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terça-feira, 6 de julho de 2010

Vocação: que se entende por vocação?

(Revista Pergunte e Respondremos, PR 025/1960)


«Que se entende propriamente por vocação? E quais os critérios distintivos de uma vocação?»


«Vocação» é termo que ocorre tanto na linguagem do psicó­logo como na do teólogo. Por isto a nossa resposta explanará primeiramente a vocação em geral, para depois deter-se em aspectos da vocação religiosa ou sacerdotal em particular.


«Vocação» é termo que ocorre tanto na linguagem do psicó­logo como na do teólogo. Por isto a nossa resposta explanará primeiramente a vocação em geral, para depois deter-se em aspectos da vocação religiosa ou sacerdotal em particular.


1. Vocação em geral


1. Por «vocação» entende o psicólogo a inclinação inata da criatura humana para determinada profissão, carreira ou estado de vida: diz-se, com efeito, que alguém tem «vocação de educador, artista, advogado...».


Já este modo de falar cotidiano exprime uma verdade profunda. Assim como todo chamamento supõe uma perso­nalidade que emita esse chamado, assim a vocação do homem para determinado estado de vida supõe uma personalidade que a profira; ora tal personalidade só pode ser o Autor do homem, Deus. A vocação, portanto, vem a ser o eco de Deus a ressoar dentro da alma humana. Está claro que o Senhor, tendo criado todos os homens, assinalou a cada um, desde toda a eternidade, uma tarefa própria a desempenhar no con­junto do universo. E quis que a essa tarefa correspondesse uma inclinação espontânea no homem, para que, assim como o Senhor tudo fez por amor, assim também o homem realize com amor o que ele deve realizar.


A estas considerações acrescenta agora o teólogo: o ser humano não tem apenas um destino natural. Foi elevado à ordem sobrenatural, isto é, chamado pelo Criador para par­ticipar (além de qualquer exigência de sua natureza) da filia­ção divina, o que implica «ver a Deus face a face na eterni­dade». É, portanto, neste plano sobrenatural que o conceito de vocação toma seu sentido pleno. A vocação por excelência vem a ser o chamado misterioso pelo qual Deus se digna atrair o homem à intimidade consigo como a seu Último Fim.


Este chamado geral toma seus aspectos ou modalidades concretas aqui na terra: há a vocação sacerdotal, a vocação religiosa, a vocação conjugal (o matrimônio é, sim, uma ta­refa santa e sobrenatural), modalidades que todas, em última análise, convergem para a união consumada da criatura com o Criador ou, em outros termos, para a santidade. A cada uma dessas vocações o Senhor anexou os auxílios necessários ao bom desempenho da mesma e à santificação do indivíduo. É somente na sua vocação própria que a pessoa humana en­contra as graças divinas de que precisa para chegar à con­sumação: fora da sua vocação, o homem perde tempo e es­forços; vão, pois, seria tentar tarefa que o Senhor não tivesse assinalado, por mais sedutora que fosse tal incumbência.


Destas breves noções depreende-se quão importante é, para cada pessoa, desde os anos de sua juventude tomar conhecimento exato da própria vocação e seguir a esta com fidelidade, sem perder passos fora da via: «A coisa mais importante de toda a vida é a escolha da respectiva ocupação», dizia o filósofo francês Pascal (Pensées, ed Havet III 4); idéia esta que a sabedoria grega, a seu modo próprio, assim formulava: «O começo é mais importante do que metade da caminhada».


2. A este propósito convém notar que o Senhor Deus pode chamar uma criatura humana a percorrer sucessivamente caminhos diversos, até mesmo contrários. Em tais casos, é preciso frisar que Deus não muda seu desígnio a respeito de tal homem; a variedade está incluída desde toda a eternidade no único propósito divino; embora não entendamos porque a Vontade de Deus se manifeste tão variegada no currículo de vida da mesma criatura, não duvidamos de que a linha sinuosa da caminhada é certeira, tendendo ao único objetivo de toda e qualquer vocação, isto é, à união da criatura com o Criador. Suposta uma vocação dessas, a Providência reserva graças especiais para cada uma das etapas da sua criatura, a fim de que esta realize a unidade na multiplicidade, isto é, venha a ser santa, sim, por vias variegadas.


À guisa de exemplos, vão aqui propostos alguns casos (inspirados pela experiência real) de vocação multiforme e una:


Admita-se um jovem seminarista cuja vocação não causa a mínima dúvida aos Superiores; feito diácono, prepara-se para a ordenação sacerdotal. Acontece, porém, que oito dias antes desta cai de tal modo doente que nunca poderá receber o sacerdócio, e os Superiores terão que dar ao seu caso solução de todo imprevista (será reduzido ao estado laical ou esperará por toda a vida o dia da restauração de sua saúde); não obstante, deverá tender sempre à santidade e poderá contar com o auxílio de Deus para isto. Outro exemplo seja o do esposo cristão que, ao voltar da guerra, encontra seu lar irremediavelmente dissolvido, porque a esposa infiel o abandonou; embora casado, tal varão terá que viver conti­nente, enquanto a esposa permanecer em vida... Deus o terá chamado a realizar simultaneamente algo da vida conjugal e algo da vida celibatária. destinando-o, porém, a um só objetivo, isto é, a ser santo.


Dentro deste quadro de idéias, merecem especial atenção casos como o seguinte: uma jovem donzela, aos 18 anos de idade, rejeita categoricamente a hipótese de se consagrar a Deus pelos votos religiosos de pobreza, obediência e castidade; casa-se, e tem filhos felizes, mas, embora se dê muito bem com todos os seus, sente-se continuamente perturbada; parece-lhe que o seu quadro de Vida está radicalmente viciado por não estar ela seguindo a vocação religiosa.


- Será que tal senhora não tem realmente razão para recear estar caminhando fora da via? - Não; mesmo na hipótese de que o Senhor Deus lhe assinalasse a entrada na vida religiosa regular quando ela tinha 18 anos de idade e de que ela tenha pecado rejei­tando tal convite, mesmo em tal hipótese, no momento atual a Vontade de Deus estaria certamente mandando que ela vivesse como esposa e mãe, cumprindo sua tarefa não em tristeza, escrúpulos e remorsos, mas na alegria de servir a Deus com amor e confiança. Ainda que essa pessoa tivesse pecado seriamente aos 18 anos, tal pecado, uma vez devidamente acusado e perdoado pelo sacramento da Penitência, não deveria mais absorver a sua atenção, pois isto seria, da parte dela, derrogar à virtude da esperança. O Senhor, permitindo que ela entrasse no estado conjugal pela via acima enunciada, certamente lhe assinalou as graças necessárias para se santificar na vida matrimonial. Essa vida matrimonial, portanto, ela a pode seguir com paz de ânimo e alegria, desde que esteja arrependida de seus pecados.


3. E quais seriam os critérios pelos quais alguém há de reconhecer a sua genuína vocação?


Sem focalizar especialmente o estado religioso ou sacerdotal, deve-se dizer que cada qual pode começar a perceber a sua vocação auscultando as aptidões de sua natureza. Sim, conforme dissemos, a vocação pode ser comparada ao atra­tivo e deleite que o artista experimenta no exercício da sua arte; assim como Deus, o Supremo Artífice, tudo realizou e realiza com amor, assim também quis Ele que o homem de­sempenhe com amor espontâneo a sua missão neste mundo. Donde se vê quão pouco acertada seria a tese, professada por um ou outro autor, segundo a qual é preciso em tudo contra­riar a natureza, mormente no tocante à escolha da vocação. Não; Deus, chamando o homem para a tarefa predominante de sua vida, certamente não entende sufocar as aspirações próprias que Ele mesmo, ao criar, infundiu em cada perso­nalidade humana.


Donde se vê que a vocação do médico está, em boa parte, baseada na capacidade de «compadecer-se» (sem moleza, mas com energia) do próximo; a vocação do advogado pressupõe apurado senso de imparcialidade e justiça, em oposição a todo sentimentalismo exagerado; a vocação do engenheiro depende do acume matemático do indivíduo, etc. — Quanto à vocação religiosa e à sacerdotal. delas falaremos explicitamente mais abaixo.


Está claro que qualquer vocação profana está, em última análise, subordinada à vocação religiosa, isto é, ao chamado à santificação que Deus dirige a todas as criaturas. É para ser santo, segundo as suas notas pessoais, que tal homem é chamado à missão de escritor, tal outro a exercer a medicina, um terceiro à tarefa de educador, etc. Repitamo-lo: há uma vocação comum, para a qual as demais convergem — a voca­ção à santidade.


2. Vocação sacerdotal e vocação religiosa


O assunto se torna mais delicado e as responsabilidades maiores, quando se trata das duas vocações que visam servir a Deus num estado especialmente consagrado ao Senhor: a vocação sacerdotal e a vocação religiosa.


Por «vocação sacerdotal» entende-se o chamado ao ministério do culto e da cura de almas, no Corpo Místico de Cristo; é ofi­cialmente conferido pelo sacramento da Ordem, destinado aos varões apenas (cf. «P. R.» 1/1957, qu. 4). «Vocação religiosa» vem a ser o apelo a uma vida norteada pelos conselhos evangélicos (pobreza, obediência e castidade) sob uma Regra aprovada pela Igreja. Como se entende, as duas vocações são separáveis uma da outra.


Uma das questões que primeiramente afloram ao espírito do estudioso deste assunto, é a seguinte: como discernir a vocação sacer­dotal e a vocação religiosa?


Por serem as mais importantes e específicas de todas, as duas vocações vêm marcadas por sinais assaz característicos, dos quais procuraremos recensear os principais.


1. Critérios naturais. Compreende-se que o fundamento normal de uma vocação sacerdotal ou religiosa seja uma na­tureza humana sadia, um equilíbrio físico e psíquico tal que possa satisfazer às imperiosas exigências do estado de con­sagração a Deus. Quem não possui os pré-requisitos de saúde para tanto, pode crer (à exceção de casos extraordinários) que também não possui a vocação sacerdotal ou religiosa.


Neste conjunto de idéias, merecem especial menção as análises e os testes psicológicos. Não há dúvida, são de valor para se discernir uma vocação sobrenatural, pois a graça supõe a natureza, como a germinação de uma semente supõe a receptividade do terreno. É mister, porém, advertir que as testes psicológicos por si não fornecem a última palavra no discernimento de uma vocação sacerdotal ou religiosa. Em outros termos: não é ao psicólogo, nem ao médico. que compete proferir a sentença definitiva sobre uma presumida vocação dessas; tal sentença toca a quem se serve dos critérios sobrenaturais, estritamente religiosos, isto é, geralmente ao sacerdote diretor de consciências ou ao bispo (no caso das ordenações sacerdotais) e ao Mestre ou à Mestra de noviços e noviças (ao se tratar de uma vocação religiosa).


Muito a propósito observava o Santo Padre Pio XI :


«Eis algo de mais grave ainda: a pretensão falsa, desrespeitosa tanto quanto vã, de querer submeter a pesquisas, experiências e julgamentos de ordem natural e profana fatos de índole sobrenatural referentes à educação, como, por exemplo, a vocação sacerdotal ou religiosa e em geral todas as atividades misteriosas da graça.


Esses fatos, embora elevem as forças da natureza, elevam-nas infinitamente e não podem de modo algum ser submetidas às leis físicas, pois o Espírito sopra onde quer (enc. «Divini illius Magistri»). Por conseguinte, depois de se considerar a psicologia do candidato, será forçoso levar em conta critérios sobrenaturais, dos quais uns são positivos, os outros negativos.


2. Critérios sobrenaturais positivos. Seguindo S. Inácio de Loiola, os autores costumam discriminar três modalidades pelas quais Deus pode comunicar a uma alma o chamado ao sacerdócio ou à vida religiosa:


a) iluminação repentina do espírito, a qual, por sua evi­dência, se impõe, provocando imediatamente a aquiescência do discípulo. Foi o que se deu com S. Paulo prostrado pelo Senhor na estrada de Damasco,... com S. Agostinho, inter­pelado por uma voz misteriosa no jardim de Cassicíaco, e com outros justos. Os cristãos, porém, sabem que os sinais extraor­dinários são raros nos desígnios da Providência; ninguém, por conseguinte, pretenderá obter tais indícios da vontade de Deus para discernir sua vocação, pois o Senhor não está obri­gado a concedê-los, nem os costuma outorgar;


b) atrativos vivos e contínuos. Consistem em estima especial das coisas de Deus, estima que fomenta o cultivo da vida interior, o prazer de rezar, o amor ao culto sagrado, ao canto religioso, à ornamentação da casa de Deus, o repúdio ao pecado. Estas notas devem ser particularmente acentuadas nas almas que têm vocação sacerdotal ou religiosa;


c) discernimento da razão. É o que S. Inácio de Loiola assim explica:


«O terceiro tempo (conjunto de sinais) é tranqüilo. O homem, considerando primeiramente por que foi criado (louvar a Deus Nosso Senhor e salvar a sua alma), é movido pelo desejo de obter este fim; escolhe então, qual meio apto, um estado ou gênero de vida entre os que a Igreja autoriza, para melhor labutar no serviço do seu Salvador e na salvação de sua alma. Chamo tempo tranqüilo aquele em que a alma não é agitada por espíritos diversos e faz uso de suas faculdades naturais, livre e tranqüilamente».


Ensinam os mestres de espiritualidade que Deus pode chamar alguém a se Lhe consagrar, pelo fato de lhe dar uma compreensão luminosa do que é a vida consagrada (sacerdotal ou religiosa), sem lhe conceder, ao mesmo tempo, particular atrativo sensível para isso (atrativo que não coincide com os que mencionávamos sob a letra b acima); a fé, iluminando a razão, faz que esta reconheça a grandeza do estado sacerdotal ou religioso; em conseqüência, a vontade passa a estimar esse estado e a querer abraçá-lo, sem que nisto a pessoa experimente algum deleite sensível; o atrativo natural em tais almas é suprido pela fé pura e pelo desejo de devotamento e modalidade de vocação é geralmente maior que o das outras. Essa pura visão sobrenatural acompanhada de uma vontade firme e perse­verante de dar tudo ao Senhor, independentemente da compensação sensível que tal doação possa acarretar para o sujeito respectivo, é ótimo indício de vocação. A experiência, porém, ensina que Deus, cuja sabedoria tudo dispõe com força e suavidade, não costuma subtrair o deleite sensível àqueles que Ele escolhe.


Uma vez apurados os diversos indícios de vocação, o juízo decisivo cabe geralmente, em cada caso, ao Diretor espiritual.


3. Critérios sobrenaturais negativos. Aparentes critérios positivos de vocação podem ser sobrepujados por evidentes critérios negativos. Estes se prendem geralmente a falhas mo­rais e temperamentais dos candidatos.


A vida sacerdotal e a vida religiosa têm índole, em certo grau, comunitária; requerem sujeição e maleabilidade. Por isto qualquer vocação de tal tipo supõe no candidato largueza de espírito, capacidade de suportar e de se adaptar, qualidades sem as quais se torna irrealizável a vocação.


Especificando, os autores recomendam que se leve em conta particular


a) um temperamento insaciável: há pessoas que, por suas ati­tudes espontâneas, envenenam o ambiente em que se encontram; irritadiças, tendem a interpretar para o mal tudo que o que se lhes diz e faz, de modo que não conseguem viver sem se desentender com os outros; atribuem ao próximo as suas intenções maliciosas e o


criticam levianamente;


b) um temperamento anárquico ou indócil: trata-se de pessoas que sistematicamente tendem a emitir opinião contrária à dos Supe­riores, chegando a criar partidos e dissidências; dir-se-ia que nasceram para mandar, não para obedecer e fazer como os outros;


c) um temperamento inconstante e impulsivo: são pessoas que não sabem manter seus pareceres, seus planos e resoluções, ficando à mercê do entusiasmo ou do desânimo;


d) um temperamento mundano ou pouco amigo da piedade, sempre inclinado a se deleitar em diversões fúteis e pouco morais.


Desde que tais traços, após adequado período de experiência, se mostrem incorrigíveis ou predominantes, não resta dúvida de que Deus não chamou à vida religiosa ou sacerdotal os candidatos assim marcados, pois evidentemente carecem do substrato imprescindível para poderem perseverar.


Aqui não mencionamos explicitamente as chamadas «irregula­ridades canônicas». Estas vêm a ser defeitos estipulados pelo Direito Eclesiástico em vista do acesso à vida religiosa ou sacerdotal: seriam, entre outros, a falta de idade mínima, o nascimento ilegítimo, obrigações contraídas para com Deus ou alguma entidade (votos, casamento, dividas, cura de almas, arrimo paterno ou materno, etc.); cf. Código de Direito Canônico cân. 542 (para as vocações religiosas); cân. 983-991 (para as vocações sacerdotais). As irregularidades, sendo geralmente dispensáveis pela autoridade eclesiástica competente, não constituem na maioria dos casos indício negativo dirimente para se discernir uma vocação.


4. Questões complementares


Ainda merecem atenção alguns aspectos particulares do tema até aqui explanado.


1. Quem contraria ao chamado de Deus abraçando definitiva­mente um gênero de vida incompatível com tal vocação, não deses­pere da sua salvação eterna, por mais pusilânime ou imprudente que haja sido. Os autores de espiritualidade recomendam que tal pessoa se arrependa sinceramente e procure cumprir fielmente as obrigações do estado de coisas que escolheu definitivamente; viva na graça de Deus, esforçando-se por dar no seu ambiente o testemunho de bom católico. Para realizar esta tarefa e assim salvar a sua alma, não há dúvida de que lhe assistirá o auxílio de Deus; a ninguém será lícito desesperar da salvação eterna, desde que apresente ao Senhor um coração contrito e humilde.


2. A vocação, uma vez comunicada pelo Senhor Deus, pode ser perdida ou tornada nula antes de ser executada. Principalmente ao se tratar de uma vocação sacerdotal ou re­ligiosa, é de crer que o demônio se empenha com todos os requintes de sua astúcia para frustrar o chamamento de Deus; requer-se, por conseguinte, uma conduta geral de vida muito digna e fiel da parte da criatura chamada, a fim de que possa conservar e desenvolver o tesouro da vocação.


Deus nos ensinou a d'Ele não exigir milagres (caso Ele os queira realizar, efetua-os gratuita e imprevistamente); cf. Mt 4,7. Ora exigiria milagre a criatura que expusesse o gérmen de sua vida sobrenatural aos perigos deste mundo (espetáculos licenciosos, leituras mórbidas, companhias de má fama... ) e, apesar disso, pretendesse que Deus nela conservasse o atrativo pelo estado religioso ou sacer­dotal. Tal criatura faria o que a Escritura condena sob o título de «tentar a Deus» (= pedir sem motivo justificado derrogação ao curso normal das coisas).


Com isto não queremos dizer seja ilícito experimentar as vocações, submetendo-as a testes de índole sobrenatural: reconher-se-á tanto aos candidatos como a seus pais e superiores o direito de o fazer. Contudo terão todo o cuidado para não empreender, sob este pre­texto, alguma obra pecaminosa e para não recorrer a provas tais que, conforme as previsões da prudência, sejam aptas a destruir na alma a chama da fé e do amor a Deus.


«Se (os pais) receiam que a vocação (da criança) não passe de impressão fugitiva, submetam-na à prova. Mas, saibam-no bem: submeter à prova não significa sufocar; seria realmente um crime tomar uma criança sob pretexto de melhor conhecer a sua força de vontade, e enviá-la friamente para lugar em que estivesse fatal­mente exposta à perda da inocência e da fé!» (Mons. Lobbedey, bispo de Arras, França : Carta Quaresmal de 1913).


3. Há quem repita quase à guisa de adágio: «A vocação (religiosa ou sacerdotal) tem que nascer espontaneamente nas almas». Capciosa afirmação!


Verdade é que a vocação vem de Deus. Não menos ver­dade, porém, é que o Senhor a quer conceder envolvendo ge­ralmente a colaboração e, em particular, a prece dos homens.


Por conseguinte, as vocações para as grandes tarefas desta vida, principalmente para o estado religioso e o sacerdócio, têm que ser obtidas mediante oração: «Rogai ao Senhor da messe, envie operários para a sua messe» (Mt 11,38). São João Bosco podia em sua época (1815-88) afirmar: «Tenho a experiência dos jovens; uma terça parte deles traz em si o gérmen da vocação».


Se as vocações ao serviço do Senhor escasseiam hoje em dia, não se creia — adverte Pio XI — «que haja menos adolescentes chamados por Deus à vida sacerdotal ou religiosa, mas (creia-se), sim, que muito menos numerosos do que outrora são os que hoje obedecem à moção do sopro divino». A oração, por conseguinte, tenderá a impetrar para esses jovens as graças da correspondência e da felicidade ao chamado divino.


Além da prece, recomenda-se aos educadores católicos o recurso aos meios normalmente aptos para despertar o amor à vida consa­grada a Deus: suscitem nos discípulos, mediante o seu exemplo, as suas palavras e os seus escritos, o zelo pela salvação das almas no mundo inteiro. Principalmente ao sacerdote competirá dar o exemplo de vida sacerdotal perfeita, pois nada é tão apto para despertar nos jovens o desejo de serem padres quanto o conhecimento de um bom sacerdote. Muito se aconselha também a difusão da leitura de biografias de modelares pastores de almas; o exemplo comunica, ao mesmo tempo, idéias para a inteligência e força para a vontade. — Está claro que o uso de tais meios de formação se fará, tomando-se o cuidado de remover qualquer modalidade de violência à índole dos pupilos.

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