(Revista Pergunte e responderemos, PR 098/1968)
1. Meios naturais e meios artificiais
No processo de limitação da natalidade, distinguem-se dois tipos de meios:
1) meios naturais: são aqueles que não violentam as leis da natureza ou do organismo humano, mas, ao contrário, as respeitam. Tal é, sem dúvida, o método de Ogino-Knaus: os cônjuges prevêem por cálculo os períodos em que a natureza é por si mesma estéril, e praticam a cópula apenas em tais fases; assim o seu ato conjugal pode tornar-se infecundo, sem que haja interferência no curso mesmo da natureza;
2) meios artificiais: são os que desviam ou impedem o exercício natural das funções sexuais, recorrendo a algum artifício mecânico (diafragma, camisa de Vênus, dispositivo intra-uterino...), farmacêutico (droga esterilizante...) ou cirúrgico (ligadura de trombas, aborto).
Ora a Moral cristã se apóia sobre a lei natural (sobrepondo a esta, sem dúvida, os preceitos do Evangelho). As leis da natureza são as leis do Criador, que não é lícito ao homem transgredir a seu bel-prazer. Assim como o olho foi feito para ver e o ouvido para ouvir, assim também a função nutritiva foi dada ao homem para conservar a sua existência (e não simplesmente para deleitar o seu paladar); paralelamente, diz a Moral clássica, a função generativa foi outorgada pela natureza ao homem para que ele conserve a sua espécie ou se reproduza. Em conseqüência, os atos morais do ser humano têm que levar em conta esta finalidade natural das suas funções (em particular, a função sexual deve ser vista à luz da sua finalidade reprodutiva). É por tais motivos que se diz que as leis morais estão baseadas nas leis naturais. Em conseqüência, os meios artificiais de limitação da natalidade, por contrariarem as leis da biologia, são classicamente condenados pela Moral católica.
Faz-se mister notar bem que a teologia contemporânea não ab-rogou a distinção entre «natureza» e «artifício», «meios naturais» e «meios artificiais» no processo de limitação da natalidade; esta distinção é tão imutável quanto a própria natureza humana é imutável através dos séculos.
Para ilustrar estas afirmações, sejam aqui citadas as palavras de S. S. o Papa Paulo VI dirigidas à Assembléia Geral da O. N.U. em 4 de outubro de 1965:
“A vida do homem é sagrada; ninguém ouse atentar contra ela. O respeito pela vida, mesmo no que se refere ao grande problema da natalidade, deve ter na vossa assembléia a sua mais alta afirmação e a sua defesa mais racional. Vós deveis procurar que o pão seja
Estas palavras do Pontífice dão a ver que o Magistério da Igreja reconhece a distinção entre «regulamentação artificial» e «r. natural» da natalidade; aquela vem a ser repudiada como algo de irracional (palavra intencionalmente escolhida pelo S. Padre para se dirigir a um auditório de'cristãos e não-cristãos).
Todavia neste conjunto de idéias um problema surgiu e vem-se avolumando nos últimos anos: é o problema da pílula anovulatória, que apresenta características próprias e merece especial atenção, como abaixo veremos.
Têm sido fornecidas ao público em quantidade e variedades crescentes as chamadas «pílulas anovulatórias» (ou inibidoras da ovulação). Contêm substâncias ditas progestógenas, (progestógenas, porque possuem propriedades biológicas semelhantes à da progesterona, hormônio da maternidade). Tais pílulas não somente suprimem a ovulação, mas freiam a atividade ovariana, ficando inibida total ou parcialmente a produção dos hormônios sexuais. Tais efeitos, porém, são reversíveis: caso deixe de tomar a pílula, a mulher em poucas semanas recupera a atividade do ovário, às vezes com intensidade surpreendente.
Como se vê, as pílulas são um elemento que esteriliza (embora provisoriamente); todavia não podem ser equiparadas aos contraceptivos meramente artificiais, pois elas fornecem ao organismo feminino o hormônio que este mesmo produz e de que necessita de maneira especial em certas situações. Por isto as pílulas têm às vezes efeitos realmente terapêuticos; secundam e beneficiam a natureza, contribuindo para restaurar as atividades normais do organismo, quando estas se acham perturbadas.
Eis os principais casos em que a pílula não age contra a natureza, mas se comporta como autêntico e benéfico remédio:
1) há certas infecções do organismo feminino, das quais são parcial ou totalmente responsáveis os hormônios sexuais (foliculina). Essas infecções podem ser acompanhadas de lesões no útero (endometrial), no ovário, nos seios (moléstias fibro quísticas). Ora verifica-se que, uma vez cessada a produção dos hormônios sexuais mediante o uso da pílula anovulatória, se processa a cura da paciente.
2) Há pessoas cujas menstruações são demasiado freqüentes. Multiplicando-se de tal modo, as menstruações podem acarretar anemia ou deficiência de ferro no organismo - o que provoca distúrbios de saúde. Convêm, então, suprimir temporàriamente as menstruações, a fim de acelerar a reconstituição das reservas de ferro e a cura do organismo enfermo. Em tais casos, a pílula é o verdadeiro remédio.
3) Há certos tipos de magreza doentia que podem ser corrigidos pelos efeitos que a pílula exerce sobre o funcionamento geral do organismo.
4) Pessoas tendentes a ser estéreis podem ser curadas pelo uso da pílula, pois esta, quando deixa de ser ingerida, provoca superatividade do ovário.
A pessoas cujos ciclos menstruais são muito irregulares, tem sido receitada a pílula sem vista de obter a devida regularização. Todavia os resultados até hoje registrados são poucos satisfatórios, de modo que a pílula não é o remédio ideal.
Nos quatro primeiros casos atrás registrados, a pílula é medicamento para estados
É claro que a pílula, mesmo nas situações que acabamos de registrar, esteriliza provisoriamente o organismo. Note-se, porém, que ela não é tomada como esterilizante e, sim, como remédio necessário para a cura de uma verdadeira situarão mórbida da paciente. O efeito primário da pílula, em tais casos, é terapêutico e está em plena consonância com a natureza. A esterilização provisória nesses casos é efeito não desejado, mas tolerado; é compensada ou superada pelo efeito bom intencionado pela paciente: a recuperação da saúde.
Há, porém, casos de medicina em que se tem discutido se o emprego terapêutico da pílula é moralmente licito ou não.
1) Após o parto
A todo parto segue-se um período estéril cuja duração varia de algumas semanas a alguns anos. Certos fatores tendem a prolongar essa fase de esterilidade: tais são a idade, o grande número de partos anteriores, a rápida sucessão dos estados de gravidez, o trabalho
Diante de tais fatos, tem-se proposto o seguinte raciocínio:
Após o parto, algumas mulheres precisam de diferir o reinicio de suas menstruações a fim de curar-se de anemia ou, de modo geral, restabelecer seu estado de saúde. Ora, se a natureza mesma proporciona à mulher tal intervalo de repouso (intervalo cuja duração é variável), parece lícito ao médico secundar a natureza, prescrevendo a pílula, a fim de oferecer ao organismo feminino mais ampla oportunidade de se restaurar. As pílulas retardarão o recomeço da atividade ovariana, sem contrariar a natureza, pois esta, em tais casos, oscila de organismo para organismo, como vimos.
2) Por ocasião da menopausa
A menopausa ou o desaparecimento definitivo das menstruações é muitas vezes precedida de um período (de variável duração) em que as menstruações se tornam muito irregulares e os ciclos anovulatórios se multiplicam.
A menopausa se dá geralmente aos 49 anos de idade; todavia as oscilações podem ser consideráveis. Há fatores que favorecem o estabelecimento da menopausa, como outros há que a retardam; entre as causas que influenciam diversamente o curso da natureza, registram-se as doenças crônicas, a alimentação, os numerosos partos anteriores, o gênero de vida (em Ceilão, notou-se, neste particular, uma diferença entre as mulheres que viviam em meio urbano e as de meio rural).
Ora admita-se que uma mulher, próxima à menopausa, precise, por motivos de saúde, de paralisar sua atividade ovariana. Pergunta-se então: não seria lícito tomar a pílula a fim de reforçar os fatores que aceleram a menopausa? A pílula, dizem, não faria violência à natureza, mas agiria segundo as tendências desta.
Estes dois casos, que têm certa semelhança entre si, são discutidos pelos moralistas. Alguns julgam que o emprego da pílula nessas duas situações não seria pròpriamente terapêutico, já teria foros de esterilização direta.
3) Distúrbios psicológicos
Certas neuroses como a ciesifobia ou o medo neurótico da gravidez podem provocar perturbações cardíacas, digestivas, sexuais (dor por ocasião do contato sexual, aversão ao consorte... ). - Ora o consumo temporário de anovulatórios pode-se tornar fator de importância capital para a respectiva psicoterapia; a pílula age então como sedativo que dissipa o pânico da gravidez; uma vez removido este elemento, a psicoterapia pode atacar diretamente a raiz da neurose e tentar curá-la definitivamente.
Alguns moralistas reconhecem a legitimidade dos anovulatórios em tais casos, pois a inibição ovariana temporária lhes parece justificada pela necessidade de tratamento psicoterápico adequado. - Outros, porém, julgam que em tais casos o uso da pílula corresponde a uma esterilização direta e, portanto, ilícita.
Antes de proferirmos um juízo sobre estes casos discutidos, enumeremos ainda outros.
Até aqui vimos situações em que os anovulatórios são utilizados como autênticos remédios ou ao menos como elementos promotores da saúde da mulher. Em tais casos, a pílula age (ou parece agir) na linha da natureza biológica ou fisiológica da paciente.
Nos últimos tempos, porém, tem-se argumentado do seguinte modo: a natureza biológica e fisiológica é cega; só leva em conta a procriação e as leis da procriação. Todavia o homem é um ser inteligente, que, além da procriação, vê outros valores em seu horizonte. Com efeito, o homem, raciocinando, percebe que a explosão demográfica, as dificuldades financeiras, a deficiência de meios educacionais, a penúria de condições higiênicas exigem o controle da natalidade, a fim de que não se multipliquem indefinidamente os filhos. Mais ainda: o homem contemporâneo percebe com particular acume que o ato sexual tem que ser enquadrado dentro da grande moldura do amor humano; este se exprime na cópula conjugal. O ato sexual não parece orientado apenas à reprodução da espécie, mas também à plena realização do amor e da personalidade de cada um dos cônjuges; sem cópula sexual, a vida marital corre o risco de se esfacelar, pois a continência entre esposos é dura ou dificilmente praticável. Em vista disto, perguntam muitos pensadores contemporâneos: não seria lícito aos cônjuges (desejosos de se unir em amor puro) praticar o ato sexual excluindo a prole, desde que não a possam procriar por motivos financeiros, educacionais ou higiênicos? Em outros termos pode-se dizer que quem usa a pílula por motivos de economia, perigo de fome mundial, dificuldades financeiras, etc., está realmente contrariando a natureza? Quem usa inteligentemente a pílula em vista de um planejamento controlado da família, pode, sim, estar contradizendo à natureza biológica, mas não está violando a natureza inteligente do homem. O ser humano, dizem, não é mero reprodutor biológico, mas uma pessoa dotada de nobres sentimentos, que se exprimem através do ato sexual, excluindo a prole se isto parece conveniente aos interessados.
Caso se admitam tais teses, torna-se lícito usar a pílula diretamente com a finalidade de esterilizar.
É esta nova formulação do problema que tem provocado os árduos debates contemporâneos em torno dos anovulatórios, dividindo os teólogos, moralistas, filósofos, psicólogos, sociólogos, médicos em duas correntes opostas:
1) a primeira, dita «conservadora», que julga ser ilícita a pílula desde que tomada como esterilizante; a natureza sexual do homem tem sua finalidade biológica, e é estritamente em vista desta meta que ela deve funcionar. Caso se provoque o ato sexual, excluindo-se
premeditadamente a prole, comete-se uma falta moral ou um pecado;
2) a segunda corrente de pensadores, dita «progressista», propõe uma acepção mais larga de natureza humana. Esta não seria definida apenas pelas leis da biologia, mas também por seu aspecto inteligente ou racional. Em conseqüência, não contrariaria a natureza quem recorresse à pílula, a fim de atender a concepções e planos da inteligência humana.
Que dizer diante do impasse?
5. Um juízo sobre o assunto
Para o fiel católico, a palavra final da controvérsia toca ao supremo magistério da Igreja. O S. Padre Paulo VI reservou a si o julgamento definitivo dos anovulatórios. Este juízo requer estudos e reflexões muitos ponderados; supõe também dados concretos de teologia, filosofia, psicologia, medicina, dados que contribuam para se estabelecerem cada vez mais claramente os conceitos de natureza, leis da natureza, amor humano.. . Enquanto a Santa Sé estuda o assunto, Paulo VI declarou que perduram as normas já anteriormente promulgadas por Pio XII segundo as quais apenas o método da continência periódica (tabela de Ogino-Knaus ou temperatura) é lícito à consciência cristã.
Feita esta observação, seja aqui permitida breve consideração sobre a problemática.
A função sexual é, como todos hão de reconhecer, uma função biológica; está naturalmente sujeita às leis da biologia. É claro que há de ser exercida pelo homem de maneira inteligente e livre, à diferença do que se dá nos animais irracionais. O homem sabe por que exerce o ato sexual; ele, aliás, só o exerce quando quer ou desde que corresponda às aspirações de sua personalidade humana.
O bom senso, porém, parece incutir que a elevação das funções sexuais ao plano da inteligência, no homem, não quer dizer que elas devam ser emancipadas das leis da biologia.
Admitamos, sim, que o critério para se praticar o ato sexual não seja a reprodução, mas simplesmente o amor e o desejo de exprimir o amor entre o homem e a mulher. Em conseqüência, como vimos, a mulher julgará lícito recorrer à pílula anovulatória, a fim de praticar a cópula sem o perigo de prole.
Imagine-se, porém, que a pílula seja contra-indicada em tal ou tal caso, como realmente (e não raro) acontece ... Se o critério para a prática do ato sexual continua sendo o amor, os cônjuges recorrerão então a meios mecânicos (camisa de Vênus e outros). E, caso esses não sejam suficientes, ainda julgarão estar habilitados em consciência a recorrer a meios cirúrgicos (esterilização, ligadura de trombas, etc.). E, por último, se necessário (?!), porque não lhes será licito recorrer também ao aborto?
Hoje em dia procura-se legitimar o aborto quando cometido nos seis primeiros dias após a conceição, antes que o ovo se coloque no útero, ou antes da nidificação! ...
Vê-se, pois, que, se não se guarda um limite objetivo para o uso de contraceptivos, ou seja, o respeito às leis naturais da biologia humana, abre-se a porta para uma escala indefinida de arbitrariedades subjetivas; todos os processos anticoncepcionais podem então ser gradativa e insensivelmente legitimados; já não resta freio algum neste setor.
Por isto parece que a solução do problema da natalidade é impossível, se não se procura incutir na sociedade contemporânea, de um lado, o respeito às normas da biologia humana e, de outro lado, o domínio da pessoa sobre si mesma, seus instintos e paixões. Caso se procure resolver o problema sem exigir disciplina e renúncia do homem em relação a si mesmo, já não se encontrarão limites para dizer o que é lícito e o que não é licito; poder-se-ão então cometer os atos mais despropositados sob o aspecto de liceidade; a consciência moral, inspirada pela casuística, vai resvalando insensivelmente até a total negação da dignidade humana.
É, pois, para desejar que os intelectuais e educadores excitem na sociedade de hoje a certeza do inestimável valor que tem o domínio do homem sobre si mesmo. Quem possui esta grande qualidade (hoje em dia tão pouco apregoada), mais fàcilmente evita desatinos e segue as leis da sã Moral (leis manifestadas, sem dúvida, pela própria biologia humana).
6. Documentação
Para ilustrar e fundamentar o que acaba de ser dito, vão aqui citadas algumas declarações pontifícias.
1) Num discurso dirigido por S. S, o Papa Pio XII aos membros do VII Congresso Internacional de Hematologia, que versava sobre o problema das doenças hereditárias (12/1X/58), encontra-se o seguinte:
Primeiramente S.S. falou da esterilização. Lembrou ser ilícita a esterilização direta, que tem por objetivo tornar impossível a procriação. Quanto à esterilização indireta, recordou que ela não é diretamente intencionada (mas apenas tolerada) pelo médico ou pela paciente: é uma operação que visa eliminar determinado mal do organismo (por exemplo, um câncer no útero) e que acarreta indiretamente a infecundidade desse organismo (no caso, a ablação do útero é realizada como a de qualquer outro órgão canceroso; é o tratamento do câncer, e não o desejo de esterilizar, que a exige).
«Será lícito impedir a ovulação por meio de pílulas tomadas como remédio para as reações exageradas do útero e do organismo, embora esse remédio, impedindo a ovulação, torne também impossível a fecundação? Será permitido à mulher casada ter relações com o seu marido, apesar dessa esterilidade temporária? A resposta depende da intenção da pessoa. Se a mulher toma esse remédio, não a fim de impedir a conceição, mas unicamente por indicação do médico, como medicamento necessário a determinada doença do útero ou do organismo, ela provoca uma esterilização indireta, que é licita segundo o princípio das ações que têm duplo efeito».
Como se vê, intencionar a esterilização como tal é ilícito. Intencionar, porém, a cura de uma doença mediante um remédio necessário que venha a esterilizar o organismo (sem que isto seja diretamente intencionado) é moralmente lícito.
2) Eis as declarações de Paulo VI atinentes ao assunto:
Aos 23 de junho de 1964, o S. Padre assim se dirigia ao Colégio Cardinalício:
«Todos falam do problema do controle dos nascimentos... É problema extremamente grave... É problema extremamente complexo e delicado. A Igreja reconhece os seus múltiplos aspectos. E a Igreja deverá proclamar essa lei de Deus à luz das verdades científicas, sociais e teológicas que, nestes últimos tempos, se tornaram o objeto de estudos e documentação muito vastos.
Esperamos terminar este estudo em breve com a colaboração de numerosos sábios de valor... Mas dizemos francamente que não temos até o presente momento razões suficientes para considerar como ultrapassadas e, por conseguinte, não-obrigatórias as normas dadas pelo Papa Pio XII a este propósito. Tais regras devem ser tidas como plenamente válidas, ao menos enquanto não Nos sentirmos em consciência obrigados a modificá-las... Parece, pois, oportuno recomendar que ninguém por ora arrogue a si o direito de se pronunciar em termos destoantes das normas vigentes.
Aos 27 de março de 1965, S. S. assim falava aos membros da Comissão instituída para estudar o problema da natalidade:
«Pedimo-vos instantemente que não percais de vista a urgência de uma situação que pede da Igreja e da sua suprema autoridade indicações não ambíguas. Não se pode deixar a consciência dos homens exposta às incertezas que hoje em dia freqüentemente impedem a vida conjugal de se expandir segundo o desígnio do Senhor.. ,
Tais são os objetivos aos quais tenderá a vossa pesquisa: de um lado, procurareis chegar a melhor conhecimento das leis fisiológicas, dos dados psicológicos e medicais, dos movimentos demográficos e das rebordosas sociais; de outro lado e principalmente, procurareis levar em conta a luz superior que projetam sobre tais fatos os dados da fé e do ensinamento tradicional da Igreja...
No caso presente, o problema pode-se resumir nos seguintes termos: de que forma e segundo quais normas os cônjuges devem cumprir, no exercício do seu amor mútuo, o serviço da vida ao qual os chama a sua vocação?»
Por fim, aos 29 de outubro de 1966, o S. Padre dizia a ginecólogos e obstetras italianos quanto segue:
Há um ponto no qual as duas competências, a Nossa e a vossa, poderiam entrar em contato e dialogar juntas. Queremos falar da questão da regulamentação da natalidade - questão vastíssima, delicadíssima, na qual, por suas implicações religiosas e morais, temos Nós mesmos o titulo, ou melhor, a obrigação de tomar a palavra. É questão de atualidade. Sabemos que se espera de Nós, sim, uma palavra decisiva acerca do pensamento da Igreja a esse respeito. Mas, como é óbvio, não o podemos fazer nesta ocasião.
Recordaremos aqui apenas o que expusemos no Nosso discurso de 23 de junho de 1964: o pensamento e a norma da Igreja não mudaram; são alquiles vigentes no ensinamento tradicional da Igreja. O Concílio Ecumênico, há pouco celebrado, trouxe alguns elementos de juízo utilíssimos para integrar a doutrina católica sobre este importantíssimo tema, más não de molde a mudar-lhe os termos substanciais, elementos aptos a ilustrar e a provar com abalizados argumentos o interesse que a Igreja devota às questões concernentes ao amor, à natalidade e à família.
Com isto, a nova palavra que se espera da Igreja sobre o problema da regulamentação dos nascimentos não foi ainda pronunciada pelo fato de que Nós mesmos, tendo-a prometido e a Nós reservado, quisemos submeter a atento exame as instâncias doutrinais e pastorais que surgiram nos últimos anos sobre este problema, estudando-as em confronto com os dados da ciência e da experiência que de todos os campos Nos foram apresentados, especialmente do vosso campo médico e do campo demográfico, para dar ao problema sua solução verdadeira e boa, que outra não pode ser senão aquela integralmente humana, isto é, moral e cristã. Acreditamos dever assumir objetivamente o estudo de tais instâncias e elementos de juízo. Pareceu-Nos ser isto Nosso dever; e procuramos cumpri-lo do melhor modo, encarregando uma ampla, variada e versadíssima comissão internacionais. Esta, em suas diversas sessões e com longas discussões, realizou m grandioso trabalho e Nos entregou suas conclusões. Estas todavia Nos parecem não poder ser consideradas definitivas, pelo fato de apresentarem grandes implicações com outras não poucas e não leves questões, tanto de ordem doutrinal, quanto de ordem pastoral e social... Este fato... impõe à Nossa responsabilidade um suplemento de estudo, o qual estamos resolutamente ,realizando, com grande respeito por quem já dedicou aos mesmos problemas 'tanta atenção e fadiga, mas também com a consciência das obrigações do Nosso cargo apostólico. Tal foi o motivo que retardou a Nossa resposta e que deverá diferi-la ainda por algum tempo.
Entrementes, como já dissemos no discurso citado, a norma até hoje ensinada pela Igreja e completada pelas sábias instruções do Concilio exige fiel e generosa observância. Não se pode dizer que ela não obriga, alegando que o Magistério da Igreja está agora em estado de dúvida; na verdade, ele se acha num momento de estudo e reflexão sobre tudo quanto foi apresentado como digno de atentíssima consideração.
3) Nos «Diálogos com Paulo VI» de Jean Gueto, lêem-se as seguintes considerações do S. Padre:
«No amor há infinitamente mais que o amor. Queremos dizer que no amor humano, há o amor divino. E é por isso que é profundo, oculto e substancial o laço entre o amor e a fecundidade! Todo amor autêntico de um homem e de uma mulher, quando não é um amor egoísta, tende para a criação de um outro ser saído desse amor. Amar pode querer dizer ‘amar-se a si mesmo’. Mas, quando se ultrapassou este estádio do egoísmo, quando se compreendeu verdadeiramente que o amor é a alegria comum, a dádiva mútua, chega-se então ao que é verdadeiramente o amor.
Se é verdade que o amor é isto que lhe digo, compreende-se que não se pode separar o amor do fruto do amor... O amor encaminha-se para a fecundidade. Imita o ato criador. Renova. Dá a vida, é um sacrifico em vista da vida.
O que é temível na técnica moderna é a separação que ela introduz entre o amor e a fecundidade. Dir-me-ão que esta separação é por vezes tristemente necessária por razões de saúde ou de orçamento. Mas é preciso ter em conta que esta separação não é normal, é perigosa. Quando se utiliza uma técnica para dissociar o ato do amor do seu fim, é necessário considerar que se tira alguma coisa à felicidade.
O problema que se põe toca nas fontes da vida. Toca nos sentimentos e nos interesses mais vivos do homem e da mulher. É um problema extremamente complexo, muito delicado. A Igreja reconhece os seus múltiplos aspectos, interroga as competências múltiplas que entram
A seguir, Paulo VI passa a falar de castidade e das exigências de domínio do homem sobre si mesmo. E observa:
“Bem sei que não se deixa de objetar: ‘Impondes à natureza humana um jugo demasiado pesado’. Mas onde se encontra a natureza humana? Chama-se natureza aquilo que o homem vulgar é em conseqüência de tantas faltas ou condicionamentos, ou aquilo que o homem deveria ser, aquilo que pode ser com a graça de Cristo?
Será preciso adaptar a lei moral àquilo que se faz geralmente, reduzir nesse caso a moral aos costumes (que, entre parênteses, se arriscam a ser amanhã ainda mais baixos do que hoje, e até onde iremos?...). Ou, ao contrário, será preciso manter o ideal na sua altura sublime, mesmo se esse nível é pouco acessível, mesmo se o homem vulgar se sente incapaz ou culpado? Parece-me que, com os sensatos, com os heróis, com os santos, diria: todos os verdadeiros amigos da natureza humana, da verdadeira felicidade humana (crentes e descrentes), no intimo do seu coração, mesmo se protestam, se resistem, agradecerão à autoridade que tiver luzes bastantes, bastante farsa e bastante confiança para não rebaixar o ideal. Nunca os profetas de Israel aceitaram diminuir o ideal, jamais atenuaram o sentido do perfeito, da perfeição, nem reduziram o afastamento entre o ideal e a natureza: jamais restringiram o sentido do pecado, muito pelo contrário” (pág. 320-3).
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