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domingo, 10 de junho de 2007

Controle da natalidade: excesso de população no mundo?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 080/1964)

É comum dizer-se que dois terços dos homens na terra passam fome e que, por conseguinte, não se pode mais tolerar o aumento da população do globo.

Onde vamos parar? Caminhamos para o suicídio coletivo?

Não há dúvida, encontra-se tanto em folhetos de divulgação como em obras de alto nível a afirmação de que dois homens dentre três não têm o suficiente para comer e, por conseguinte, vivem em jejum permanente. A notícia, em muitas pessoas, pro­voca pessimismo: prevêem um futuro ainda mais calamitoso, marcado por catástrofes mundiais; em outras pessoas, suscita revolta e ódio contra os povos ou contra o próximo. Por sua parte, os governos de alguns países lançam campanhas para limitar a natalidade; legalizando o aborto e o anticoncepcionis­mo; os cientistas lhes prestam colaboração eficiente, procurando descobrir pílulas que esterilizem a mulher com o mínimo de con­seqüências nocivas, etc. - Enfim a notícia é das mais infelizes que se possam conceber no panorama da vida moderna.

Sendo assim, torna-se interessante averiguar qual o funda­mento exato de uma afirmação de tão amplas conseqüências.

1. Equívoco de base

Quem investiga a origem da propalada afirmativa, verifica que se deve a uma estatística do Dr. Josué de Castro e de Lord Boyd-Orr (ex-Diretor Geral da F. A. O . , «Food and Agriculture Organization»), publicada em 1950. Na base desse documento, difundiu-se a tese de que dois homens sobre três passam fome sobre a terra. Já que a afirmação despertava sensação, não en­controu dificuldade em se propagar e arraigar na opinião dos povos: em toda parte, tanto nas camadas eruditas como nas populares, foi ela altamente repetida.

Em 1954, porém, outro sociólogo, K. Bennet, demonstrou em sua obra «The world's food» que tal estatística estava viciada por um erro de cálculo; não correspondia, portanto, à realidade. - A demonstrarão fornecida por Bennet era exata; contudo não logrou prevalecer sobre a notícia alarmante anterior.

Mais tarde, em maio de 1961, o Dr. Sukhatme, Diretor dos Serviços de Estatística da F. A. O., fez uma comunicação à So­ciedade Real de Estatísticas de Londres, em que corroborava a posição de Bennet; acrescentou que, embora seja muito difícil indicar números rigorosamente precisos no caso, «a proporção da população mundial cujas necessidades alimentares não são suficientemente preenchidas,... é da grandeza de 10 a 15% apenas».

Esta avaliação ainda foi confirmada pelo Dr. B. R. Sen, atual Diretor Geral da F. A. O.

Não obstante, até hoje continua a ser propalado que dois homens sobre três passam fome.

Os psicólogos aproveitam o ensejo para chamar a atenção para a enorme influência que podem ter sobre a opinião das massas certos «slogans» ou dizeres estereotípicos, principalmente quan­do são sensacionais.

De 60% para 15% a diferença é grande. Desanuvia um tanto o horizonte. Contudo a ninguém será lícito cruzar os braços diante do problema que ainda fica: enquanto houver homens a passar fome sobre a terra, será preciso ir-lhes ao encontro.

Dizia muito bem o filósofo russo Berdiaeff ( 1948): «Quando alguém pensa em alimentar a si mesmo, faz obra material; quando, porém, pensa em alimentar os outros, faz obra espiritual». Diríamos mesmo: ... faz obra genuinamente cristã.

De resto, não se pode esquecer que, dentre aqueles que con­seguem saciar-se com razoável quantidade de alimento, muitos e muitos há que não se nutrem com as qualidades de alimentos ne­cessárias para o desenvolvimento normal de suas atividades; ficam, apesar de tudo, subnutridos, não recebendo as 2.500 calo­rias diárias de que precisariam.

De fato, numerosos povos ainda estão reduzidos a um regime de alimentação uniforme e insípida: pão, arroz, milho ou mandioca; em­bora não sofram fome, não estão devidamente alimentados.

Dentre aqueles que realmente não tem o que comer, contam-se certas populações da África, da Índia, da China (neste país, principal­mente quando os grandes rios transbordam). Incluem-se também algu­mas regiões da América Latina, embora se deva notar que a Bolívia, o Peru e o Equador atualmente possuem apenas a metade da popula­ção que possuíam na época dos Incas, época em que os habitantes tinham o suficiente para comer (donde já se pode concluir, como mais explicitamente diremos adiante, que o problema da fome mundial não é um problema de excesso demográfico, mas, sim, uma questão de utili­zação dos recursos que a natureza está pronta a fornecer).

Mais ainda. Os estudiosos não hesitam em afirmar com o Prof. Michel Céspede, do Instituto de Agronomia de Paris: «A terra não está superpovoada. Ela pode alimentar, e alimentar bem, uma população dez vezes mais numerosa» (Correio da Unesco, agosto 1962). De fato, desde que se apliquem à agricul­tura os recursos da técnica moderna (sistemas de adubo, irriga­ção da terra, defesa contra insetos, etc.), a mesma área de terra rende muito mais; com menos espaço obtêm-se os mesmos ou melhores resultados que antes. A produção de víveres aumenta anualmente de 4%, ao passo que a população mundial só se acresce na média de 1,6% ao ano.

Os camponeses europeus começam a se alarmar, porque produzem demais; os frutos que a terra lhes dá, não tem escoamento. Na França, em 1962, o Governo foi obrigado a despender 70 milhões de NF para resgatar o excesso do mercado de beterraba e açúcar, e 390 milhões para comprar o excesso de cereais. Nos Estados Unidos, o Presidente Kennedy teve que reduzir as áreas de cultivo, pois os excessos de pro­dução se acumulavam: 12% da produção agrícola não encontravam saída.

Na Holanda, as colheitas ultrapassam notoriamente as quantidades necessárias ao consumo nacional, embora este seja muito exigente (a população holandesa é a mais densa do mundo: 350 habitantes por km²).

O Japão, se bem que possua exígua porção de terras disponíveis para a agricultura, em breve produzirá mais frutos do que os neces­sários para a população nacional, a qual é densa e tende a se tornar cada vez mais densa.

Semelhantes fenômenos se verificam ou verificarão mais ou menos no mundo inteiro.

Também o espaço sobre a terra não faltará no decorrer dos próximos 200 anos, ainda que a população mundial se vá aumen­tando no ritmo acelerado que os cálculos apontam.

O número de habitantes do globo se acresce na média de 90 mil por dia, ou seja 1,6% ao ano. Na Índia, chega a 2% ao ano; nos Estados Unidos, a 1,8%.

Se, por desgraça, um conflito atômico viesse a matar 200.000.000 de homens, esta lacuna estaria preenchida no prazo de cinco anos. A medi­cina moderna favorece o crescimento da população. A descoberta da vacina contra a varíola por parte de Jenner em 1798 (ano em que Malthus predizia iminentes catástrofes mundiais) foi uma das primeiras etapas no programa de debelar as doenças e prolongar a vida dos ho­mens. Se no ano de 1965 há três bilhões de habitantes sobre a terra, prevêem-se seis bilhões para o ano 2000.

Ora os progressos da técnica, permitindo que se diminuam as áreas dedicadas à agricultura, proporcionarão mais espaço para a habitação dos homens assim como para as fábricas e usi­nas (estas, por sua vez, irão beneficiando progressivamente a agricultura).

Imagine-se uma população mundial de 100 bilhões de homens. E leve-se em conta apenas a porção de terras habitáveis (1/3 da superfície do globo é inóspito: pólos, altas montanhas...). - Pois bem; dizem os estudiosos que, mesmo em tal caso, os homens estariam à vontade sobre o globo. Para o afirmar, baseiam-se na observação seguinte, colhida dentre outras: aos habitantes do atual departamento francês do Sena toca a área de 5.000 km². Destes, apenas 500 km² são consa­grados ao alojamento, ao trabalho, ao transporte e aos jardins. Ficam 4.500 km² a repartir entre agricultura, floresta, zonas de caça etc.

Ao ponderar estes dados, os técnicos ensinam que a sobre­vivência próspera e feliz do mundo está longe de decorrer do néo-malthusianismo ou dos apregoados planos de limitação da natalidade, mas, antes, se prende a outro fator, que examinare­mos no parágrafo n° 2 deste artigo.

A fim de ilustrar como o néo-malthusianismo é falsa solução, cita­-se o caso do Japão: neste país, é de esperar uma crise econômica den­tro de 8 ou 10 anos, devida ao controle da natalidade e à oficialização do aborto. De fato, o número de abortos tem aumentado desde que foram legalizados e favorecidos pelo Governo. Em conseqüência, também se tem acrescido de dia para dia a multidão de mulheres que se tornam psicopáticas por terem abortado uma ou mais vezes. As escolas se vão esvaziando. As grandes firmas vão oferecer emprego ou trabalho nas escolas de todos os tipos, pois a mão de obra começa a faltar.

Na Holanda onde também falta a mão de obra, os empreiteiros vão angariar operários na Itália, na Polônia... Julgam que a prosperidade do país só estará garantida, se antes do fim do século lá houver 20 mi­lhões de habitantes. E note-se bem que a Holanda é o pais de mais densa população do mundo (350 habitantes por km², enquanto o Japão tem apenas 250 por km²).

Apesar de tudo, dizem que a Holanda e o Japão são países «sub­povoados», e não «superpovoados»!...

2. O problema real e sua solução

A consideração das condições reais do mundo contemporâ­neo leva os estudiosos a asseverar que «os homens hoje em dia sofrem fome não por serem numerosos demais, mas por não serem suficientemente numerosos».

E preconizam como solução:

a) haja mais homens sobre a terra, e mais homens dota­dos de duas qualidades:

b) sejam honestos, desprendidos de interesses mesqui­nhos, verdadeiramente ciosos do bem, do bem comum (o que não quer dizer:... negligentes do bem particular);

c) sejam habilitados para o trabalho, mediante formação técnica adequada ou mediante
elevação do respectivo nível pro­fissional e cultural.

Vejamos de per si cada qual destes três itens.

a) Haja mais homens sobre a terra!

Existindo mais homens (supondo-se naturalmente que te­nham as duas indispensáveis qualidades acima apontadas), ha­verá mais possibilidades de explorar as enormes riquezas do globo ainda latentes; a humanidade, em vez de ser dominada ou escravizada pelo solo, dominará e subjugará a terra (cf. Gen. 1, 28).

O Dr. B. R. Sen atual Diretor Geral da F.A.O., verificou que, «justamente na época em que se tornou dez vezes mais numerosa, a população européia veio a se libertar da fome».

Por conseguinte, em vez de perguntar como viverão os ho­mens multiplicados sobre a face da terra (supondo-se erroneamente que não haja recursos naturais para os alimentar), inda­guemos precisamente o contrário: como serão explorados os re­cursos naturais deste globo se as populações humanas não se aumentarem? Diz-se que é empolgante o catálogo das realiza­ções atuais e dos projetos de futuro que estão contribuindo para mudar de maneira rápida a face da terra. Vinte ou trinta nações tem no potencial de suas riquezas naturais os meios necessários para alimentar continentes inteiros; mas, sem homens que

sai­bam explorar isso conscientemente, de nada servirá todo esse cabedal da natureza. A terra está, portanto, «perigosamente subpovoada», isto é, ameaçada de calamidades não por motivo de excesso de população, mas, ao contrário, por falta de popula­ção (como se compreende,... de população consciente das suas responsabilidades).

Dizia muito bem Mao-Tse-Tung: «Uma boca que alimentamos equi­vale a dois braços que trabalham, e dois braços que trabalham são qua­tro bocas que alimentamos».

O economista Dr. Alfred Clarck, Diretor do Instituto de Economia de Oxford e um dos Diretores do de Nova Iorque, por sua vez, asse­verava: «A explosão da população pode obrigar uma nação a sair da sua situação agrícola estagnada para atingir riqueza e cultura maiores.»

E continuava:

«Admitamos que a humanidade se limite a um regime alimentar de cereais apenas. Poderá tranquilamente atingir a cifra de 50 milhões de habitantes. Mas nem esta cifra é limite. Não levamos em conta os melhoramentos futuros das técnicas agrícolas nem o aproveitamento metódico do peixe e das plantas marítimas. Numa palavra: aqueles que quiserem enfrentar corajosa e inteligentemente o problema do au­mento da população, serão recompensados além de toda a expectativa».

Eis alguns exemplos que bem comprovam tais afirmações:

Na Índia, a população, em dez anos, passou de 400 milhões a 480 milhões. Esta multidão não somente sobreviveu, mas adquiriu novas esperanças de se afirmar para o futuro, pois o nível médio de vida do hindu subiu simultaneamente de 32 para 36 anos. Dai deduzem os técni­cos que os recursos alimentares da Índia se aumentaram, e aumentaram mais rapidamente do que a população.

Algo de semelhante se dá na China, cujo panorama é tão comentado pelos pessimistas. Anualmente na China surgem 13 milhões de bocas suplementares, a ser alimentadas. Isto quer dizer que lá o nú­mero de habitantes cresce de 2% ao ano; ao mesmo tempo, porém, verificou-se que os recursos tem aumentado na proporção de 8%. Os chineses tem consciência de que os seus métodos agrícolas ainda se acham em nível precário: maquinaria e adubos poderão ser multiplica­dos e aperfeiçoados, esperando-se daí maior rendimento do solo.

Nas outras nações tidas como pobres - nações em que o aumento de população costuma ser surpreendente, pois pode atingir 3% ao ano -, o nível de alimentação tem melhorado: a missão de auxílio norte-americana no Vietnam, por exemplo, averiguou que nos últimos dez anos os produtos agrícolas e as reservas alimentares desse país tem crescido em ritmo mais acelerado do que a população.

Nas grandes nações européias, faltam homens, falta mão de obra em quase todos os setores. Tenham-se em vista os seguintes casos:

A Alemanha Ocidental, após a segunda guerra mundial acolheu doze milhões de refugiados, os quais encontraram trabalho e meios de subsistência. Todavia não bastaram para atender a todos os empreendi­mentos da vida nacional, de modo que foi necessário angariar 400 mil trabalhadores estrangeiros: gregos, italianos, belgas, africanos do Norte.

A Suíça é tida como país relativamente pobre em recursos naturais. Em conseqüência, poder-se-ia julgar que não lhe convém ter população muito densa. - Ora verifica-se que ela aloja atualmente 126 habitantes por km² (quando a França apenas tem 81 por km²). A população suíça, que em 1900 era de 3.300.000 de habitantes, em 1960 chegava a 5.400.000. Depois de 1945, a costumeira emigração dos suíços deu lugar a importante movimento de imigração; é principalmente da Itália que a Suíça recebe a mão de obra para sua produtividade. A mortalidade infantil que em 1900 atingia os 20%, desceu hoje em dia a 4% apenas. A longevidade dos homens é, em média, de 68 anos; a das mulheres vai a 71 anos.

A Holanda é o pais mais povoado do mundo. Doutro lado, é pobre em recursos naturais; vive ameaçada pelo mar, do qual ela conquistou heroicamente parte do seu território. Durante muito tempo, julgou-se que a sua prosperidade se devia às colônias; estas, porém, se têm eman­cipado... Mais ainda: dezenas de milhares de holandeses da Indonésia voltaram para a pátria nos últimos anos. Conseqüentemente, em 1950 a Holanda era tida como nação superpovoada, ameaçada de desem­prego e de pobreza coletiva.

Ora registrou-se justamente o contrário: o solo holandês deu em­prego a bom número de seus habitantes ali recém-instalados. Isto pro­vocou aumento de produção, que agora atinge uma média «per caput» superior a da Bélgica. Verifica-se mesmo o fenômeno surpreendente a Holanda, país da Europa cuja população mais rapidamente cresce, carece de braços ou de mão de obra! Observa o sociólogo Alfred Saury «Este fato se acha em contraste não somente com os prognósticos, mas também com as doutrinas economistas que atualmente estão em vigor».

O Japão é o país mais povoado da Ásia (250 habitantes por km²). Geralmente vem apresentado como nação pobre e faminta; homens nu­merosos demais, julga-se, aí se debatem em meio aos estreitos arrozais. Ora é inegável que a agricultura e a indústria japonesas se têm desen­volvido em proporções gigantescas. O Japão, em breve, poderá exportar arroz. O que lhe falta, é mão de obra! Esta, ele a tem recrutado entre os coreanos. Não obstante - estranha atitude! - os japoneses adotaram oficialmente a política do controle da natalidade, como se esta fosse garantia da sua prosperidade!

Na Rússia soviética, o Governo condecora com a Ordem da Gloria Materna as mães de família que tenham sete filhos ou mais; não obs­tante, as autoridades governamentais tiveram que reformar o seu úl­timo plano qüinqüenal em parte por não disporem da mão de obra necessária. Disse Krutchev: «Somos 200 milhões; precisamos de 100 milhões de homens a mais, e, mesmo assim, ainda não seríamos sufi­cientemente numerosos».

Na França, a indústria também apela para novos braços. Verdade é que a agricultura, tendo-se aperfeiçoado e concentrado, libertou mais de 300.000 trabalhadores. Os dirigentes industriais esperam ansiosa­mente que a duração do serviço militar venha a ser reduzida, para que assim recebam reforço. Mas nem isto lhes bastará: vêem-se obrigados a recorrer a operários espanhóis, portugueses, italianos, africanos do Norte.

A Itália que tão liberalmente deixava partir seus filhos emigrantes, agora começa a detê-los.

Na África, trava-se verdadeiro certame em demanda de mão de obra. Há recursos tidos como fabulosos, mas inexplorados por falta de gente; é a insuficiência de população que freia o desenvolvimento do conti­nente. Principalmente a zona da floresta está subpovoada: na Nigéria, porém, os homens desbastaram o matagal; a população subiu a 36 mi­lhões de habitantes, dando o país mais povoado da África, em plena prosperidade. - A Costa de Marfim disputa com o Ghana os trabalha­dores do Alto-Volta.

Por conseguinte, mais homens sobre a terra! Requer-se, porém, que

b) Sejam homens honestos, conscientes de suas responsa­bilidades sociais.

Não faltam recursos para que o gênero humano sobreviva (afirma-se mesmo que existem em demasia para as necessidades do momento). Faltam, sim, braços para os explorar e... diga­mos agora: consciências bem formadas para os distribuir, pas­sando por cima de interesses egoístas e mesquinhos. A solução do problema da alimentação só se poderá obter se os homens se sentirem solidários entre si, dispostos a se ajudar uns aos outros, independentemente dos preconceitos e das barreiras do egoísmo. Estima-se que, se cada país suficientemente desenvolvido apli­casse 5% de sua renda total em benefício dos povos subdesen­volvidos, o mundo inteiro seria altamente beneficiado.

Contudo resultaria vão apregoar honestidade e senso de responsabilidade sem lembrar que estes predicados não se podem estabelecer e sustentar sem Deus. Sómente o Bem Absoluto, Deus, pode constituir o fundamento válido de uma consciência bem formada. Todas as leis e organizações constituídas para pro­ver à melhor repartição dos produtos da terra, ficarão sempre frustradas (ainda que sejam concebidas com todo o bom senso e segundo os melhores recursos da ciência e da técnica), se os ho­mens não se dispuserem a querer realmente bem uns aos outros, tratando-se mutuamente como irmãos; se não tiverem genuína benevolência para com o próximo, os homens não deixarão de burlar, cedo ou tarde, as mais sábias leis sociais. É no interior da consciência de cada cidadão que deve começar a reestruturação da sociedade; se não, «o homem será lobo para o homem (honro homini lupus)», e, quanto mais homens houver, tanto mais lobos haverá sobre a terra.

Fale a propósito o S. Padre João XXIII na sua encíclica «Mater et Magistra»:

«207. Para se estabelecer e consolidar cada vez mais a mútua con­fiança entre os dirigentes das nações, é preciso serem antes reconheci­das e observadas, de parte a parte, as leis da verdade e da justiça.

208. Na realidade sómente em Deus encontram fundamento os preceitos morais, pois sem Ele se dissolvem por completo. Com efeito, o homem não consta só de corpo, mas também de alma, pela qual é dotado de razão e liberdade. Assim constituído, sua alma postula necessariamente uma lei moral, fundada na Religião, que incomparavelmente melhor do que qualquer força ou interesse, pode resolver os problemas da vida individual e social em cada nação e no plano inter­nacional.

209. Entretanto, visto o grande desenvolvimento da ciência e da técnica, não falta quem hoje afirme poder o homem. prescindindo de Deus e unicamente com suas próprias forças, construir para si a mais excelente civilização. A verdade, porém, é que esses mesmos progressos científicos e técnicos muitas vezes colocam a humanidade em dificul­dades de dimensões universais, que só poderiam ser devidamente solu­cionadas se os homens reconhecessem plenamente a autoridade de Deus, Autor e Governador do gênero humano e de toda a natureza.

210. ..Quando os homens aterrados virem com seus próprios olhos que as poderosas energias, a serviço das técnicas e das máquinas, tanto podem ser empregadas para o bem dos povos como para a sua destrui­ção, necessariamente terão de se convencer de que os valores espirituais e morais devem ser antepostos a todos os outros, a fim de que os pro­gressos científicos e técnicos não sejam utilizados para a destruição do gênero humano, mas concorram, como meios, para o desenvolvi­mento da civilização.

214. Um erro fundamental, muito espalhado nos tempos modernos, pretende que a exigência religiosa, implantada nos homens pela natu­reza deve ser tida como algo de fantasioso e imaginário, pelo que deve ser totalmente extirpada, como um anacronismo oposto ao progresso da civilização. Ora, muito ao contrário, essa inclinação interior do ho­mem para a Religião demonstra que o ser humano foi realmente criado por Deus, e para Ele tende necessariamente, como lemos em S. Agos­tinho: ‘Foi para Ti, Senhor, que nos criaste; e nosso coração está in­quieto enquanto não repousa em Ti' (Confissões I 1).

215. Assim, por maior que seja o progresso técnico e econômico, não poderá haver justiça nem paz na face da terra, enquanto os homens não tomarem consciência da sua grande dignidade como criaturas e filhos de Deus, causa primeira e última de todos os seres. Afastado de Deus, o homem se torna desumano consigo mesmo e com seus seme­lhantes, pois as relações de convivência entre os homens supõem ne­cessariamente a ordenada relação da consciência humana para com Deus, fonte de toda verdade, justiça e amor.

217. Nenhum desatino parece mais próprio da nossa época do que a pretensão de se querer estabelecer uma ordem temporal estável e pro­veitosa sem a assentar sobre o seu fundamento necessário, isto é, pres­cindindo de Deus; e também de se querer exaltar a grandeza do homem secando a fonte donde ela brota e em que se alimenta, isto é, freiando, e, se possível fora, destruindo o impulso das almas para Deus».

Por fim, ainda se requer que os homens multiplicados e ho­nestos, desejosos de colaborar para o bem comum,

c) Sejam também habilitados para o trabalho.

Tem-se proclamado, com razão, que a riqueza n° 1 do gê­nero humano, riqueza ainda insuficientemente explorada, é a «matéria cinzenta» (= o cérebro); o que quer dizer: ... a ins­trução, a habilitação técnica e profissional ou, ainda mais lar­gamente, a cultura.

O inimigo principal do desenvolvimento e do bem-estar de um povo não é o pretenso «excesso de indivíduos», mas é o grau mais ou menos rudimentar da cultura desses indivíduos. Em nossos dias, assistimos a uma corrida em de­manda de instrução; as nações novas ocupam-se com a abertura de escolas (primárias, secundárias, técnicas... ) , a instalação de métodos modernos de educação e preparo para a vida, a funda­ção de Universidades, etc. Assim se vão formando cidadãos capa­zes de lutar pela vida e debelar a fome com mais acerto e re­sultado.

As nações em que, nos últimos anos, a porcentagem de população ativa e devidamente formada mais se aumentou, são também aquelas em que a produção e a capacidade de produzir mais se intensificaram.

Tal é o caso, por exemplo, da Holanda, da Áustria, da Itália do Norte, da Alemanha ocidental. Se esta última, após a segunda guerra mundial, tivesse recebido 12 milhões de refugiados incultos ou iletrados, teria possivelmente sofrido grave baque em seu nível de vida; contudo o contrário se verificou, porque se tratava de uma multidão adestrada para o trabalho ciosa de trabalhar e recebida em um ambiente apare­lhado para a agricultura e a indústria.

«Nenhuma nação crescerá verdadeiramente se não acreditar no valor do crescimento» (Moussa).

Havendo técnicos e operários especializados para os diversos setores modernos de atividades, pode-se aumentar extraordinariamente a produção em menor tempo de trabalho: na agricul­tura e na pecuária, criam-se espécies híbridas, mais fecundas; utilizam-se melhor os adubos e catalisadores; a energia elétrica é mais requintadamente aproveitada; os terrenos áridos e as estepes são beneficiados por novos sistemas de irrigação; as riquezas do subsolo, dos mares, da pesca... são mais valoriza­das, etc.

A título de ilustração, pode-se referir que na Praça das Nações Unidas, em Nova Iorque, se ergue o «Capitólio da Matéria Cinzenta». Neste enorme edifício, pela primeira vez na historia, dezenove impor­tantes empresas trabalham juntas. A finalidade do «Capitólio» é «esta­belecer entre engenheiros um constante intercambio de experiências e descobertas...». Esse edifício está a serviço da ciência e da técnica de Inventar!

Eis o que, em reflexão serena, se pode e deve dizer a res­peito dos prognósticos de fome mundial e a propósito da tenta­tiva de solução que se lhe costuma propor: a limitação da nata­lidade. Possam estes dados contribuir para dissipar equívocos sinistros muito propalados em tal setor, dando lugar a otimismo e confiança!

A elaboração deste artigo muito deve à revista MISSI (Magazine d'Information Spirituelle et de Solidarité Internationale), n°s. 5 e 7 de 1962.

D. ESTÊVÃO BETTENCOURT O. S.B.

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