«As pessoas que não querem adotar métodos anticoncepcionistas para limitar a prole, dizem que não é lícito agir unicamente por causa do gozo.
Então o prazer não será motivo digno de justificar uma ação humana?»
1. Não há dúvida, todo homem, ao agir, tem em vista um bem,... um bem real ou, ao menos, aparente (bem aparente, isto é, algo que ao sujeito parece ser bom, embora na verdade não o seja). Ninguém age visando o mal em si e por si, mas unicamente na medida em que ao mal se prende um bem qualquer (que vem a ser o verdadeiro motivo da ação); assim o próprio suicida, desejando a morte, deseja algo que no momento lhe parece ser um bem (deseja, sim, a morte como repouso ou cessação da luta, isto é, como mal menor do que o «mal de viver»...).
Ora os moralistas distinguem três modalidades de bens: o bem honesto, o bem deleitoso e o bem útil.
O bem honesto é o bem conforme as normas da moralidade, ou seja, conforme a Lei de Deus, a qual se manifesta no íntimo de cada homem pelos ditames da consciência.
O bem deleitoso é o objeto que satisfaz às tendências sensuais ou intelectuais do indivíduo e, de certo modo, se destina a saciá-las.
O bem útil é o objeto que serve de meio ou instrumento para se alcançar determinado fim.
Muitas vezes, o fim intencionado é meramente temporal ou material, visado independentemente do Fim último do homem, que é Deus. Pode acontecer, porém, que o bem útil seja dirigido à obtenção do supremo Fim ou da vida eterna.
2. Feita a distinção entre bem honesto, deleitoso e útil, não resta dúvida de que o homem, agindo por causa de um bem honesto, reconhecido como tal, sempre age bem ou pratica uma ação moralmente boa. Não há objeção importante a fazer neste setor.
No tocante aos bens úteis, está claro que por sua natureza mesma são orientados para outro objeto ou para um fim ulterior. Essa orientação dá a moralidade ao uso de tais bens, fazendo que seja um uso (ou ato) moralmente mau (se o objetivo ulterior for mau) ou moralmente bom (se o objetivo visado e o próprio meio utilizado forem bons). Também neste setor não há propriamente dúvidas; cf. «P.R.» 168/1963, qu. 3 (o fim bom não justifica meios maus).
Questão mais séria, porém, se põe quando se consideram os bens deleitosos. Estes podem ser encaminhados para um fim ulterior, como também podem não o ser; neste último caso, são visados em si mesmos e por si mesmos; a pessoa quer então o prazer por causa do prazer apenas.
Em tais circunstâncias, indaga-se: será lícito agir tendo em vista unicamente o gozo ou o prazer?
- Está claro que não será permitido agir por causa de um prazer desonesto ou pecaminoso. A dúvida se põe apenas quando se trata de um prazer honesto. Poderá tal prazer, considerado em si mesmo apenas, motivar legitimamente uma ação do homem?
A esta questão a Moral sadia responde negativamente: o deleite, visado em si apenas, não basta para justificar a atividade da pessoa.
A razão desta negativa é evidente: o prazer é algo que o Autor da natureza, Deus, anexou a certas atividades do homem a fim de as estimular e facilitar; por conseguinte, o prazer não é algo de absoluto, não pode constituir o fim ou o termo das aspirações do homem, mas só pode ser legitimamente desejado dentro da perspectiva de uma finalidade ulterior. Quem quisesse agir unicamente por motivo de gozo, faria do meio um fim, do secundário o principal; por conseguinte, inverteria a ordem dos valores instituída pelo Criador, e assim pecaria.
O prazer sexual foi associado por Deus à função generativa a fim de que o homem seja incentivado a propagar a sua espécie; tal prazer portanto só poderá ser aceito pelas pessoas que tenham em vista a geração da prole dentro do quadro normal da geração, que é o matrimônio.
O mesmo se diga com referencia ao deleite anexo à função de comer: é estímulo para facilitar ao individuo a conservação de sua vida. Fora desta perspectiva, tal prazer já não tem sentido e não é apto a justificar a atividade (ou a ação de comer) do indivíduo.
Tais princípios explicam que o Papa Inocêncio XI aos 2 de março de 1679 tenha condenado as seguintes proposições:
«É lícito comer e beber até a saciedade, sem necessidade, por causa apenas do deleite daí decorrente, desde que com isto não se prejudique a saúde; com efeito, o apetite natural pode licitamente usufruir dos seus atos próprios» (Denzinger, Enchiridion 1158).
«Não há culpa alguma nem defeito venial, quando se pratica o ato conjugal por causa apenas do prazer» (cf. ib. 1159).
A rejeição destas duas sentenças bem confirma que o gozo por si só não pode ser motivo suficiente para que o homem exerça alguma atividade.
O prazer tem sido comparado ao sal ou ao tempero que se costuma colocar na comida a fim de que esta se torne mais apetitosa e digerível. Ora, assim como não é normal comer unicamente por motivo do sal ou do tempero, assim também não será normal (por conseguinte, será desregrado e ilícito) praticar uma ação unicamente por causa do gozo.
3. Uma advertência agora se impõe: as normas até aqui expostas não significam que alguém, ao agir, deva excluir todo desejo de prazer. Pode uma pessoa licitamente aspirar ao deleite que está anexo a determinada função da natureza, desde que considere e deseje esse deleite como fim intermediário, subordinado a um fim ulterior honesto. O mal só começa quando tal pessoa faz do deleite o fim ou o objetivo em última análise visado pelo seu ato.
Disto se segue que alguém pode licitamente desejar um divertimento (jogo esportivo, espetáculo cinematográfico honesto, concerto musical, etc.), e dele usufruir, desde que subordine o prazer daí derivado ao fim respectivo, que é «recrear as forças da natureza, restaurar o ânimo, conservar a saúde, etc.». Em outros termos: a consciência cristã não se opõe a que se façam programas recreativos, contanto que se tenha em vista a razão de ser dos recreios e dos divertimentos, razão de ser que é a conservação do equilíbrio psíquico-somático das pessoas interessadas.
4. Pergunta-se ulteriormente: e que quer dizer esse «ter em vista... »? Ou com que tipo de intenção se deve desejar um bem honesto ou uma finalidade ulterior quando se deseja um recreio, um divertimento?
Respondem os moralistas que não é necessário ter intenção explícita de referir o divertimento, por exemplo, à conservação da saúde (não é preciso que a pessoa tome consciência explícita de que o seu divertimento é mero meio para atingir objetivo
E como se sabe que existe essa intenção implícita?
- Pode-se dizer que essa intenção implícita já existe quando a pessoa modera os seus atos de acordo com a reta razão iluminada pela fé ou de acordo com as leis da natureza,
começando, freando e terminando os seus recreios de modo a guardar em tudo o domínio da razão sobre os sentidos e as tendências da carne. Por conseguinte, a moderação no prazer pode ser interpretada como indício de que a pessoa não procura unicamente o gozo, mas procura também a finalidade suprema do gozo que é o aperfeiçoamento da personalidade e a união com Deus.
É S. Afonso de Ligório (t 1787) quem escreve:
«Quando alguém se senta à mesa sem pensar na conservação de sua vida, mas unicamente no deleite da comida, não peca por proceder assim, pois essa pessoa deseja tal prazer ao menos virtualmente por causa da conservação da sua vida; é o que faz que o seu desejo de prazer não seja desordenado» (Theol. mor. 1. 5, tract. praeamb. W 44).
O desejo virtual (ou intenção virtual) de que fala S. Afonso, é a intenção que a pessoa concebeu outrora explicitamente e em virtude da qual (ou por influência da qual) a pessoa está realmente agindo, sem que disto tenha consciência, isto é, sem ligar o ato presente com a intenção outrora explicitada e jamais retratada.
Há bons moralistas modernos que interpretam os dizeres de S. Afonso num sentido ainda mais largo: entendem a intenção virtual acima enunciada, no sentido de intenção meramente implícita, isto é, intenção que está incluída no simples fato de que a pessoa se comporte razoavelmente ou moderadamente no ato de gozar (independentemente de qualquer intenção anteriormente concebida).
Para garantir a pureza da intenção, seja virtual (no sentido estrito), seja meramente implícita (conforme os modernos), recomenda-se que periodicamente o cristão faça o oferecimento de seus atos a Deus e proponha tudo realizar para a glória do Criador. Muito se deve desejar que tal propósito seja renovado todos os dias de manhã; contudo isto não é de preceito; não comete pecado quem não o faça com tal assiduidade.
Ao que observa S. Jerônimo († 421): «Se as palavras ociosas são objeto de prestação de contas, quanto mais os atos ociosos não o serão!» (Brev. in Ps., Ps. 15, ed. Migne lat. t. 26, 910).
Note-se bem que «ocioso» não quer dizer «mau, intrinsecamente mau», mas apenas «destituído de finalidade» ou «desviado da genuína finalidade». Ora o genuíno Fim do homem é Deus ou a união com Deus; por conseguinte, todo ato humano tem que ser, direta ou indiretamente, encaminhado para este Objetivo, a fim de ser genuíno ou bom; caso não o seja, carece da finalidade devida, é ocioso e tornar-se-á motivo de recriminação no juízo de Deus. Nesta categoria entra o ato de gozar, desde que o gozo seja desejado por si mesmo, sem ser subordinado a outra finalidade ou ao Fim Supremo da atividade e da vida humana Deus.
6. Por último, compreende-se que, embora seja lícito agir com desejo de deleite (subordinado, sim, a uma finalidade ulterior), mais perfeito é não levar em conta (na medida do possível) o gozo ou prazer, e só voltar a atenção para os bens que se relacionam com a reta razão e a fé (em tal caso, não se considera diretamente a repercussão, agradável ou desagradável, que a ação empreendida possa ter na sensibilidade da pessoa).
Este conselho de perfeição tem sido abraçado pelas almas sequiosas... A experiência só o tem comprovado...
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