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segunda-feira, 30 de abril de 2007

Maçonaria: maçonaria e Igreja Católica, ontem, hoje e amanhã.

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 260/1982)

Por Benimeli, Caprile e Alberton[1]


Em síntese: O presente livro historia as relações entre a Maçonaria e a Igreja Católica desde a fundação daquela. Procura mostrar que a Maçonaria em suas raízes e em sua linha tradicional não é anti-religiosa, mas, ao contrário, professa a fé no Grande Arquiteto do Universo; tornou-se anticristã ou irreligiosa na segunda metade do século passado nos paises latinos da Europa e da América. Esta secção irreligiosa da Maçonaria teve grande repercussão no Brasil e marcou profundamente a imagem das Lojas em nosso país. Todavia, segundo os autores em pauta, tal corrente é minoritária dentro da Maçonaria; esta, em sua parte preponderante, continua fiel às suas tradições deístas do século XVIII, despreocupada de questões religiosas ou mesmo disposta a aproximar-se da Igreja Católica.

Como se vê, o livro tenta desfazer a imagem negra da Maçonaria no mundo e, especialmente, no Brasil, em proveito do diálogo Igreja-Maçonaria. Os autores não julgam dirimentes as restrições feitas à Maçonaria pela Conferência Episcopal da Alemanha; cf. PR 25411981, págs. 78-96.

* * *

Comentário: Em 1980 foi dado a lume importante es­tudo sobre a Maçonaria e a Igreja Católica, a cargo de três especialistas no assunto: os PP. J.A.F. Benimeli, G. Caprile S. J. e V. Alberton S. J.

A primeira edição desta obra, em espanhol, esteve aos cuidados do Pe. Benimeli; datava do ano de 1965, embora, por razões de censura política, só tenha sido posta em circulação em 1968. Uma segunda edição, também em espanhol, atualizada e ampliada, saiu em 1977, já que entre 1965 e 1977 nas relações entre a Igreja Católica e a Maçonaria se verificaram acontecimentos de relevo.

A terceira edição saiu pouco depois em italiano por obra do Pe. Caprile S. J., beneficiando-se do teor de novos documentos publicados sobre o assunto.

Finalmente a quarta edição, revista e adaptada à realidade brasileira e portuguesa, se deve ao Pe. Valério Alberton S. J. e data de 1981.

O que a obra tem de valioso, é a apresentação de amplo documentário atinente às relações entre a Igreja e a Maçonaria desde 1738 até 1980 (não há aí menção da Nota da S. Congregação para a Doutrina da Fé datada de 17 de fevereiro de 1981 e comentada em PR 258/1981, págs. 305-313). Faltava ao público brasileiro um volume que lhe oferecesse, de forma autêntica, as declarações da Igreja sobre a Maçonaria e as da Maçonaria sobre Deus e a fé cristã. Esta coletânea, acompanhada de bons e interessantes comentários, facilitará ao estudioso tomar conhecimento da problemática “ Igreja-Maçonaria”, a respeito da qual só dispunha de notícias esparsas. Este conhecimento tem sua importância, pois “a Ordem maçônica brasileira é a mais numerosa do mundo latino, contando com 150.000 membros, segundo uma apreciação de Fr. Boaventura Kloppenburg O.F.M.” (ef. p. 15).

Nas páginas subseqüentes, procuraremos reproduzir os traços principais do livro em foco; ao que acrescentaremos algumas poucas observações.

1. O conteúdo do livro

Os autores da obra professam ter procurado tão somente conhecer a verdade histórica através de sereno espírito crítico. Segundo este seu intuito, transcrevem e analisam variados documentos e concluem que a Maçonaria tinha em suas origens (1723) uma configuração filosófico-religiosa que se foi alterando de maneiras diversas, a tal ponto que hoje é impossível proferir sobre ela um juízo global e monolítico.

É precisamente esta evolução das Lojas Maçônicas que interessa agora reconstituir na base dos textos reproduzidos pela obra em foco.

1.1. No século XVIII

A Maçonaria moderna tem seu surto em Londres. Deriva-se de corporações de pedreiros medievais que, após o século XVI, perderam a importância na vida pública; por isto resolveram admitir em seu grêmio intelectuais que lhes restaurassem o vigor e a influência e que, dos pedreiros medievais, guardariam os símbolos (esquadro, compasso, régua... ) assim como a obrigação do segredo[1]. Aos 28/02/1723 o pastor protestante James Anderson deu às Lojas de Londres as Constituições que regeriam a sua nova fase ou a Maçonaria propriamente dita[2].

Deve-se notar que o livro das Constituições de Anderson, tido como a Magna Carta ou o Corão da Maçonaria universal, professa a necessidade de religião para todo maçom; embora não se mostre propugnador direto do Cristianismo, é avesso ao ateísmo, como se depreende do artigo I

"1. Um maçom é obrigado a obedecer à lei moral, em virtude de seu título; e, se ele bem entender a arte, nunca será um ateu estúpido nem um irreligioso libertino. Posto que, nos tempos antigos, os maçons tivessem a obrigação de seguir a religião do próprio país ou nação, qualquer que ela fosse, presentemente julgou-se mais conveniente obrigá-los a praticar a religião em que todos os homens estão de acordo, deixando-lhes plena liberdade às convicções particulares.

Essa religião consiste em serem bons, sinceros, honrados, de modo que possam ser diferenciados dos outros. Por esse motivo, a Maçonaria é considerada como o centro de união e faculta os meios para se estabelecer leal amizade entre pessoas que, sem ela, não se conheceriam".

No tocante à política, diz a mesma Constituição

"2. Um maçom é submisso aos poderes civis onde quer que resida ou trabalhe, e jamais deve entrar em conspiração contra a paz e o bom andamento da administração; deve ser respeitoso e obediente aos magistrados...

3. Em Loja nunca devem encontrar eco os ressentimentos particulares e as questões, devendo todos abster-se de discussões sobre assuntos que digam respeito à religião e à administração do Estado, visto que os MM pertencem à religião universal, posto que de diferentes nações e idiomas.

Convencionou-se nunca falar sobre política, porquanto esta nunca contribuiu para o bem-estar da Loja nem jamais poderá fazê-lo. Isto deve ser sempre mantido e deverá ser estritamente observado".

A primeira autoridade a condenar a Maçonaria assim oriunda foi a do poder civil. Por exemplo, aos 14/09/1737, o Cardeal Fleury, primeiro Ministro de Luís XV da França, proibia toda reunião secreta, principalmente as dos freymaçons. Dois anos antes, idêntica proibição fora promulgada na Holanda, cujo exemplo parece ter sido seguido por muitos outros Governos da Europa.

Em tal contexto apareceu o primeiro documento da Igreja relativo à Maçonaria: a Constituição Apostólica In Eminenti, de 28/04/1738, assinada pelo Papa Clemente XII (1730 -1740). Lembrando que vários Governos haviam resolvido adotar medidas contra a ação invasora das sociedades secre­tas, o Papa, por sua vez, condenava tais sociedades, aduzindo como motivos:

- o recurso ao segredo e ao juramento existente nas Lojas Maçônicas. O segredo sugeria que em tais conventículos se sustentavam doutrinas heréticas e planos contrários à paz pública e ao bem da Igreja [4];

- o relativismo filosófico-religioso, que parecia resultar do fato de que em tais Lojas se reuniam homens de diversas religiões;

- “outros justos e razoáveis motivos por Nós conhecidos”.

A propósito do segundo motivo, note-se que a reunião e a colaboração de homens de diversas crenças religiosas era algo de inédito e, portanto, aparentemente inaceitável aos católicos do século XVIII; parecia levar ao indiferentismo religioso ou a uma religiosidade natural chamada deísmo. – Hoje em dia, a experiência sem deixar de apontar tal perigo, evidencia casos em que a colaboração de católicos com não católicos em vista de fins humanitários pode ser útil e mesmo isenta do perigo de relativismo.

Quanto aos “ justos e razoáveis motivos” ainda alegados por Clemente XII, são hoje obscuros; embora os historiadores os tentem explicar, nenhuma sentença dos estudiosos satisfaz aos pesquisadores.

No século XVIII, o Papa Bento XIV, aos 18/05/1751 tor­nou a condenar a Maçonaria mediante a Constituição Providas, baseando-se nas mesmas razões que seu antecessor.

Os Papas Clemente XIII (1758-1769), Clemente XIV (1769-1774) e Pio VI (1775-1799) não emitiram documento condenatório à Maçonaria.

1.2. Na primeira metade do século XIX

A ação das sociedades secretas fez-se sentir com certa veemência no século XIX. Destacou-se desde os primeiros decênios a dos Carbonários, que tinham caráter político e lutavam pela unificação da península itálica. Fundada em 1797, a Carbonária tinha suas cerimônias de iniciação e seu ritual, que mesclava o simbolismo e a terminologia maçônicas com a mística cristã. Embora fosse independente da Maçonaria, a Carbonária facilmente era confundida com esta, e conseqüentemente foi prejudicial a esta.

Tal realidade provocou a Constituição Eclesiam a Iesu Christo de Pio VII (1800-1821) datada de 13/09/1821, que condenou a Carbonária e, ao mesmo tempo, todas as sociedades secretas, inclusive a Maçonaria.

Alguns anos depois, Leão XII (1823-1829), aos 13/03/1825, mediante a Constituição Quo graviora reiterou as condenações precedentes, exprimindo a convicção de que as sociedades secretas tramavam contra a Igreja e os poderes civis em geral.

Os Papas Pio VIII (1829-1830) e Gregório XVI (1831-1846) confirmaram, respectivamente nas encíclicas Traditi humilitati (24/05/1829) e Mirari vos (15/08/1832), as disposições de seus predecessores contra as sociedades secretas.

1.3. Na segunda metade do século XIX

Os Pontífices Pio IX (1848-1878) e Leão XIII (1878-1903) emitiram cerca de 350 documentos contra as sociedades secretas. Isto se entende pelo fato de que durante tal período a ação destas foi especialmente intensa na península itálica redundando na queda do Estado Pontifício em 1870.

De modo especial, a Maçonaria dita “latina” afastou-se cada vez mais dos seus princípios firmados em Londres pela Constituição de Anderson ; foi tomando características anti-eclesiásticas e atéias. Com efeito; ainda em 1849, o Grande Oriente da França adotava nova Constituição, que declarava ser a Maçonaria uma instituição eminentemente filantrópica, filosófica e progressista, que tinha como fundamento a crença em Deus e na imortalidade da alma. Mas, sob Napoleão III (1852-1870), a Maçonaria francesa, influenciada por elementos anti-romanos da política do Imperador, organizou intensa propaganda anticlerical. Levantou-se então forte onda anti-religiosa nas Lojas Maçônicas da Europa latina, a ponto que em várias delas foi supressa a antiga invocação maçônica “À Glória do Grande Arquiteto do Universo”. Em 1877 explodiu o cisma do Grande Oriente da França, seguido por outras correntes maçônicas, que riscaram de suas Constituições o artigo 1, artigo que precisamente impunha a obrigação, para todo maçom, de crer em Deus e na imortalidade da alma ; eliminaram também o juramento sobre a Bíblia, considerada como expressão da palavra e da vontade de Deus.

Tais Lojas maçônicas foram (e estão) excomungadas pela Grande Loja Universal da Inglaterra, que é tida como a Grande Loja Mãe do Mundo. Constituem o que se chama “a Maçonaria irregular” ... irregular porque dissidente dos princípios fundamentais que nortearam a Maçonaria nascente em Londres no século XVIII. As Lojas fiéis a tais normas são, por isto, chamadas “regulares”; existem principalmente nos países nórdicos (Inglaterra, Alemanha, Escandinávia... ), ao passo que a Maçonaria irregular se propagou pelos países latinos da Europa (França, Itália, península ibérica) e pela América Latina. - Verdade é que hoje em dia as diversas “obediências” ou ramificações da Maçonaria estão muito entrelaçadas, podendo-se encontrar lado a lado Lojas regulares e irregulares [5].

Como se compreende, a paulatina mudança de orientação da Maçonaria Francesa e, finalmente, a profissão de ateísmo desta e de outras correntes maçônicas justificaram, a novo título os pronunciamentos condenatórios dos Papas na segunda metade do século XIX.

Aos 20/04/1884, o Papa Leão XIII publicou a enciclica Humanum genus, que, em síntese, assim se refere à Maçonaria

"Vários príncipes e chefes de governo estiveram muito de acordo cem os Papas, tendo o cuidado seja de denunciar a sociedade maçônica perante a Sé Apostólica, seja de condená-la eles mesmos, promulgando leis de proteção, como a Holanda, a Áustria, a Suíça, a Espanha, a Baviera, a Savoia e outras partes da Itália". Depois de enumerar as acusações dos seus predecessores contra a Maçonaria, o Papa acentua que "o último e principal dos seus intentos é o de destruir, desde os fundamentos, toda a ordem religiosa e civil estabelecida pelo Cristianismo, promovendo à sua maneira outra ordem, com fundamento e leis tiradas das vísceras mesmas do naturalismo". Agora considere-se - prossegue o Papa - a conduta da "seita maçônica com relação à religião, especialmente onde ela tem maior liberdade de ação, e julgue-se se ê verdade ou não que todo o seu empenho consiste em pôr em ato a teoria dos naturalistas. Desde muito tempo se trabalha tenazmente para aniquilar na sociedade todo influxo do magistério e da autoridade da Igreja".

Esta encíclica tornou-se causa de grande impacto, mesmo no mundo maçônico, ocasionando numerosos comentários num e noutro campo.

Foi a Maçonaria antieclesiástica ou irregular que susci­tou no Brasil a chamada “Questão Religiosa” da qual foram vítimas dois bispos: D. Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1844-1878), de Olinda, e D. Antônio Macedo Costa, do Pará. Questões semelhantes ocorreram em outros países da América Latina no decurso do século passado. Tais conflitos contribuiram poderosamente para denegrir a figura da Maçonaria em geral aos olhos das autoridades eclesiásticas e dos fiéis católicos.

1.4. No século XX até 1974

Aos 27/05/1917 o Papa Bento XV promulgou o Código de Direito Canônico hoje ainda vigente, que recolhe a legislação anterior relativa às sociedades secretas em quatro cânones principais[6]:

Cânon 684: "Os fiéis fugirão das associações secretas, condenadas, sediciosas, suspeitas ou que procuram subtrair-se à legítima vigilância da Igreja".

O teor deste cânon, ainda um tanto genérico, se torna mais explícito e preciso na redação do cânon 2.331

"Os que dão o seu nome à seita maçônica ou a outras associações do mesmo gênero que maquinam contra a Igreja ou contra os legítimos poderes civis, incorrem ipso facto na excomunhão simplesmente reservada à Sé Apostólica".

O cânon 2336 especifica as sanções atribuídas aos clérigos e Religiosos

"Os clérigos que hajam cometido o delito de que tratam os cânones 2.334 e 2.335, devem ser punidos não somente com as penas estabelecidas nos cânones citados, mas também com a suspensão ou privação do mesmo benefício, ofício, dignidade, pensão ou encargo que possam ter na Igreja; os Religiosos, com a privação do ofício e da voz ativa e passiva e com outras penas, de acordo com as suas Constituições. Os clérigos e os Religiosos que dão o nome à seita maçônica ou a outras associações semelhantes, devem, além disto, ser denunciados à S. Congregação do S. Ofício".

Ainda, segundo o cânon 1.399, n° 8, são proibidos

" ...os livros que, tratando das seitas maçônicas ou de outras associações análogas, pretendem provar que, longe de serem perniciosas, elas resultam úteis à Igreja e à sociedade civil"[7].

Numa palavra: pode-se dizer que o Código de Direito Canônico reproduz a condenação à Maçonaria, baseando-se precipuamente na índole subversiva atribuída à mesma. Foi esta nota que preponderou na configuração da Maçonaria desde os documentos de Pio IX e Leão XIII. A Maçonaria ficou sendo equiparada às sociedades que tramam contra a Igreja ou contra as autoridades legítimas.

Entrementes em todo o decorrer do século XX membros da Igreja e da Maçonaria procuraram aproximação e diálogo; foi-se tornando claro que a Maçonaria não é um bloco monolítico, mas consta de mais de uma orientação compreendendo a Maçonaria dita “regular” e a Maçonaria “irregular”; há, sim, Lojas maçônicas que conservam princípios deístas ou mesmo cristãos (caso os seus componentes sejam majoritariamente cristãos), como há também Lojas que professam o ateísmo. Essas conversações entre católicos e maçons prepararam o ambiente dentro do qual a S. Igreja voltou a se pronunciar sobre a Maçonaria em 1974.

1.5. A Declaração de 1974

O diálogo entre católicos e maçons e as conclusões daí derivadas levaram vários bispos a perguntar à Santa Sé qual a reta interpretação a dar ao cânon 2335, que proíbe aos católicos, sob pena de excomunhão inscrever-se na Maçonaria.

A Santa Sé, para responder, houve por bem consultar diversas Conferências Episcopais a respeito da índole e das atividades da Maçonaria nos respectivos países.

Ora os depoimentos assim obtidos foram tão diversifica­dos que a Santa Sé julgou não poder alterar sua legislação a respeito. Mas declarou que, sendo o cânon 2335 uma lei penal, deve ele ser interpretado em sentido estrito; em conseqüência, só incide em excomunhão o católico que se inscreva em Loja maçônica realmente antieclesiástica e atéia; quem pertença a Loja inócua ou neutra do ponto de vista religioso, estará isento de excomunhão. O texto que apresenta estas determinações, foi assinado pelo Cardeal Franjo Seper, Prefeito da S. Congregação para a Doutrina da Fé e datado de 19,07/1974. Acha-se publicado à pág. 307 de PR 258/1981.

Era este o primeiro documento na história em que a S. Igreja admitia a possibilidade de existir algum tipo de Maçonaria não antagônica aos princípios cristãos. Tal posição resultava de atenta pesquisa da realidade da Maçonaria e correspondia, sem dúvida, à verdade dos fatos: a Maçonaria não é um bloco monolítico.

A Declaração de 19/07/74 muito contribuiu para aliviar a tensão até então existente entre católicos e maçons. Não deixou, porém, de suscitar mal-entendidos ou interpretações exageradas, pois algumas Conferências Episcopais, a quanto parece, exprimiram julgamentos globais sobre o caráter anti-religioso ou não da Maçonaria em seus respectivos países.

Diante destes fatos, a Nota de fevereiro de 1981, emitida pela S. Congregação para a Doutrina da Fé, realçava que somente à Santa Sé compete pronunciar-se sobre a Maçonaria como tal: cada bispo ou cada pastor de almas pronunciar-se-á tão somente sobre casos isolados de fiéis pertencentes ou desejosos de pertencer à Maçonaria.

Após expor a evolução da história das relações entre a Igreja e a Maçonaria os autores do livro em foco propõem a sua conclusão.

1.6. Conclusão

Os autores realçam o fato que a Maçonaria não é um bloco monolítico e, por conseguinte não pode ser julgada com uma só sentença por parte da Igreja Católica. Dever-se-á apagar da mente do público a idéia de que a Maçonaria se identifica com a anti-religião e a anti-Igreja. A atitude da Maçonaria na França, na Itália na Espanha e nos países latino-americanos muito contribuiu para generalizar entre os católicos em geral um juízo negativo sobre a Maçonaria em geral. O livro em foco, porém, observa que tal generalização é inoportuna, pois a Maçonaria irregular ou antieclesiástica constitui minoria frente às Lojas regulares; com efeito, existem “seis milhões de maçons a representar a obediência inglesa ou ortodoxa, ao passo que somente quarenta ou cinqüenta mil seguem a posição latina e desviada dos Grandes Orientes infeccionados de ateísmo e anticlericalismo laicista” (pág. 60s).

"A maior parte das obras publicadas sobre a Maçonaria num sentido polêmico - e são muitos milhares - tratam da Maçonaria irregular, em qualquer de suas versões: francesa, italiana, espanhola, belga, etc. Os maçons têm sido combatidos precisamente pelo que a Maçonaria não é, ou mais exatamente pelo que não deveria ser e que se concretizou em vários países ao eliminar-se a obrigação da crença em Deus como atitude espiritual fundamental de todo maçom. Então se favoreceu mais um statu quo de mal-entendidos, de incidentes, de lutas públicas, cujas ressonâncias identificaram, na opinião pública, a doutrina maçónica com o ateísmo ativo, as Lojas com os adversários militantes da religião cristã e sobretudo da Igreja Católica.

E, não obstante, no mundo inteiro a autêntica Maçonaria é exatamente o oposto de uma tal atitude, já que ela admite, como membros, somente postulantes que acreditam em Deus, dos quais exige fidelidade aos compromissos com juramento sobre o Livro Sagrado de uma religião" (livro analisado, p. 56s).

Em nota observam os autores:

"Nos países nos quais prospera a Maçonaria regular, as relações com a autoridade civil são normais, boas e leais; na Dinamarca, na Suécia e na Inglaterra o grão-mestre costuma ser o rei mesmo ou qualquer outro membro da família real; nos Estados Unidos não menos de treze presidentes, até 1965, ocuparam o mesmo cargo. Tal atitude é obviamente incompatível com as pretensas maquinações contra os poderes legítimos e segurança do Estado" (ob. cit., pág. 57, nota 30).

Em conseqüência, os autores preconizam o diálogo, que será apto a desfazer preconceitos equívocos. “Desejá-lo, animá-lo, tentá-lo, conduzi-lo prudentemente no seu desenvolvimento não significa trair a fé católica, nem abrir as portas a supostos inimigos, nem ceder em pontos irrenunciáveis. Importa apenas paciente pesquisa dos pontos comuns de entendimento, desejo de intercâmbio de bens reais possuídos por cada um, esforço perseverante para que a Verdade (sem adjetivo possessivo algum) sempre vença em busca da união para o bem de todos” (ob. Analisada, pág. 202).

Procuremos agora formular uma apreciação sobre o livro em pauta.

2. Uma avaliação

Como dito, a obra de Benimeli, Caprile e Alberton é valiosa na medida em que oferece ao público uma rara coletânea de pronunciamentos da Igreja e da Maçonaria, assim como de fontes úteis para se estudar a história da Maçonaria e ponderar o seu conteúdo e significado hoje em dia. Merecem louvor os autores que se dedicaram a tão minuciosa e paciente pesquisa de textos e documentos históricos.

Os autores, por sua documentação, evidenciam quão acertada foi a atitude da Igreja assumida em 1974, no sentido de reconhecer dois tipos de Maçonaria: a que trama contra a religião e a que não trama. Na situação presente ou diante da evidência dos fatos apregoam o diálogo e a procura de mútua compreensão entre católicos e maçons - o que certamente é válido, contanto que se evite qualquer tipo de relativismo ou falso irenismo. O diálogo poderá contribuir para dissipar preconceitos onde existam.

Quer-nos, parecer, porém, que a questão das relações entre a Igreja e a Maçonaria enfrenta outro problema em plano mais profundo.

Com efeito. Distinga-se entre Maçonaria regular e Maçonaria irregular.

A Maçonaria irregular, anti-religiosa não oferece condições para que a Igreja Católica a aprove; é a Maçonaria irregular que se coloca contra a Igreja.

Quanto à Maçonaria regular, ela professa, sem dúvida a existência do Grande Arquiteto do Universo e respeita a religião. Por este lado parece convir com o que ensina o Catolicismo. Todavia, numa perspectiva, católica, deve-se-lhe observar que a proclamação da existência do Grande Arquiteto do Universo é algo de racional ou filosófico deixando os seus adeptos no plano da religião natural ou do chamado “deísmo”. Para o fiel católico, Deus é o Pai que se revela por Jesus Cristo - Deus e homem; esta revelação dá origem à religião sobrenatural ou ao teísmo. A rigor, o católico não pode deixar de invocar Deus come uno e trino, como Redentor e Santificador dos homens. Ora o fato de que a Maçonaria fala de Deus, mas silencia as grandes verdades reveladas (para assim poder receber em seu grêmio homens de diversas crenças religiosas) sugere aos pensadores católicos certas restrições. Tal atitude da Maçonaria, se não suscita o ateísmo e o materialismo, pode suscitar o relativismo ou certo indiferentismo religioso ; foi precisamente esta observação, associada a outras ponderações congêneres, que inspirou aos bispos alemães a conclusão de que não é possível alguém ser católico e maçom ao mesmo tempo. Cf. PR 254/1981, págs. 78-79.

Estas reflexões dão a ver quanto a Maçonaria é complexa e, por conseguinte, como será difícil chegar a um relacionamento unívoco da Igreja com a Maçonaria como tal. Em vista desta complexidade, parece que é e será sábio, para a Igreja, assumir atitude diversificada diante da Maçonaria: a Igreja se absterá de pronunciamentos generalizados e monolíticos sobre a mesma; o julgamento será pronunciado pelos pastores de almas em vista de cada caso de fiel católico que deseje entrar em determinada Loja ou faça parte desta ou daquela Loja definida.

Para evidenciar mais ainda quão delicado é o problema das relações “Igreja e Maçonaria” transcrevemos abaixo a Nota da Grande Loja Nacional Francesa (Neuilly), que, em oposição ao Grande Oriente de França, fez as seguintes declarações em 1961

"Para evitar qualquer equívoco, a Grande Loja Nacional Francesa de Neuilly, única Maçonaria de França reconhecida por toda a Maçonaria universal regular, esclarece que não pode haver maçonaria 'regular' fora dos seguintes princípios invariáveis

- Crença em Deus, Pessoa divina, Grande Arquiteto do Universo.

- Crença em sua vontade revelada e expressa no Livro da Santa Lei.

- Crença na imortalidade da alma.

Além disso, em suas Lojas proíbe-se toda discussão ou polêmica de ordem social, política ou religiosa.

Os ritos que emprega, se referem, como os dos maçons operativos, ao simbolismo tradicional do ofício e da arte real. Unindo no tempo e no espaço o Oriente e o Ocidente, elevam-se às fontes escriturísticas inspiradas do Antigo e do Novo Testamento.

Todas as obrigações de seus membros e de sua hierarquia são tomadas 'em presença de Deus Todo-poderoso', sobre o Livro da Santa Lei correspondente à sua crença.

A Grande Loja Nacional Francesa (Neuilly) propõe-se trabalhar, segundo os antigos rituais da Ordem, para o aperfeiçoamento moral e espiritual de seus membros e a prática de uma caridade fraterna ativa e vivificante. Entende ficar completamente à margem das discussões e lutas que não lhe dizem respeito. Particularmente, proíbe-se tudo o que poderia ser considerado como maquinação contra a Igreja ou os legítimos poderes civis.

A Grande Loja não pode deixar de alegrar-se ao ver nascer um clima de melhor compreensão entre os que, a todo momento, põem sua única esperança em Deus" (La Grande Logo Nationale Française et I'Eglise Catholique, págs. 11-13).

Tal declaração da Grande Loja Nacional Francesa é assaz expressiva. Infelizmente, porém, não corresponde ao modo de pensar de numerosas Lojas da própria França.

Em suma, o livro de Benimeli, Caprile e Alberton certamente constitui um passo positivo para dirimir dúvidas e possibilitar o claro posicionamento dos católicos frente à Maçonaria.

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NOTAS:

[1] BENIMELI, J. A. F., CAPRILE, G., ALBERTON, v., Maçonaria e Igreja Católica ontem, hoje e amanhã. Ed. Paulinas, São Paulo 1981, 135x205 mm, 319 págs.

[2] A obrigação de segredo referente à arte e à profissão de determinada categoria de trabalhadores era comum na Idade Média. Ainda hoje ocorre em certas famílias que cultivam tradicionalmente determinado ofício (confecção de instrumentos musicais, de relógios... ).

[3] Vê-se, pois, que atualmente a Maçonaria nada tem que ver com confrarias de iniciados ou "iluminados" da antigüidade pré-cristã ou dos primeiros tempos do Cristianismo.

[4] O Papa Bento XIV (1740-1758), que em 1751 também condenou a Maçonaria, explicitou o repúdio ao segredo, citando urna frase de Minúcio Félix, escritor cristão do século II: "As coisas honestas gozam sempre da publicidade; as criminosas buscam o segredo".

[5] "Dada a grande diversidade de ritos e obediências, tal divisão por zonas geográficas não deve ser interpretada muito rigorosamente, no sentido em que todos os maçons de um determinado território sejam de uma só ou de outra obediência" (livro analisado, pág. 57, nota 31).

[6] A legislação da igreja concernente à Maçonaria está para ser reformada. Aqui referimos o conteúdo do livro em pauta, que ficará em vigor até a promulgação do novo Código de Direito Canônico.

[7] Verdade é que já não existe índice de Livros Proibidos desde a Notificação Post litteras apostolicas de 14/06/1966. Cada fiel católico há de avaliar em consciência se lhe é necessário ou não ler obras que se oponham às verdades ou aos princípios da fé e da


Um comentário:

Miguel Nolasco disse...

Há um editorial de PR, salvo engano de 2005 ou, no máximo, inícios de 2006, em que D. Estêvão traduz um artigo de um professor francês, a respeito da ideologia maçônica, desde os primórdios. É um texto muito elucidativo; infelizmente, não sei o número da revista.