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quinta-feira, 15 de março de 2007

Aborto: quando começa um ser humano?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 305/1987)


Em síntese: O Prof. Jérôme Lejeune, geneticista francês, consultado pelo Senado norte-americano a respeito do ponto inicial da existência do indivíduo humano, elaborou um relatório cujo texto vai abaixo transcrito em Tradução portuguesa. Declara que, desde o momento da fecundação do óvulo pelo espermatozóide, há toda a informação genética necessária e sufi­ciente para formar um indivíduo novo. Basta deixar que se desenvolva nas condições exigidas pela natureza para que se percebam todos os sinais caracte­rísticos do ser humano; em conseqüência, não se pode, cientificamente fa­lando, duvidar de que logo após a concepção existe uma pessoa em forma­ção.

* * *

Logo no início do primeiro mandato do Presidente Ronald Reagan, instaurou-se nos Estados Unidos da América ardente polêmica a respeito do aborto: estava comprovado que naquele país uma criança sobre três era eli­minada antes de nascer. O Senado norte-americano, impressionado pela pro­blemática, pôs-se a considerá-la com seriedade. E, a fim de tomar posição, procurou informações dos cientistas a respeito do momento em que o con­cepto pode ser considerado autêntico indivíduo humano, pois tal questão é decisiva para se definirem os direitos da criança. Em vista de uma resposta, foi consultado, entre outros, o Prof. Jérôme Lejeune, francês; os títulos e méritos deste mestre e a sua posição se acham expostos no texto que trans­crevemos a seguir e que corresponde ao relatório apresentado à Comissão Senatorial encarregada do inquérito, aos 2 de abril de 1981. O próprio au­tor deu a seu trabalho o título de

TESTEMUNHO

"Meu nome é Jérôme Lejeune. Doutor em Medicina e Doutor em Ciências, sou responsável pela Clínica e pelo Laboratório de Genética do Hospital de Pediatria destinado aos pacientes feridos por debilidade mental.

Após ter pesquisado em tempo integral durante dez anos, tornei-me Profes­sor de Genética Fundamental na Universidade René Descartes.

Há cerca de 23 anos descrevi a primeira doença cromossômica em nos­sa espécie devida ao cromossomo 21 extra-numerário, típico do mongolis­mo. Em conseqüência, tive a honra de receber o Prêmio Kennedy das mãos do falecido Presidente e a William Allen Memorial Medal da Sociedade Americana de Genética Humana. Sou membro da American Academy of Arts and Sciences.

Com meus colegas do Instituto de Genética de Paris, nos dedicamos à descrição das etapas fundamentais da hereditariedade humana. Pelo estudo comparativo de numerosas espécies de mamíferos, inclusive os símios antro­póides, estudamos as variações cromossômicas registradas no decorrer da evolução. Na espécie humana, analisamos mais precisamente os efeitos des­favoráveis de certas aberrações cromossômicas:

Nestes anos demonstramos pela primeira vez que uma doença cromos­sômica pode ser combatida por um tratamento adequado. . . Mostramos que um tratamento químico pode curar a lesão cromossômica em culturas de tecidos. Mais: uma dosagem apropriada de produtos químicos (monocarbo­natos e suas moléculas vetoras) melhora simultaneamente o comportamento e as atividades mentais das crianças afetadas. Assim a pesquisa meticulosa realizada sobre certos mecanismos da vida pode levar a uma proteção direta de vidas humanas em perigo.

Quando começa um ser humano?

Desejo trazer a esta questão a resposta mais exata que a ciência pode atualmente fornecer.

A biologia moderna ensina que os ancestrais são unidos aos seus descendentes por um liame material contínuo, pois é da fertilização da célula feminina (o óvulo) pela célula masculina (o espermatozóide) que emerge um novo indivíduo da espécie humana. A vida tem uma longa história, mas cada indivíduo tem o seu início muito preciso, o momento de sua conceição.

O liame material é o filamento molecular do ADN. Em cada célula re­produtora, essa fita, de um metro de comprimento aproximadamente, é cortada em segmentos (23) na nossa espécie). Cada segmento é cuidadosa­mente enrolado e empacotado (como uma fita magnética em minicassete, tanto que no microscópio aparece como um bastonete: um cromossomo.

Desde que os 23 cromossomos do pai se juntam aos 23 cromossomos da mãe, está coletada toda a informação genética necessária e suficiente para exprimir todas as características inatas do novo indivíduo. Isto se dá à seme­lhança de uma minicassete introduzida num gravador; sabe-se que produz uma sinfonia. Assim também o novo ser começa a se exprimir logo que foi concebido.

As ciências da natureza e as ciências jurídicas falam a mesma lingua­gem. A respeito de um indivíduo que goza de boa saúde, o biólogo diz que tem boa constituição; a respeito de uma sociedade que se desenvolve harmo­niosamente para o bem de todos os seus membros, o legislador afirma que ela tem uma Constituição equilibrada.

Um legislador não consegue entender uma lei particular antes que to­dos os seus termos tenham sido clara e plenamente definidos. Mas, quando toda essa informação lhe é oferecida e a lei foi votada, ele pode ajudar a de­finir os termos da Constituição.

Como trabalha a natureza?

Trabalha de modo análogo. Os cromossomos são as tábuas da lei da vi­da; quando eles são reunidos no novo indivíduo (a votação da lei é figura da fecundação do óvulo pelo esperma, eles descrevem inteiramente a Consti­tuição dessa nova pessoa.

É surpreendente a miniaturização da escrita. É difícil crer, embora este­ja acima de qualquer dúvida, que toda a informação genética, necessária e suficiente para construir nosso corpo e até nosso cérebro (o mais poderoso engenho para resolver problemas, capaz até de analisar as leis do universo, possa ser resumida a tal ponto que seu substrato material possa subsistir na ponta de uma agulha!

Mais impressionante ainda é a complexa soma da informação genética por ocasião do amadurecimento das células reprodutoras, a tal ponto que cada concepto recebe uma combinação inteiramente original, que nunca se produziu antes e que não se reproduzirá tal qual no futuro. Cada concepto é único e, portanto, insubstituível. Os gêmeos idênticos e os hermafroditas verdadeiros são exceções à regra: cada ser humano é uma combinação gené­tica. E notemos que as exceções devem ocorrer no momento da conceição. Acidentes posteriores não levam a um desenvolvimento harmonioso.

Todos estes fatos são conhecidos há muito tempo; todos os cientistas já outrora estariam de acordo em dizer que, se existissem bebês de proveta, eles evidenciariam a autonomia do concepto; a proveta não possuiria ne­nhum título de propriedade sobre eles. Ora os bebês de proveta já existem.

Experiências recentes

Quantas células são necessárias para a construção de um indivíduo? - A resposta nos é dada por experiências recentes.

Se conceptos precoces de camundongos são tratados com enzimas, as suas células se desagregam. Se, porém, misturarmos tais suspensões celulares provenientes de embriões diferentes, veremos que as células voltam a se reu­nir. O número máximo de células que operam para a elaboração de um indi­víduo, é três.

O ovo fecundado normalmente divide-se em duas células; uma delas se divide imediatamente de novo. Assim se forma o número ímpar e surpreen­dente de três células, encapsuladas em seu invólucro protetor.

Segundo os nossos mais adiantados conhecimentos, a individuação (ou a formação de três células fundamentais) é a primeira etapa após a concep­ção, à qual se segue dentro de poucos minutos.

Tudo isto explica por que os doutores Edwards e Steptoe puderam ser testemunhas de fecundação, em proveta, de um óvulo da Sra. Brown por um espermatozóide do Sr. Brown. O minúsculo concepto que eles implantaram alguns dias mais tarde no útero da Sra. Brown, não podia ser nem um tumor, nem um animal. Era, na verdade, a extremamente jovem Luísa Brown, que tem hoje a idade de três anos.

A viabilidade do concepto é extraordinária. Por experiência, sabemos que um concepto de camundongo pode ser congelado ao frio intenso (até de - 269 graus) e, depois de reaquecimento delicado, ser implantado com êxi­to. Para que haja o ulterior crescimento, requer-se necessariamente a acolhi­da numa mucosa uterina que forneça a alimentação apropriada à placenta embrionária. No interior da sua cápsula vital, que é a bolsa amniótica, o no­vo indivíduo é tão viável quanto um astronauta dentro do seu escafandro sobre a Lua: o abastecimento de fluidos vitais deve ser fornecido pelo organismo da mãe. Esta alimentação é indispensável à sobrevivência, mas ela não "faz" a criança; da mesma forma nem a nave espacial mais aperfeiçoada pode produzir um astronauta. Esta comparação ainda é mais significativa quando o feto se mexe. Graças a uma aparelhagem ultra-sônica muito requintada, o professor Ian Donald, da Inglaterra, conseguiu produzir no ano passado um filme que mostra a mais jovem "estrela" do mundo, ou seja, um bebê de onze semanas a dançar no útero materno. O bebê, pode-se dizer, brinca no trampolim! Do­bra os joelhos, apoia-se sobre a parede, levanta-se e recai. Visto que o seu corpo tem a densidade do fluido aminiótico, ele não sente a gravidade e dan­ça muito lentamente, com uma graça e uma elegância totalmente impossí­veis em algum outro lugar da terra. Somente os astronautas, em suas condi­ções de não gravidade, conseguem tal suavidade de movimentos. A propósito notamos que, quando se tratava da primeira caminhada no espaço, os técni­cos tiveram que escolher o lugar onde desembocariam os tubos portadores dos fluidos vitais. Escolheram então finalmente a fivela do cinturão do esca­fandro, reinventando assim o cordão umbilical.

Quando tive a honra de dissertar perante o Senado, tomei a liberdade de evocar o conto de fada do homem menorzinho do que o dedo mindinho.

Com dois meses de idade, o ser humano tem menos de um polegar de comprimento, desde o ápice da cabeça até a ponta do traseiro. Ele estaria muito à vontade numa casca de nozes, mas tudo já se encontra nele: as mãos, os pés; a cabeça, os órgãos; o cérebro, tudo está no seu lugar certo. O coração já bate há um mês. Olhando de mais perto, veríamos as dobras das suas palmas de mão e uma quiromante leria as mãos dessa minúscula pes­soa. Com uma boa lente de aumento, descobriríamos as marcas digitais. Tu­do estaria aí para se fazer a carteira de identidade civil desse indivíduo.

Com a extrema sofisticação da nossa tecnologia, podemos vislumbrar a vida privada dessa criaturinha. Aparelhos especiais gravam a música mais primitiva: um martelar surdo, profundo, regular, de 60/70 batidas por minu­to /o coração da mãe) e uma cadência rápida, aguda, de 150/170 batidas por minuto (o coração do feto) se sobrepõem, imitando os compassos de orques­tra e realizando os ritmos básicos de toda música primitiva, sem dúvida, por­que é a primeira que o ouvido humano consegue ouvir.

Assim observamos o que o feto sente, ouvimos o que ele ouve, prova­mos o que ele saboreia e vimo-lo realmente dançar, cheio de graça e de ju­ventude. A ciência transformou o conto de fada do Pequeno Polegar numa história verídica, história que cada um de nós viveu no seio de sua mãe.

E, para que melhor percebais a exatidão das nossas observações, acres­centamos: Se, logo depois da concepção, vários dias antes da implantação, uma única célula fosse retirada desse indivíduo semelhante a uma amora minúscula, poderíamos cultivar essa célula e examinar os seus cromossomos. Se um estudante, observando-a ao microscópio, não fosse capaz de reconhe­cer o número, a forma e o aspecto das fitas de seus cromossomos, se ele não soubesse dizer com certeza se essa célula provém de um símio ou de um ser humano, seria reprovado no exame.

Aceitar o fato de que, após a fecundação, um novo indivíduo come­çou a existir, já não é questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser humano, desde a concepção até a velhice, não é uma hipótese metafísi­ca, mas sim uma evidência experimental."

Até aqui o Prof. Jérôme Lejeune

As suas considerações não deixam dúvida sobre o fato de que, quando se extrai do seio materno um feto, é um verdadeiro ser humano que vem assim extraído e... quiçá condenado à mor­te!

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