(Revista Pergunte e Responderemos, PR 387/1994)
Faleceu no domingo de Páscoa 3 de abril de 1994 o Dr. Jérôme Lejeune, ilustre cientista francês, que nascera aos 13/06/1926. Foi médico pediatra, biólogo, geneticista, professor de Genética Fundamental. Por sua descoberta da causa genética da Síndrome de Down, recebeu o Prêmio Kennedy; foi-lhe concedida a "Memorial Allen Award Medal", a mais alta distinção mundial no campo da Genética. Foi membro de várias Academias científicas, como: Academia Americana de Artes e Ciência, Real Academia de Medicina e Real Sociedade de Ciências de Estocoimo, Academias de Ciências da Itália e da Argentina, Pontifícia Academia de Ciências, Instituto Francês de Ciências Morais e Políticas, Academia Francesa de Medicina.
Nos últimos quatro meses de sua vida, o grande sábio sofreu de um câncer, cujo desenlace lhe era claro; não obstante, a partir de seu leito do hospital, trabalhou com sua equipe.
Aos 11/2/1994 o S. Padre João Paulo II fundou a Academia Pontifícia para a Vida, da qual o primeiro Presidente nomeado foi o Dr. Jérôme Lejeune. Este, ao receber a notícia de sua nomeação aos 10/3/1994, declarou: "Consagrarei a essa tarefa o resto da minha vida". O S. Padre acompanhou, à distância, o Prof. Lejeune em suas últimas semanas, reconfortando-o com a sua palavra e a sua bênção. Após o falecimento do cientista, João Paulo II escreveu uma carta ao Cardeal Jean-Marie Lustiger, arcebispo de Paris, cujo teor vai, a seguir, traduzido.
1. ESCREVE JOÃO PAULO II
“’Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá’ (Jo 11,25).
Estas palavras de Cristo nos vêm à mente, ao nos vermos diante da morte do Prof. Jérôme Lejeune. Se o Pai dos céus o chamou a Si no dia mesmo da Ressurreição de Cristo, é difícil não ver nessa coincidência um sinal. A ressurreição de Cristo vem a ser um grande testemunho dado à vida, que é mais forte do que a morte. Iluminados por estas palavras do Senhor, vemos em toda morte humana uma participação na morte de Cristo e na sua Ressurreição, especialmente quando a morte ocorre no dia mesmo da ressurreição. Uma tal morte dá testemunho ainda mais forte à Vida, à qual o homem é chamado
Desejamos hoje agradecer ao Criador, de quem toda paternidade deriva seu nome (Ef 3,5), o carisma especial do defunto. Devemos falar de carisma, porque o professor Lejeune sempre soube utilizar o seu profundo conhecimento da vida e de seus segredos para o autêntico bem do homem e da humanidade, e tão somente para isto. Tornou-se um dos ardentes defensores da vida, particularmente da vida dos nascituros, que em nossa civilização contemporânea é muitas vezes ameaçada, a ponto de se poder pensar em ameaça programada. Hoje a ameaça se estende outrossim às pessoas idosas e doentes. As instâncias humanas, os Parlamentos democraticamente eleitos, usurpam o direito de determinar quem tem o direito de viver, e, vice-versa, quem deve sofrer a recusa desse direito, sem culpa da sua parte. De maneiras diferentes, o nosso século fez a experiência dessa atitude, especialmente durante a segunda guerra mundial, e também após o fim da guerra. O Prof. Jérôme Lejeune assumiu plenamente a responsabilidade peculiar do cientista, disposto a tornar-se um 'sinal de contradição', sem levar em conta as pressões exercidas pela sociedade permissiva nem o ostracismo do qual era objeto.
Vemo-nos hoje diante da morte de um grande cristão do século XX, de um homem para quem a defesa da vida se tornou um apostolado. Está claro que, na atual situação do mundo, essa modalidade de apostolado dos leigos é particularmente necessária. Desejamos agradecer a Deus hoje, a Ele, o Autor da Vida, por tudo o que foi para nós o Professor Lejeune, por tudo o que ele fez para defender e promover a dignidade da vida humana. Eu quisera agradecer-lhe especialmente a iniciativa de criar a Academia Pontifícia Pro Vita. Membro da Academia Pontifícia das Ciências, havia muitos anos, o Professor Lejeune preparou todos os elementos necessários a essa nova fundação e tomou-se o seu primeiro Presidente. Estamos certos de que ele doravante rogará à Sabedoria Divina em favor desta instituição tão importante, que, em grande parte, deve a ele a sua existência.
Cristo disse: 'Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá...'. Cremos que estas palavras se cumpriram na vida e na morte de nosso irmão Jerônimo. Que a verdade concernente à vida seja também uma fonte de força espiritual para a família do defunto, para a Igreja em Paris, para a Igreja na França e para todos nós, a quem o Prof. Lejeune deixou o testemunho realmente reluzante de sua vida homem e de cristão.
Na oração uno-me a todos os que participam das exéquias, e envio a todos, por intermédio do Cardeal-arcebispo de Paris, minha bênção apostólica.
Do Vaticano, 4 de abril de 1994
João Paulo Pp. II”
Esta bela carta foi lida na Catedral de Notre-Dame de Paris, repleta de fiéis e autoridades diversas, antes de se iniciar a Missa de corpo presente do Prof. Lejeune. A essa Missa assistiram também numerosas pessoas afetadas de alguma deficiência física ou mental, que, de cada lado do altar, testemunhavam a sua gratidão àquele que só vivera para as ajudar a viver e a viver melhor.
2. LEJEUNE SINTETIZA SEU PENSAMENTO
Aos 27/08/1991, o Prof. Lejeune proferiu no Auditório Petrônio Portella, do Senado Federal, uma conferência sobre Genética, mostrando que desde a fecundação do óvulo pelo espermatozóide existe um ser humano, que merece o respeito devido a qualquer pessoa; o óvulo fecundado se torna "a célula mais especializada sobre a Terra; nenhuma outra célula tem a mesma riqueza de instruções para desenvolver a vida". O conferencista terminou, proferindo o seguinte epílogo:
"Desejo resumir meu pensamento relativo à contracepção, ao aborto, a tudo o que disse até aqui.
Desejo lembrar-lhes que o homem é o único ser neste planeta que sabe existir uma relação natural entre o ato sexual e a procriação. O mais astuto chimpanzé nunca saberá que existe uma relação entre o fato de cruzar com sua mona e a aparição, nove meses depois, de um macaquinho parecido com ele. Ele não é capaz de compreender essa relação. O ser humano sempre entendeu isso.
Tanto isso é verdade que os antigos, para traduzir a paixão amorosa e o prazer do sexo, representavam-nos por um menino - o cupido. E todos entendiam o seu significado.
Disto se pode concluir que o comportamento sexual do homem é certamente o que mais o distingue dos demais seres vivos, porque só ele sabe que as crianças são o fruto do amor. Portanto, no comportamento sexual separar o prazer e o amor da reprodução e, por conseqüência, do filho, é um erro de método.
Isto pode ser assim resumido:
a pílula significa fazer amor sem fazer filho,
a fecundação extra corpórea significa fazer filho sem fazer amor,
o aborto significa desfazer o filho,
a pornografia e a promiscuidade significam desfazer o amor.
Nada disso é compatível com a dignidade humana".
Segue-se outro documento, ou seja, o texto do compromisso assumido por cada membro da Nova Academia Pontifícia Pro Vita. É um testemunho e um programa.
3. COMPROMISSO
"Diante de Deus e dos homens, nós, servidores da vida, declaramos que todo membro da nossa espécie é uma pessoa. A dedicação devida a cada um não depende nem da sua idade, nem da enfermidade que o possa acabrunhar. Desde a sua conceição até os seus últimos instantes, é o mesmo ser humano que se desenvolve, amadurece e morre.
Os direitos da pessoa são, sem dúvida alguma, inalienáveis. O ovo fecundado, o embrião, o feto não pode ser dado nem vendido. O seu desenvolvimento contínuo, no seio materno, não lhe pode ser denegado. Ninguém tem o direito de o submeter a exploração, qualquer que seja. A ninguém, nem ao pai, nem à mãe, nem a alguma autoridade, compete atentar contra os seus dias.
Eis por que a vivissecção, o abortamento, a eutanásia não podem ser Praticados por um servidor da vida.
Declaramos igualmente que as fontes da vida devem ser preservadas.
O genoma humano, do qual cada geração é apenas um depósito não pode ser objeto de especulações ideológicas ou mercantis. As respectivas fórmulas não podem ser patenteadas.
Solícitos por perpetuar a tradição de Hipócrates e por conformar nossa praxe aos preceitos morais do magistério romano, rejeitamos toda deterioração deliberadas do genoma, toda exploração dos gametas e todo desvio das funções reprodutoras provocado intencionalmente.
O alívio do sofrimento e a cura das moléstias, a preservação da saúde a reparação dos erros hereditários são a meta de nossos esforços, ressalvado, porém, o respeito à pessoa humana".
O acadêmico que, por atitudes ou palavras públicas e deliberadas contradiga aos princípios enunciados nesta fórmula, perde imediatamente a sua condição de acadêmico.
Possa o testemunho do Dr. Jérôme Lejeune frutificar copiosamente entre os cientistas e no grande público!
Estevão Bettencourt O.S.B.
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