pontífice houve por bem diminuir os poderes de Torquemada, colocando a seu lado quatro assessores munidos de iguais faculdades (Breve de 23 de junho de 1494)[1].
Quanto ao número de vítimas ocasionadas pelas sentenças de Torquemada, as cifras referidas pêlos cronistas são tão pouco coerentes entre si que nada se pode afirmar de preciso sobre o assunto.
Tomás de Torquemada ficou sendo, para muitos, a personificação da intolerância religiosa, homem de mãos sanguinolentas... Os historia-dores modernos, porém, reconhecem exagero nessa maneira de conceituá-lo; levando em conta o caráter pessoal de Torquemada, julgam que este Religioso foi movido por sincero amor à verdadeira fé, cuja integridade lhe parecia comprometida pêlos falsos cristãos; daí o zelo extraordinário com que procedeu. A reta intenção de Torquemada ter-se-á traduzido de maneira pouco feliz.
De resto, o seguinte episódio contribui para desvendar outro traço, menos conhecido, do frade dominicano: em dada ocasião, foi levada ao Conselho Régio da Inquisição a proposta de se impor aos muçulmanos ou a conversão ao Cristianismo ou o exílio. Torquemada opôs-se a essa medida, pois queria conservar o clássico princípio de que a conversão ao Cristianismo não pode ser extorquida pela violência; por conseguinte, a Inquisição deveria restringir sua ação aos cristãos apóstatas; estes, e somente estes, em virtude do seu Batismo, tinham um compromisso com a Igreja Católica. Como se vê, Torquemada, no fervor mesmo do seu zelo, não perdeu o bom senso neste ponto. Exerceu suas funções até a morte, aos 16/09/1498.
[1] Nas fontes por nós consultadas não consta tenha Torquemada desacatado uma ordem papal e tenha projetado matar um Cardeal. O cinema costuma colorir exageradamente alguns traços interessantes de seus personagens (A Redação de PR).
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