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sexta-feira, 1 de junho de 2007

Homossexualismo: corrigir ou mudar o sexo?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 060/1962)

«Que dizer das operações cirúrgicas destinadas a corri­gir ou mudar o sexo do paciente?

O famoso Cocinelli era figura muito conhecida nos 'cabarets' de Paris. Após uma operação cirúrgica, passou a viver como uma insi­nuante mulher, chegando a contrair núpcias com o seu empresário. Em viagem para Buenos Aires, Cocinelli se deteve no Rio de janeiro, onde declarou que se sentia feliz com a mudança de sexo, mas deplorava nunca poder ter filhos)».

Os casos de operação destinada a «corrigir» ou modificar a vida sexual de alguém são assaz complexos, pois o comportamento sexual da personalidade humana é dependente não apenas de fatores fisioló­gicos, mas também de elementos psicológicos: Por isto, a fim de se pro­ferir um juízo adequado sobre a liceidade de tais intervenções cirúrgi­cas, requer-se a consideração de caso por caso, com as circunstâncias e os traços que o caracterizam; somente depois disto se poderá falar de liceidade ou iliceidade da intervenção cirúrgica.

Em conseqüência, limitar-nos-emos aqui a enunciar os princípios de Moral que devem reger toda e qualquer operação desse tipo. Ao sacer­dote, ao médico e às pessoas interessadas toca fazer a aplicação de tais normas às situações concretas que ocorrem na vida prática.

Eis, pois, o que em qualquer caso se deverá tomar em consideração:

1) Qualquer intervenção cirúrgica na vida sexual de al­guém há de ser consentânea com as demonstrações de sexuali­dade (masculina ou feminina) espontâneas ou inatas que o pa­ciente apresente; deverá, portanto, favorecer o desenvolvimento da natureza na sua própria linha ou segundo a orientação (varo­nil ou feminina) que o Criador tenha assinalado a tal pessoa.

Donde se vê que é ilícita qualquer tentativa de mudar o sexo de um indivíduo ou de fazer passar de um sexo esboçado na ana­tomia do sujeito para o sexo oposto. Uma tal obra equivaleria a contrariar a natureza - coisa que já não é do alcance moral do homem. Vê-se também que, em casos de dúvida sobre as verda­deiras tendências sexuais de um paciente (casos de ambigüidade sexual), o cirurgião se deve abster de intervir. Só operará desde que tenha certeza de estar desenvolvendo a ação mesma da na­tureza.

Este principio de Moral restringe muito o âmbito da liceidade das operações em foco. Nova restrição é imposta pelo princípio n° 2:

2) A intervenção cirúrgica só é licita caso se possa pre­ver (ao menos com forte probabilidade) que tornará o paciente capaz de gerar prole, ou seja, capaz de contrair matrimônio.

Esta regra se deriva imediatamente do fato de que o uso das funções sexuais só é lícito dentro do contrato matrimonial, con­trato matrimonial cuja finalidade primária é a geração da prole (em casos de impotência absoluta e incurável, o casamento é nulo, pois não há matéria de contrato matrimonial; cf. «P. R.» 11/1958, qu. 6). Por conseguinte, uma intervenção cirúrgica que deixe a pessoa impotente ou incapaz de gerar, e apenas vise libertar o paciente de um complexo de inferioridade, proporcio­nando-lhe comportamento sexual aparentemente normal, não se justifica perante a consciência. Tal intervenção só serve para fa­vorecer o hedonismo, o gozo ilícito, quiçá mesmo o adultério e a fornicação; a pessoa assim «beneficiada» poderá dissimular a sua impotência e tentar contrair matrimônio, que na verdade será abusivo e nulo, mas terá a aparência de casamento válido.

Para ilustrar estas normas, o Dr. Alberto Niedermeyer, Catedrático da Universidade de Viena na Áustria, refere um exemplo de interven­ção cirúrgica ilícita:

Um jovem de fisiologia masculina apresenta reações sexuais ambíguas ou, em aparência, hermafroditas. Erroneamente é educado como se pertencesse ao sexo feminino. Na idade oportuna, essa presumida donzela concebe o desejo de «contrair matrimônio» com determinado rapaz. Cai então sob os cuidados de um médico, que «se compadece» de tal paciente e resolve favorecer «de maneira científica» os seus planos matrimoniais, a fim de lhe levantar o ânimo e dar-lhe certa alegria na vida. O cirurgião decide, pois, proceder do seguinte modo: mediante castração faz que o indivíduo se torne eunuco, ou seja, estéril; a seguir, tomando um pedaço de intestino, forma uma vagina artificial e en­xerta-a no organismo do paciente; este assim adquire a possibilidade de ter relações sexuais do tipo feminino. Claro está, porém, que tais relações sexuais ficarão totalmente estéreis e nunca constituirão maté­ria de contrato matrimonial. Por conseguinte, o tratamento cirúrgico assim concebido é ilícito, tocando mesmo as raias da hediondez (cf. A. Niedermeyer, Compendio de Medicina Pastoral. Barcelona 1957, pág. 275).

De quanto acaba de ser dito, depreende-se sem dificuldade que

3) Não é lícito tentar corrigir o homossexualismo em­preendendo alguma intervenção cirúrgica que vise dar ao pa­ciente a fisiologia do sexo oposto.

Um tal empreendimento não somente seria contrário à Moral, mas estaria também em oposição às tendências da Medi­cina moderna. Esta geralmente considera o homossexualismo como um defeito psíquico, derivado da educação, de influências do ambiente ou de preconceitos, mais do que um defeito fisioló­gico ou hormonal (verdade é que não se podem negar também causas de homossexualismo anatômicas ou orgânicas).

Sobre a maneira de tratar o homossexualismo, cf. «P.R.» 5/1958, 7.

4) Há casos de pessoas do sexo feminino cuja conduta sexual é sadia, mas que, em determinada fase da vida, vêm a sofrer de desequilíbrio das glândulas endócrinas. Em conseqüên­cia, apresentam características secundárias sexuais do tipo mas­culino. Este fenômeno, dito «de masculinização», deve-se princi­palmente a certos tumores no ovário (arrenoblastomas); uma vez eliminado o tumor, dá-se, na maioria dos casos, a completa regressão ao sexo feminino. Evidentemente a intervenção cirúr­gica, nesses casos, é de todo legítima, pois não faz senão restituir a pessoa ao seu comportamento natural e normal.

Estes princípios são suficientes para sugerir toda a cautela em se tratando de operações tão complexas do ponto de vista da Medicina e tão facilmente condenáveis do ponto de vista da Mo­ral. Qualquer intervenção no funcionamento sexual da pessoa humana, seja por via cirúrgica, seja por via psicológica, é ilícita, caso venha a ser empreendida fora das normas acima formula­das. Torna-se assim muito restrito e rarefeito o número de casos em que a consciência moral pode consentir em tratamentos desse tipo.

Quanto ao procedimento de Cocinelli em particular, apresenta-se, no foro externo, evidentemente com todos os sintomas de iliceidade; quanto ao foro interno ou à consciência, o Supremo Juiz julgará.

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