Em síntese: A Cientologia é uma corrente de pensamento filosófico-religioso mesclada a técnicas psicoterápicas, que, conforme o fundador Sr. Lafayette Ron Hubbard (1911-1986), devem despertar no discípulo a consciência de que ele é imortal. A Cientologia submete seus adeptos a cursos vários e sessões de psicoterapia ditas auditing, que resultam muito caras para quem as segue, podendo provocar a crise financeira dos clientes. Tais cursos procuram purificar a mente de ferimentos e chagas que tenha contraído em existências anteriores à atual: tal processo percorre várias etapas, passando pelos graus de Preclear, Clear e Operating Thetan. O Thetan seria a essência espiritual do homem, a sua alma, o verdadeiro eu, que decaiu de um estado de perfeição para dentro da matéria, passa por várias reencarnações até se purificar totalmente e conseguir plenos poderes sobre o tempo e o espaço.
O regime da Sociedade Cientologista é fortemente autoritário. Os seus membros são incitados a considerar os demais homens com desconfiança, pois lhes parecem inimigos em potencial.
Estas características têm suscitado fortes polêmicas contra a Cientologia, da parte, principalmente, de profissionais da psicoterapia; dentro mesmo da Escola Cientologista há pessoas que se afastam da Chefia central e tentam fundar grupos dissidentes, menos autoritários e mais baratos (em seus custos). Várias famílias norte-americanas e européias se queixam de graves males psíquicos e financeiros de que sofrem seus filhos após freqüentarem a Cientologia.
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Entre as novas correntes religiosas de nossos dias está a Cientologia. É muito singular, porque funde numa só mensagem concepções religiosas, exercício de psicotécnicas e procura de dinheiro e poder. Conta, como se diz, cerca de sete milhões de adeptos esparsos por diversos continentes ou em trinta países. A Cientologia está associada à Dianética, ou seja, à ciência que explica o modo como funciona o intelecto humano. Desta maneira a Cientologia pode ser classificada entre as correntes religiosas que tentam explorar o potencial psíquico do ser humano. - Procuremos analisar o seu sistema.
1. O FUNDADOR
0 fundador da Cientologia é o norte-americano Lafayette Ron Hubbard (1911-1986). Deste personagem não se tem uma biografia muito fidedigna, pois alguns de seus familiares resolveram romper com a Cientologia e emitiram depoimentos sobre Hubbard que não são
Sabe-se, porém, que o fundador era filho de um Oficial de Marinha; viajou com seu pai, ao menos uma vez, pelo Oriente. Também teve contatos com psicanalistas. Até 1949 dedicou-se à literatura de ficção (aventuras policiais e pseudo-ciência). Em 1950 publicou alguns escritos sobre Dianética (Dianétics). Em 1954 fundou o que Hubbard chamou "a Igreja da Cientologia", baseada sobre a Dianética. Essa nova Sociedade propagou-se pela Austrália, a Nova Zelândia e a Europa. Em 1959 o fundador transferiu-se para a Inglaterra. 0 cultivo de suas idéias suscitou a Hubbard o antagonismo e debates (que o levaram a deixar a Inglaterra em 1966). Passou a viver a bordo de uma nave - Apolo -, a partir da qual dirigia a Sea Org (Organização do Mar ou Marítima), que vinha a ser uma espécie de Congregação Religiosa dentro da "Igreja da Cientologia". Nas décadas de 1960 e 1970 foi crescendo a hostilidade contra a Cientologia em vários países do mundo; na Austrália alguns Estados promulgaram leis que impediam as atividades desse movimento religioso; todavia em
A obra de Hubbard gerou polêmicas clamorosas até nossos dias. Assim em
Vejamos agora em que consiste a mensagem dessa "Igreja".
A Cientologia pretende oferecer aos seus seguidores o estudo e o "acompanhamento pastoral" necessários para que tomem consciência da sua imortalidade e possam atingir a mais elevada verdade. O caminho que conduz a tais metas, é chamado "a Ponte para a plena Liberdade".
Mais precisamente: Hubbard concebe o ser humano como uma máquina necessitada de conserto. Com efeito; a mente (mind) humana, limitada como é, não permite ao indivíduo tomar consciência de que ele é destinado a sobreviver após a morte. O homem traz em si muitas cicatrizes devidas a ferimentos psíquicos que ele sofreu em encarnações anteriores; ora, sempre que na vida presente um agente qualquer (cansaço, decepção, baque...) toca numa dessas cicatrizes, a mente traz à tona os acontecimentos desagradáveis que a afetaram em existências pregressas.
Pois bem, diz a Cientologia; é preciso apagar ou extinguir essas cicatrizes do íntimo do sujeito e comunicar-lhe o otimismo derivado da perspectiva da feliz imortalidade. Esta tem em vista libertar o homem dos seus engramas (cicatrizes) e levá-lo às condições de clear, condições altamente vantajosas, pois implicam aumento do QI, melhoras da saúde física e sucesso nos negócios. A Dianética realiza essa sua terapia em sessões chamadas auditing, sessões nas quais a pessoa, mediante regressão no tempo, considera os ferimentos que recebeu outrora e se dispõe a apagá-los definitivamente da memória; o mais importante engrama é o basic-basic ou o primeiro de todos (pode ter sido uma tentativa de aborto, que sacrificaria o interessado ou preclear, uma enfermidade da mãe ou uma relação sexual da genitora durante a gravidez). No decorrer da sessão psicoterapêutica ou auditing, é utilizado um aparelho chamado E-meter, eletrômetro inventado por Hubbard para permitir ao preclear recordar-se mais rapidamente dos traumas psíquicos de outrora e averiguar o apagamento dos mesmos. Tal aparelho procede medindo a resistência da pele aos estímulos que lhe vêm de fora. - Quando todos os engramas tiverem sido apagados, o indivíduo terá não mais uma mente reativa (reactive mind), mas uma mente analítica (analytic mind) e atingirá as condições de clear. O caminho da Dianética até o estado de clear resulta caro, mas os dirigentes da Cientologia observam que os outros tipos de psicoterapia não são mais baratos; além do quê, seriam inúteis ou mesmo prejudiciais por que não atinariam com o essencial (os engramas); os remédios psicotrópicos e as intervenções cirúrgicas são tidos pela Cientologia como violações dos direitos humanos.
A sessão dita auditing vem a ser o cerne da Cientologia e da sua doutrina. É orientada por um auditor diplomado pela Escola Cientológica; este ouve o paciente e propõe-lhe perguntas, que têm por objetivo ajudar o preclear a descobrir e remover limitações a ele impostas pelo seu passado; o auditor analisa os pretensos erros cometidos apontados pelo cliente e procura chegar às causas desses defeitos. O processo que ocorre entre o mestre e seu cliente, se prolonga tanto quanto seja necessário para que o paciente se torne plenamente consciente da sua identidade, assuma o exercício da sua liberdade e saiba ser chamado à imortalidade.
Segundo a Cientologia, o ser humano consta de três componentes:
1) o Thetan: espírito puro, que existe "desde o princípio"; é omniciente e imortal; através da "pista do tempo" percorre várias vidas. A princípio todos os Thetan gozavam de profunda felicidade num eterno presente. Julgaram, porém, que tal estado era fastidioso e, por isto, resolveram "jogar um jogo" criando os universos. Acabaram sendo vítimas desse jogo mesmo, pois se deixaram absorver pelos mundos de matéria, energia, espaço e tempo; esqueceram que eram os criadores livres e independentes da realidade material e deram-se por prisioneiros dos corpos;
2) o Corpo: é um componente do ser humano hoje, mas um componente indesejado;
3) a Mente, sistema de comunicações entre o Thetan e o mundo ambiente.
Através das sessões da Cientologia (auditing), a pessoa passa por sete graus de purificação dos engramas; como dito, ao fim deste processo, deixa de ser preclear para ser clear. Isto, porém, não é senão a primeira etapa de purificação. A segunda é chamada a etapa do Thetan operativo (operativo thetan), que, por sua vez, compreende oito degraus. Nesta segunda grande fase, o Thetan passa a entender que o mundo visível não é uma realidade plena, mas, sim, uma realidade aparente; os degraus finais desta fase são mantidos em segredo pelos dirigentes da Cientologia. Alguns dissidentes desta Escola narraram "ter feito a experiência de seres mitológicos, envolvidos outrora em guerras nas estrelas há milhões de anos". Assim o Thetan operativo vai aprendendo a deixar seu corpo; a morte do indivíduo é um acidente secundário nessa caminhada, que tende ao encontro com o Absoluto ou Infinito, o qual pode ser chamado "Ser Supremo" ou "Deus". É esta relação a Deus que justifica, aos olhos de Hubbard, o nome de Igreja da Cientologia-(Igreja que tem seus cerimoniais e rituais próprios para o nascimento, o casamento e os funerais), mas que pouco fala de Deus e atribui ao culto sagrado uma importância secundária.
Pode-se dizer que as concepções éticas da Cientologia são contraditórias: de um lado, esta Escola propõe finalidades transcendentais; de outro lado, porém, tem os olhos voltados para a conquista de dinheiro e poder. - São declarações de Hubbard:
"Aspiramos unicamente à evolução e a elevados graus de existência para o indivíduo e a sociedade... Uma civilização sem doenças mentais, sem crimes e sem guerra, em que as pessoas idôneas tentam sucesso e os homens honestos exerçam seus direitos e gozem da liberdade de chegar a metas mais elevadas. Tais são os objetivos da Cientologia".
Eis, porém, que Hubbard também escreveu:
"A única razão em virtude da qual existem organizações, é oferecer bens materiais e serviços aos seus membros em troca de uma contribuição e procurar pessoas famosas às quais esses bens possam ser oferecidos... Todas as organizações da Igreja da Cientologia foram fundadas unicamente em vista deste objetivo".
Assim dir-se-ia que, conforme os cientólogos, a promoção da humanidade e a venda de benefícios (como livros e cursos) são coisas inseparáveis uma da outra.
A Ética é explicitamente conceituada como a superação de todo tipo de resistência ao programa da Cientologia. É, como diz Hubbard, "o rolo compressor que aplaina a estrada". Nesta perspectiva não há lugar para a tolerância em relação aos adversários; não há respeito para com a pessoa humana que pense diversamente. No livro "Ética da Cientologia" são tidos como meios legítimos para conseguir manter e expandir o poderio da Escola "a corrupção moral, a agressão física, os prejuízos materiais, a perseguição e o esmagamento de quem professa outra filosofia, a violência contra os inimigos". Os que criticam e combatem a Cientologia, vêm a ser considerados inimigos do gênero humano, dado que a Cientologia é tida como a única via de sobrevivência da humanidade. Por conseguinte, o fim justifica os meios.
Tais concepções e a aplicação prática das mesmas estão confiadas ao "Inspector Geral da Ética", que é um dos membros graduados da Escola. Compreende-se então que a Cientologia venha a ser a tentativa de criar um grande império, dotado de poderosa economia, que procura ganhar dinheiro e aumentar seu capital enquanto apregoa a desencarnação dos seus membros.
Num dos folhetos programáticos da Cientologia lê-se: "Make Money, make more Money" (Faça dinheiro, faça mais dinheiro).
4. HIERARQUIA E ORGANIZAÇÃO
A Igreja da Cientologia é estruturada segundo uma hierarquia cujo princípio básico é "Preceito e Obediência", preceito que tem por finalidade facilitar a expansão da mensagem respectiva. A chefia da "Igreja" tem sede
A fim de atrair adeptos, podem ser ministrados cursos gratuitos, que tornam a Escola simpática ao público. O discípulo que queira abandonar seus cursos, é pressionado mediante cartas, telefonemas e aconselhamentos minuciosos para que não o faça.
O auditor ou "terapeuta", através das sessões respectivas (auditing), vai conhecendo o íntimo dos clientes - o que lhe facilita persuadir o discípulo a que não deixe a Escola. Todo membro da "Igreja" que tenha contato com pessoa infensa à Cientologia, é tido como PTS (Potential-Trouble-Source), Fonte Potencial de Perturbações, ao passo que a pessoa infensa é SP (Suppressive Person). A pessoa PTS é munida contra as críticas e objeções que lhe venham da SP; se a PTS se mostra influenciada pelas críticas, é submetida a tratamento especial ou a castigo; são-lhe sonegados alguns serviços da Escola.
Para Hubbard, os que criticam a Cientologia, são criminosos: "Nunca encontramos um crítico da Cientologia que não tivesse um passado criminoso". Por cautela, o fundador manda, através de uma Instrução Secreta, que os seus adeptos procurem sondar e perscrutar o tipo de pessoas que os visitam: onde trabalha ou trabalhou, qual o seu médico, o seu dentista, quais os seus amigos, os seus vizinhos... - Assim poderão talvez descobrir algum criminoso!
Os instrutores da Cientologia são admoestados para que dispensem benevolência e amabilidade aos novos adeptos; tal atmosfera simpática deve contribuir para que os novatos se convençam de que em seu íntimo existem pontos fracos (ruins, ruínas), que são de importância vital ou mortal e exigem absolutamente um tratamento, ou seja, a Dianética. A fim de que o candidato tome conhecimento de si e de suas carências morais, ele recebe um questionário com duzentas perguntas aproximadamente, destinadas a propiciar "uma análise científica" das capacidades do indivíduo; entre as perguntas, acham-se as seguintes:
"Costuma ser difícil, para você, reconhecer uma falha e assumir a responsabilidade da mesma?
Será que você, alguma vez, sente os seus músculos contrair-se, mesmo quando não há motivo para contração?
Você confessaria estar em erro apenas por amor à paz?
Acredita que haja pessoas que lhe são avessas e que trabalham contra você?
Reflete você muitas vezes sobre infortúnios passados?
Cai ocasionalmente em situações de apuros?
Rói você as suas unhas ou outros objetos?
Será que você não deverá esforçar-se para pensar em suicídio?
Paga você as suas dívidas e cumpre as suas promessas desde que isto seja possível?"
Estas perguntas têm o objetivo de levar o candidato a tomar consciência de que ele traz em si pontos fracos. Dado este passo, a candidato se convencerá de que deve seguir passo a passo o roteiro indicado pela Cientologia para chegar à plena liberdade interior. O teste também tem a vantagem de fornecer ao instrutor um conhecimento mais profundo do candidato, conhecimento que será utilizado para mais vincular o discípulo à Escola: o candidato receberá, na base das suas respostas, instruções orais e escritas, que lhe oferecem amizade e ajuda; receberá visitas e telefonemas, que o atrairão mais e mais à Escola. Todo um modo de pensar e falar é transmitido ao discípulo; assim, por exemplo, ser-lhe-á incutido que o vocábulo "Ética" significa a remoção de tudo o que se opõe à Cientologia.
A terapia cientológica isola totalmente o candidato em relação aos genitores e familiares. Procura cortar todo o relacionamento com a parentela. Freqüentemente dizem os pais que seus filhos na Cientologia foram radicalmente transformados; não compreendem que jovens, até época recente muito sóbrios e parcimoniosos, de repente se tenham endividado tanto. Na verdade, este endividamento se explica pelo fato de que o discípulo novato é submetido a cursos que ele deve pagar; tais cursos e outros meios de "cura" são indicados a cada um pelo Inspector do respectivo Centro de Cientologia; a princípio, são de preço tolerável, mas vão-se tornando cada vez mais caros, a ponto de causar total dependência e endividamento em relação à Cientologia.
A Cientologia tem membros efetivos, comprometidos, e clientes (simpatizantes). Isto explica as discrepâncias das estatísticas. Em 1988, seis milhões de pessoas no mundo inteiro tinham passado ao menos por um curso de Cientologia ou se haviam submetido ao auditing. O primeiro contato com tal Escola decorre, não raro, de um anúncio em jornal ou de uma carta: a pessoa, convidada a fazer um teste de personalidade, encaminha-se para uma sede da Cientologia, onde lhe propõem as vantagens de seguir cursos e tratamentos para melhorar um ou outro aspecto de seu caráter pessoal.
5. QUE DIZER?
A Cientologia quer ser "ciência exata, técnica psicoterápica, filosofia e religião"; na verdade, é uma mesclagem de psicotécnicas, teorias reencarnacionistas e ciência de ficção (fantaciência). Em conseqüência, já foi definida como "um budismo tecnológico". Por suas promessas de benefícios corpóreos e espirituais, consegue atrair muitos adeptos, que não se recusam a pagar os altos custos, que correspondem à iniciação cientológica; não poucos destes se projetam assim na ruína financeira, sem conseguir vantagem alguma de ordem psíquica ou espiritual; antes, tornam-se mais e mais dependentes dos seus mestres-orientadores.
Deve-se também observar que a Cientologia incorre no desrespeito à pessoa humana, submetendo-a a uma estrutura totalitária. Pretende ser a única cosmovisão aceitável, de modo que quem não a compartilha é inimigo do discípulo da Cientologia e do gênero humano. O amor ao próximo é, pois, algo de estranho a esta Escola, como estranhos lhe são os direitos humanos e a proteção devida à família.
Em linguagem religiosa, pode-se dizer que a Cientologia é uma doutrina que ensina a auto-salvação ou a redenção do indivíduo pelo indivíduo, sem levar em conta a graça ou o auxílio de Deus. De resto, o conceito de Deus é vago na Cientologia, aproximando-se do panteísmo, já que o Thetan do homem é tido como "espírito que existe desde o princípio, omniciente e imortal". Donde se vê que é despropositado o nome de "Igreja" atribuído à Cientologia.
Como todos os movimentos de sucesso, a Cientologia conheceu também as suas divisões ou rupturas. A partir da década de 1950, alguns seguidores da Escola preconizaram uma Cientologia mais aberta e simpática ao público e menos comercial. Todavia acabaram reproduzindo a organização de Hubbard. Aponta-se assim uma constelação de pequenos grupos cientológicos, mais ou menos independentes entre si. Em conseqüência, a Cientologia, por seu chefe central
Entre as facções dissidentes sobressai, por seu número de adeptos, o Advanced Ability Center, fundado
Muitas famílias norte-americanas e européias lamentam os males causados pelo fascínio vazio da Cientologia sobre as jovens gerações.
BIBLIOGRAFIA:
CASCARD, JOHANNES R., Le Nuove Religioni. Tra anelito e PatoIogia.Edizioni o Paoline, Milano 1989.
INTROVIGNE, MASSIMO, Le Nuove Religioni. Sugarco Edizioni, Milano 1989.
von POLLERN, HANS-INGO, Deutschlands gefáhrlichste Sekte, em Herder-Korrespondenz,
nº 8, agosto 1992, pp. 379-383.
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