Resumo da resposta: O ateísmo contemporâneo se deve a fatores derivados da vida moderna, como também a motivos de índole religiosa.
Entre os fatores de índole não religiosa, notam-se:
- o aguçamento do senso crítico da humanidade. Esse aguçamento é motivado pelo progresso das ciências «exatas» e da técnica, pelos da psicologia das profundidades, pela rápida circulação de idéias, pelo pluralismo vigente nas sociedades democráticas, pelo esfacelamento da família e de suas tradições;
- a onda de emancipação que atinge os mais diversos setores da vida moderna: emancipação política, econômica, social, racial, intelectual e também... religiosa;
- a afirmação da consciência comunitária. Julgam muitos que, para atender a seus deveres sociais, devem desdizer a Religião, que seria «alienante»;
- a descoberta da história. Esta gera o senso do relativismo, que vai sendo aplicado à verdade, e à verdade religiosa;
- a dissipação da vida moderna.
Observa-se outrossim que a Religião mal apresentada e vivida suscita descrença e afastamento em muitos homens.
Ora quem reflete sobre o ateísmo verifica que não se deriva de uma certeza filosófica ou científica. O ateu não tem a evidência de que Deus não existe; ele é ateu por motivo de índole prática ou de conveniência. Ora essa posição de «fé» (fé invertida) do ateísmo é menos humana e intelectual do que a crença em Deus, pois o ateu tem de recusar certas questões de importância capital para o homem: donde vimos? para onde vamos? que sentido tem a morte? - Na verdade, é difícil responder a estas perguntas sem admitir Deus.
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Resposta: O ateísmo não é um fenômeno espontâneo ou natural na história do gênero humano. É sempre uma atitude pós-religiosa: supõe a Religião e constitui como que uma réplica à mesma. É o que explana o artigo de «P. R.» 92/1967, pág. 321.
Também a ateísmo contemporâneo se apresenta como fenômeno ocasionado por circunstâncias próprias de nossos tempos. Procuraremos abaixo enumerar os principais dos fatores que, próxima ou remotamente, dão lugar ao ateísmo. A seguir, proporemos uma reflexão sobre tal fenômeno.
1. Causas do ateísmo contemporâneo
A pesquisa das causas que geram o ateísmo de nossos dias, é especialmente recomendada pelo Vaticano II:
A Igreja tenta descobrir no pensamento dos ateus as causas ocultas da negação de Deus, consciente da gravidade dos problemas que o ateísmo levanta. E, guiada pela caridade para com todos os homens, julga que esses problemas devem ser submetidos a um sério e mais aprofundado exame (Const. «Gaudium et Spes» n° 21, 2).
Os fatores que originam ou fomentam o ateísmo em nossos dias, podem ser compreendidos sob dois títulos: 1) fatores decorrentes da cultura e da civilização contemporânea; 2) fatores decorrentes da própria Religião.
A. Cultura moderna e ateísmo
Há inegavelmente estreita correlação entre o ateísmo e certas características da vida de nossos dias, como se poderá depreender da exposição abaixo.
Em nossos tempos registra-se:
1) Um aguçamento do senso crítico
O homem de hoje, sacudido por duas guerras mundiais sucessivas, é, com razão, exigente de autenticidade; tende a «repensar» a civilização e as antigas instituições, a fim de se livrar de falsos princípios ou falsos valores. O cidadão do séc. XX se sente adulto, quer evitar atitudes ingênuas ou infantis, pede provas que o persuadam, rejeita o que não seja
funcional...
Esse espírito crítico é, de modo especial, aguçado por certos elementos da vida moderna, como:
a) o progresso das ciências ditas «exatas» (a física, a matemática. ..). O cultivo de tais ciências pode levar o homem a julgar que não há certeza fora desses ramos do saber; os princípios e as conclusões do saber humanista (filosofia, direito, moral, religião... ) podem, consequentemente, parecer vagos e discutíveis, já que não caem sob o regime da matemática. - Ora a Religião é, por si mesma, o contato com o Mistério e o Transcendental; suas proposições não são irracionais, mas também não podem ser todas demonstradas pelas ciências exatas, pois ultrapassam o alcance destas. Daí a distancia entre a mentalidade do homem moderno (que desde seus primeiros anos vive numa civilização cientificista,
Nos países marxistas, a propaganda atéia é sistematicamente levada a efeito como se fosse serviço prestado à «ideologia científica» (tal é o nome do ateísmo naquelas regiões).
b) O progresso das ciências psicológicas. A psicologia das profundidades cultivada por Freud levou-nos a descobrir as riquezas e os recantos da alma humana; certos tipos de comportamento são explicados como conseqüências de recalques e complexos... Ora muitos psicólogos e analistas modernos, a partir do próprio Freud, interpretam a Religião precisamente como resultado de um sério desvio psicológica; segundo o fundador da psicanálise, a Religião é uma grande ilusão que está fadada a se extinguir. Em conseqüência, muitos jovens e adultos se põem a duvidar da autenticidade de suas atitudes religiosas, tendendo facilmente a interpretá-las como deformações de sua verdadeira personalidade.
c) O progresso da técnica proporciona ao homem moderno faculdades que lhe dão a impressão de poder dispensar Deus e seu auxílio; muitos dos favores que os povos outrora pediam a Deus, o cidadão contemporâneo os pode obter mediante os recursos da técnica.
d) A rápida circulação de idéias, em nossos dias, favorecida pelos meios de comunicação de massa, põe o homem em contato com os mais diversos modos de pensar e viver (no plano civil, nacional e no plano religioso), sugerindo-lhe a relatividade dos vários pontos de vista. O ecletismo e o indiferentismo assim se instauram em lugar da verdadeira fé religiosa.
Aqui não se pode deixar de observar quão grande é a responsabilidade dos que dirigem a imprensa escrita e falada; caso atendam ao sensacionalismo e ao lucro comercial mais do que à difusão da verdade, causam enorme dano ao público. Este dano é tanto mais ponderoso quanto se sabe que muitos e muitos dos camponeses e cidadãos modernos não recorrem a outras fontes de informação fora do rádio, da televisão, dos jornais e das revistas ilustradas.
e) O pluralismo vigente nas sociedades democráticas ocasiona a afirmação e propagação dos mais diferentes conceitos e costumes; o cidadão, principalmente quando carece de meios ou tempo para estudar, é constantemente interpelado por sentenças e opiniões contraditórias, que o desnorteiam, induzindo-o por vezes ao ceticismo parcial ou total no tocante à Religião.
Com esta observação não se quer negar a legitimidade do pluralismo ou da existência de diversas atitudes na sociedade. É preciso, porém, que cada cidadão trate de averiguar o que há de certo e errôneo em cada proposição que lhe é transmitida; caso não o faça,
f) O fim do regime de Cristandade. Por «Cristandade» entende-se a civilização inspirada pelo Cristianismo tanto em suas instituições religiosas como em sua organização civil. Ora, a partir do século XVI, registra-se a laicização crescente da vida pública; o Estado se separa da Igreja e governa como se Deus e a Religião fossem valores meramente relativos e opcionais.
Com isto não se quer dizer que, em nossos tempos, todo e qualquer Governo deva professar determinado Credo religioso. É preciso, porém, que o Estado reconheça e favoreça a Religião e suas manifestações na vida dos súditos.
g) O esfacelamento da família e de suas tradições. Motivos profissionais e econômicos levam muitos trabalhadores a emigrar de uma nação para outra, deixando seus familiares, por tempo mais ou menos longo, na pátria. Além disto, razões de ordem moral (adultério, divórcio...) acarretam freqüentemente a dissolução dos lares. Ora a família está intimamente associada à Religião; é no lar que esta começa a ser transmitida e vivida. Por isto, com a ruína da família registra-se também o abalo da Religião.
Estes diversos fatores que integram a vida moderna, produzem inegavelmente o criticismo em relação aos valores invisíveis. Não poucas pessoas falam consequentemente de uma «desmitização» da Religião, desmitização que consiste não somente em eliminar os mitos ou os conceitos religiosos infantis e defeituosos que por vezes desfiguram a verdadeira Religião, mas também em erradicar o próprio conceito de Deus e a Religião como se fossem mitos.
Consideremos agora outro fator (remoto ou indireto) do ateísmo em nossos dias.
2) A afirmação da consciência personalista
Em nossos dias é cada vez mais realçada a dignidade da pessoa humana, dignidade que se manifesta principalmente na autonomia que compete ao ser humano.
O crescente desejo de autonomia leva a procurar emancipação ou libertação... Na verdade, a época moderna vem assistindo a uma série de movimentos de emancipação:
a) emancipação política, que se manifesta na repulsa do colonialismo e na ascensão das nações jovens do Terceiro Mundo;
b) emancipação econômica: as classes trabalhadoras procuram tornar-se mais e mais proprietárias;
c) emancipação social: a mulher vai adquirindo o lugar que lhe compete na sociedade, em antítese à posição inferior a que era relegada : a mulher vota, a mulher estuda, a mulher lidera. - Também os jovens tendem à emancipação;
d) emancipação racial: os homens de cor procuram dissipar qualquer preconceito racial;
e) emancipação intelectual: reivindica-se hoje em dia a liberdade de pensamento e de expressão.
Nesta série de movimentos «emancipacionistas» , coloca-se também a emancipação religiosa. A Religião vem a ser considerada por muitos como tutela, tutela a ser rejeitada por uma humanidade «adulta».
Na verdade, a Religião é a elevação do homem a Deus. Ora «servir a Deus é reinar», é consecução da verdadeira soberania e liberdade!
Muitos chegam a julgar que negar a Deus é condição necessária para que se salve ou promova a pessoa humana; Deus seria obstáculo ao progresso. Quanto menos o homem for religioso, dizem, tanto mais será homem.
São palavras de Sartre:
Se Deus existe, o homem é o nada. Se o homem existe, Deus não existe» («Le Diable et le Bon Dieu»).
«Ser homem é tender a ser Deus... O homem é fundamentalmente desejo de ser Deus» («L'Etre et le Néant», pág. 334 e 653).
Anteriormente dizia Nietzsche:
«Todos os deuses estão mortos, queremos agora que viva o Super-Homem» («Assim falou Zaratustra»).
3) A afirmação da consciência comunitária
Registra-se no mundo um processo de socialização crescente. Esse processo desperta nos homens o senso da história e dos deveres que lhes cabem no decorrer dos séculos; o horizonte dos indivíduos e dos povos se dilata cada vez mais, no tempo e no espaço.
Ora a descoberta dessa dimensão horizontal da existência e das tarefas que ela implica, parece a não poucos homens estar em conflito com o ideal religioso. A Religião é tida como «alienante» ou como fator que trava o dinamismo das sociedades e da história. São conhecidas as frases dos grandes mentores do comunismo, das quais vai aqui destacada a seguinte, devida a Lenine
«A religião, berçando na esperança de uma recompensa celeste o homem que sofre a vida inteira na miséria, ensina-lhe a paciência e a resignação. Quanto àqueles que vivem do trabalho alheio, ensina-lhes a praticar a beneficência neste mundo. oferecendo-lhes assim uma fácil justificativa da sua existência de exploradores, vendendo-lhes a preço barato bilhetes de participação na felicidade celeste. A religião é o ópio do povo; a religião é uma espécie grosseira de água-ardente espiritual, na qual os escravos do capital afogam o seu ser humano e as suas justas reivindicações em favor de uma existência digna do homem».
Palavras análogas encontram-se nas obras de Karl Marx dos marxistas contemporâneos.
4) A descoberta da história
A partir de Darwin, os homens têm mais e mais a consciência do fator «evolução» e de seu significado; as ciências empíricas manifestam cada vez mais as mudanças e transformações por que têm passado, passam e passarão o gênero humano e as realidades sensíveis.
«Tudo muda!» Esta verificação sugere relativismo. Em vista disto, muitos perguntam se a própria verdade não está sujeita a mudança ou se ainda existe propriamente verdade nos setores da filosofia e da Religião. A Religião com suas «verdades» não seria algo de contingente, algo de associado a formas de cultura e civilização já ultrapassadas?
Respondendo positivamente a estas dúvidas, não poucos homens aderem ao indiferentismo religioso e ao ateísmo.
5) A dissipação da vida moderna
A civilização contemporânea é, evidentemente, dissipante: é a civilização do barulho e da pressa. As grandes aglomerações urbanas dificultam ao homem o encontro consigo mesmo no
Ora este quadro geral tem sua repercussão na orientação religiosa dos homens: diminui-lhes as possibilidades de se recolher, ler ou estudar, justamente num período da, história em que o senso crítico se torna mais exigente (exigente de maior reflexão). Os valores transitórios assim tendem a polarizar a atenção dos homens, o que favorece o agnosticismo.
As características de civilização que acabam de ser apontadas, verificam-se principalmente no mundo ocidental. Elas tendem, porém, a recobrir a terra inteira, de sorte que também no Oriente - cuja população é profundamente religiosa - a indiferença e a descrença se vão implantando.
Resta agora examinar outra categoria de elementos que favorecem o moderno ateísmo.
B. Religião depauperada e ateísmo
Observa o Concílio do Vaticano II:
«O ateísmo, considerado em seu conjunto, não tem a sua origem em si mesmo; é, antes, originado por causas diversas, entre as quais se enumera uma reação crítica contra as religiões e, em algumas regiões, sobretudo contra a religião cristã. Por esta razão, na gênese do ateísmo, grande parte podem ter os crentes, na medida em que, negligenciando a educação de sua fé, ou usando de falaz exposição da doutrina, ou cometendo faltas na sua vida religiosa, moral e social, se poderia dizer que mais escondem do que manifestam a face genuína de Deus e da religião» (Const. «Gaudium et Spes» W 19, 3).
É certo que os homens tendem a julgar Deus e a Religião pela apresentação que de tais valores propõem os homens ditos «religiosos». Ora o Cristianismo, nos séculos XVIII e XIX, ressentiu-se profundamente da influência daninha de correntes de pensamento heterogêneas: o racionalismo de Kant e outros autores, o positivismo de Comte, o jansenismo, a mentalidade barroca com sua piedade exuberante, mas carente de teologia profunda...
Pode-se admitir que, não dando lúcido testemunho de sua fé, os cristãos tenham decepcionado seus semelhantes, induzindo-os à indiferença (talvez não seja fácil ao homem crer que a verdade
continua a ser verdade, mesmo quando seus adeptos não a traduzem devidamente).
A propósito se encontram ulteriores considerações em «P.R.» 92/1967, pág. 326-9.
Passemos agora a uma
2. Reflexão sobre o ateísmo
Os estudiosos verificam que o ateísmo contemporâneo não é o resultado de uma pesquisa ou de um estudo do problema de Deus, mas é simplesmente uma opção. Em outros termos quem afirma que Deus não existe, não o diz porque tenha certeza do que assevera, mas simplesmente porque escolheu dize-lo. O ateu moderno não se interessa pelas questões atinentes a Deus e à Religião; não examina provas da existência ou não-existência de Deus; mas simplesmente opta por não crer
Há quem diga que a explicação do universo dada pela ciência nos liberta da existência de Deus. Pois bem; o ateu aceita esta afirmação sem cuidar de a averiguar.
«A pretensão, sustentada pelo ateísmo moderno, de ser o resultado da ciência serve para mascarar o incontestável fato histórico de que o ateísmo se deriva de um protesto de índole irracional, protesto para o qual as razões objetivas são de importância secundária. À luz da psicologia moderna, devemos asseverar que esse protesto ocorre por motivos, ao mesmo tempo, conscientes e inconscientes. e que as aparatosas razões científicas que o ateu aduz, servem para mascarar a si e aos outros a realidade dos fatos» (Siegmund, «Storia e diagnosi dell'ateismo moderno)», tr. it., 1961, pág. 534).
Observa o Pe. Inácio Lepp, que durante longos anos aderiu ao marxismo:
«Poucos são os incrédulos de hoje, principalmente entre as pessoas cultas, que o sejam por motivos rigorosamente racionais. Os argumentos racionalistas contra a religião geralmente não têm valor para o ateu senão porque o ateu tem razões de ordem existencial para não crer» («Psychanalyse de 1'afhéisme moderne» Paris, 1961, 19s).
Por sua vez, escreve Verneau:
O ateísmo contemporâneo não é tanto a negação de Deus quanto a recusa de crer nele... A negação é uma tomada de posição objetiva; a recusa é puramente subjetiva. O ateísmo, em nossos dias, não é uma posição tomada pelo espírito ou... pela sazão enquanto
tende para a verdade, como seria o juízo 'Deus não existe'. Este juízo seria de índole metafísica; ora o que caracteriza a mentalidade da nossa geração... é a recusa de entrar nessa ordem de considerações, nas quais a razão supera o plano da experiência... do fenômeno, e afirma por via lógica a existência do transcendental...
Mas, se o ateísmo não se nos apresenta como uma verdade metafísica, então que é? Uma escolha, consciente e deliberada, a respeito do bem ou do último fim do homem ou, em última análise, a respeito do próprio homem. O ateu não quer crer em Deus para poder crer no homem; recusa-se a admitir a existência de Deus para que o homem possa existir ou, como se diz, sair do seu estado de alienação, libertar-se psicologicamente de todo sentimento de independência, afirmar-se como liberdade absoluta, fazer-se ou criar-se por si, » (citado por G. Girardi, «Riflessioni sull'ateismo». Roma 1967, pág. 62).
Na verdade, essa atitude do ateu equivale a um ato de fé, uma fé às avessas, cujo conteúdo não é adesão a Deus, mas, ao contrário, uma tomada de posição contra Deus. Com efeito, o ateísmo não é algo de evidente, que se imponha ao raciocínio; a ateísmo simplesmente não é evidente, como também não é evidente por si a fé cristã (com seus sagrados mistérios). Isto, de um lado, deveria levar os cristãos a compreender o ateísmo dos ateus e, de outro lado, deveria impelir os ateus a «repensar» a sua incredulidade, desde que tomassem consciência de estar aderindo a algo de que não têm evidência. «O ateísmo é uma fé... A incredulidade é, antes do mais, uma crença» (Henry, L'athéisme d'aujourd'hui» , em «L'athéisme, tentation du monde, réveil des chrétiens?». Paris 1963, pág. 37s).
Ora a «fé» (ou a posição) dos que não crêem em Deus, é artificial e pouco humana. Muito mais razoável é a atitude dos que admitem Deus, pois se torna difícil, se não impossível, admitir que o universo e o homem se expliquem sem um Ser Infinito e Transcendente. Com efeito, muitos ateus, para sustentar o seu ateísmo, fecham os olhos a certas questões, como as que dizem respeito à origem do mundo, do homem, à morte e ao sentida geral da existência humana; julgam que tais questões não devem ser colocadas, pois implicam «ficções» absurdas.
Eis, por exemplo, como, desde Lucrécio (
«Enquanto existimos, a morte não está presente; e, desde que a morte se torna presente não mais existimos. A morte, portanto, nada é, nem para os vivos, nem para os mortos, pois, para aqueles que são, ela não é, e aqueles para quem ela é não são mais» (Lucrécio, citado por Roger Mehl em «Le vieillissement et la morb», P.U.F., 1956).
Nesse «raciocínio» há um sofisma, pois na verdade a morte nos está sempre presente, sempre impregnada e atuante no ser humano desde que ele nasce. Impõe-se, pois, a todo
homem a reflexão sobre a morte ou sobre o «donde» e o «para onde» vamos; sem clareza nestes pontos, o homem dificilmente se realiza.
O episcopado polonês, em carta pastoral coletiva de 15/VI/67, propôs as seguintes considerações sobre o assunto:
«O ateísmo se coloca falsamente contra a experiência milenar de todo o gênero humano. Ontem, como hoje, o homem é instintivamente levado a reconhecer a existência de Deus. É o que se verifica não somente nos povos primitivos que sobreviveram até nossos dias, mas também nas nações mais evoluídas. Essa unanimidade universal dos povos fica sendo um fato irrefutável e atesta que o ateísmo está em desacordo com a natureza humana.
O Concílio nos ensina que o ateísmo 'faz o homem decair da sua nobreza nativa'. Deus criou o homem inteligente e livre, mas principalmente 'como filho Ele o chamou à sua intimidade e ao consórcio da sua própria felicidade' (Const. «Gaudium et Spes» 21). A negação da existência de Deus separa o homem da fonte dos mais profundos valores humanos.
Numa palavra, o ateísmo é contra o homem. O Papa João XXIII, de santa memória, bem o afirmou numa de suas encíclicas: ‘O homem separado de Deus torna-se terrível para si mesmo e para seus irmãos’ (enc. «Mater et Magistra» 4,1).
O ateísmo deixa sem resposta as questões mais angustiantes que todo homem deve enfrentar: o sentido da vida, o sentido do sofrimento e da morte. 'Assim muitas vezes os homens mergulham no desespero. Só Deus lhes pode responder de maneira cabal e irrecusável, Ele que nos convida a uma reflexão mais profunda e a uma procura mais humilde' (Const. 'Gaudium et Spes' 21)» («
Estas observações feitas ao ateísmo estão longe de significar que se devam distanciar cristãos e ateus, ignorando-se ou hostilizando-se mutuamente. O cristão deverá sempre distinguir entre o ateísmo e os ateus; rejeitará aquele, e amará sinceramente a estes, mantendo-se aberto ao diálogo com todos os homens.
Sobre a genuína atitude dos cristãos frente ao ateísmo, haverá um artigo no seguinte fascículo de «P.R...»
Pequena bibliografia:
Georg Siegmund. «O ateísmo moderno. História e psicanálise. Edições Loyola. São Paulo 1966.
Giulio Girardi, «L'Ateismo contemporaneo». Roma 1968.
Cornelio Fabro, «God in exile». Glen Rock 1968.
Paul Haubtmann, «Foi et athéisme» . Toulouse 1968.
Vários, «L'Athéisme, tentation du monde, réveil des chétiens?» Paris 1963).
J. Javaux, «Prouver Dieu?» . Desclée 1967.
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