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terça-feira, 24 de abril de 2007

Igreja, única: a única Igreja de Jesus Cristo

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 293/1986)

Este artigo se deve a D. Boaventura Kloppenburg O.F.M., Bispo Auxiliar de Novo Hamburgo (RS), que, com grande acume teológico, estuda certo re­lativismo eclesiológico que vai sendo difundido em nossos dias. Com efeito, segundo alguns, as diversas denominações cristãs seriam equivalentes entre si, de modo que ser católico, ser batista, ser presbiteriano, ser pentecostal... não faria diferença diante de Deus. Segundo outros, nenhuma denominação cristã preenche todas as exigências da Igreja que Cristo quis fundar, de modo que esta só se realizará no fim dos tempos. Como fundamento destas propo­sições errôneas, muitos invocavam dizeres do Concilio do Vaticano II: "A Igreja de Jesus Cristo subsiste na Igreja Católica, Apostólica confiada a Pe­dro". Ora Frei Boaventura, como teólogo perito (expert) do Concilio do Vati­cano II, explica o autêntico sentido de tal passagem do Concilio: este quis a­firmar que a Igreja Universal, confiada a Pedro, preenche todos os requisitos da Igreja fundada por Cristo, ao passo que as outras denominações cristãs só satisfazem a alguns (ora mais, ora menos numerosos) desses requisitos.

Agradecemos a D. Boa ventura a valiosa colaboração.

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1. O problema

"Até agora estávamos acostumados a nos considerar como a Igre­ja, única e verdadeira herança do legado apostólico da fé cristã", acusa o Pe. Paulo Homero Gozzi, S.S.S., na revista Vida Pastoral, de julho-agosto de 1986, página 2. Tal modo de ver, porém, garante, já não seria a dou­trina oficial da Igreja Católica desde o Concílio Vaticano II. Cita então o texto de um ante-projeto de documento sobre a Igreja apresentado ao Concílio em 1962, no qual se ensinava que somente a Igreja Católica é a única verdadeira Igreja de Jesus Cristo. Mas este texto, informa, "foi totalmente rejeitado pelos Bispos", e "o que não se conseguiu mudar em quinhentos anos, alterou-se completamente em apenas dois anos de de­bates". A doutrina certa do Vaticano II agora seria esta: "A Igreja de Cristo não é mais a Igreja Romana, nem se identifica mais com ela pura e simplesmente, mas subsiste nela". Depois explica: "O Concílio reconhece e admite que pertencem à única, verdadeira e indivisível Igreja de Cristo todos os batizados que professam a verdade do Deus Trino e confessam a Jesus Cristo como Senhor e Salvador, não só individualmente, mas também reunidos em assembléias (Decreto sobre o Ecumenismo, UR 1). Isto porque nasceu também uma nova consciência da fundação da Igreja e da entrega de seu governo, não mais sobre Pedro e seus sucessores, como aparecia no primeiro ante-projeto rejeitado, mas sobre os Apósto­los e seus sucessores. O papel de Pedro é coordenar o grupo de seus ir­mãos Apóstolos para mantê-lo unido (cf. Constituição sobre a Igreja, Lumen Gentium, Ill, n. 18)".

Assim manipula-se o Concílio. O que lhe é atribuído no número 1 do Decreto sobre o Ecumenismo, lá não está. Se estivesse, seria real­mente doutrina inaudita. O documento, na alínea 2 do citado número 1, fala não da Igreja, mas do movimento ecumênico, afirmando então que deste movimento participam "os que invocam o Deus Trino e confessam a Jesus como Senhor e Salvador, não só individualmente, mas também reunidos em assembléias".O articulista simplesmente trunca o texto do Vaticano II. E o que afirma com base no número 18 da Lumen Gen­tium (LG), também se distancia da doutrina do Concílio. No citado nú­mero 18, alínea segunda, o Vaticano II simplesmente reafirma a doutrina do Vaticano I sobre a instituição, perpetuidade, poder e natureza do sacro Primado do Romano Pontífice, propondo-a "novamente para ser criada firmemente por todos os fiéis". Deste contexto conclui o autor que o go­verno da Igreja não mais repousa sobre Pedro e seus sucessores, mas sobre os Apóstolos e seus sucessores! O papel de Pedro seria apenas o de "coordenar o grupo de seus irmãos Apóstolos para mantê-lo unido". Na realidade, a doutrina sobre o Primado de jurisdição, explicitamente reafirmada pelo Vaticano II, vai muito além da mera função de coordena­ção. Definiu o Vaticano I que ao Sucessor de Pedro não cabe apenas a tarefa de inspeção ou direção, e sim "o pleno poder de jurisdição sobre toda a Igreja, não só nas coisas referentes à fé e aos costumes, mas tam­bém nas que se referem à disciplina e ao governo da Igreja universal" (Dz 1831). Sem limite de tempo, pessoa, lugar e coisas, seu poder se estende individualmente ou coletivamente sobre todos os fiéis, todos os pastores, todos os ritos, em questões de doutrina da fé, de moral, de governo, de liturgia, de costumes (Dz 1827). E o Vaticano II, na Lumen Gentium, n. 22b insiste neste ensinamento: "O Colégio ou o Corpo episcopal não tem autoridade se nele não se considerar incluído, como cabeça, o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, e permanecer intacto o poder primacial do Papa sobre todos, quer Pastores quer fiéis. Pois o Romano Pontífice, em virtude de seu múnus de Vigário de Cristo e Pastor de toda a Igreja, pos­sui na Igreja poder pleno, supremo e universal. E ele pode sempre livre­mente exercer este seu poder".

Nem é verdade que aquele texto provisório apresentado em 1962 ao Concílio "foi totalmente rejeitado pelos Bispos", pelo simples fato de jamais ter sido objeto de votação.

Mais desconcertante, todavia, é a conclusão que o articulista da Vi­da Pastoral tira da substituição do verbo "est" (é) pelo verbo "subsistit in" no atual número 8, segunda alínea, da Lumen Gentium: "A Igreja de Cristo não é mais a Igreja Romana, nem se identifica mais com ela pura e simplesmente, mas subsiste nela". Também o Sr. Luiz Carlos Araújo, Profecia e Poder na Igreja (Paulinas 1986) argumenta com o "subsistit in", para inferir que "todas as Igrejas cristãs estão sendo, em graus dife­rentes, a Igreja de Cristo" (p. 21). Já antes, em Igreja: Carisma e Poder (Petrópolis 1982), Frei Leonardo Boff, O.F.M., se baseara no mesmo "subsistit in" para deduzir que a Igreja de Cristo "pode subsistir também em outras Igrejas cristãs" (p. 125). Nega-se assim a doutrina de fé sobre a unicidade da Igreja de Cristo.

2. Que ocorreu de fato no Concílio?

Na Comissão de Doutrina, na qual eu estava presente na qualidade de "peritus" , encarregada da redação do texto sobre a Igreja, discutia-se a segunda alínea do número 8. Nela se ensinava que a única Igreja de Je­sus Cristo, que no Símbolo confessamos una, santa, católica e apostólica e que nosso Salvador, depois de sua gloriosa ressurreição, entregou a Pedro para a apascentar e confiou a ele e aos demais Apóstolos para a propagar e reger, constituída e organizada neste mundo como uma so­ciedade, "é a Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele, embora fora de sua visível estrutura se encontrem vários elementos de santificação e verdade". Após demorado debate, do qual participei pessoalmente, o "este" foi substituído por "subsistit in". Todo o resto do texto ficou exatamente como estava e ain­da hoje está. Por que se fez a mudança? Na relação oficial, a Comissão explica que com este verbo o texto se adaptou melhor à afirmação acerca dos "elementos eclesiais de santificação e verdade" presentes também em outras denominações cristãs, algumas das quais, como as orientais, sempre foram consideradas até mesmo como "Igrejas" (a locução "Igre­jas Orientais" não foi inventada pelo Vaticano II): "ut expressio melius concordet cum affirmatione de elementis ecciesiasticis quae alibi adsunt". (este grifo está no original).

Era, pois, intenção do Concílio Vaticano II ensinar que a una e única Igreja, como Jesus Cristo a quis e fundou, existe historicamente e como tal é hoje cognoscível; e que sua forma existencial concreta é a Igreja que está sendo dirigida pelo Sucessor de Pedro. Ao mesmo tempo, porém, reconhecia que vários elementos ("plura elementa") eclesiais queridos por Cristo estão presentes ("adsunt") em Igrejas e Comunidades separa­das de Roma. Isto é: a "eclesialidade" não se identifica sem mais ("est") com a Igreja Católica, mas incompletamente ou imperfeitamente (segun­do o maior ou menor número de elementos eclesiais presentes); ela, a eclesialidade, se encontra outrossim nas Igrejas ou Comunidades separa­das. Num voto modificativo (o "placet iuxta modum") 19 votantes suge­riram então que se dissesse "subsistit integro modo in", isto é, a Igreja de Jesus Cristo se realiza de modo completo, perfeito ou pleno na Igreja Católica, insinuando que ela se realiza nas outras denominações de modo não perfeito ou pleno. A Comissão respondeu que tal doutrina se encon­tra mais adiante, no número 14. Veja-se sobre isso meu estudo A Eclesiologia do Vaticano II, pp. 59-64, livro que a Editora Vozes retirou do comércio.

Esta, pois, é a doutrina clara e firme do Concílio Vaticano II: "Uni­camente por meio da Igreja Católica, que é o auxílio geral da salvação, se pode conseguir a total plenitude dos meios de salvação. Cremos que o Senhor confiou todos os bens da Nova Aliança a um único Colégio apostólico, a cuja testa está Pedro, a fim de constituir na terra um só Cor­po de Cristo, ao qual é necessário que se incorporem plenamente todos os que de algum modo pertencem ao Povo de Deus" (UR 3e.).

3. Documentos complementares

Quando Leonardo Boff, no citado livro, concluiu do "subsistit in" que a Igreja de Cristo "pode subsistir também em outras Igrejas cristãs", um documento especial de Santa Sé sobre aquele livro (Notificação da Congregação para a Doutrina da Fé, de 11-03-1985) rejeitou semelhante exegese conciliar como "exatamente contrária à significação autêntica do texto conciliar". E a Notificação sobre o livro de Leonardo Boff explica: "O Concilio tinha escolhido a palavra subsistit exatamente para esclarecer que há uma única subsistência da verdadeira Igreja, enquanto fora de sua estrutura visível existem somente elementa Ecclesiae, que - por serem elementos da mesma Igreja - tendem e conduzem em direção à Igreja Católica". E manda ver a Declaração Mysterium Ecclesiae, de 24-06-1973, na qual se reafirmava:

"Os católicos têm o dever de professar que, por misericordioso dom di­vino, pertencem à Igreja que Cristo fundou e que é dirigida pelos sucessores de Pedro e dos demais Apóstolos, nos quais persiste íntegra e viva a primigê­nia instituição e a doutrina da comunidade apostólica e o patrimônio perene da verdade e a santidade da mesma Igreja. Por isso não é lícito aos fiéis imaginar que a Igreja de Cristo seja simplesmente um conjunto - sem dúvida dividido, apesar de conservar ainda alguma unidade - de Igrejas e comunidades eclesiais; e de nenhuma maneira são livres para opinar que a Igreja de Cristo não exista mais hoje em lugar nenhum, de forma que se deva considerá-la como uma meta a ser procurada por todas as Igrejas e comunidades"

Pois, como ensina o Concílio, a Igreja, de fato, se encontra plena­mente lá onde os sucessores de Pedro e dos outros Apóstolos realizam visivelmente a continuidade com as origens (LG 8b); e a unidade, que é um dom de Deus, de fato foi dada a esta Igreja "e nós cremos que ela subsiste inamissível na Igreja Católica"(UR 4c), dotada "de toda a verda­de revelada por Deus e de todos os meios da graça" (ib. 4f). E o Concílio Vaticano II é categórico quando assevera: "Por isso não podem salvar-se aqueles que, sabendo que a Igreja Católica foi fundada por Deus me­diante Jesus Cristo como instituição necessária, apesar disso não quise­rem nela entrar ou nela perseverar" (LG 14a). Mais severo ainda, adverte: "Não se salva contudo, embora incorporado à Igreja, aquele que, não perseverando na caridade, permanece no seio da Igreja 'com o corpo; mas não com o coração'. Lembrem-se todos os filhos da Igreja de que a condição eximia em que estão se deve não a seus próprios méritos, mas a uma peculiar graça de Cristo. Se a ela não corresponderem por pensa­mentos, palavras e obras, longe de se salvarem, serão julgados com maior severidade" (LG 14b).

Em documento de outra natureza, a Declaração Dignitatis huma­nae, sobre a Liberdade Religiosa, o Concílio não é menos claro, porém mais positivo: "Professa em primeiro lugar o Sacro Sínodo que o próprio Deus manifestou ao gênero humano o caminho pelo qual os homens, servindo a Ele, pudessem salvar-se e tornar-se felizes em Cristo. Cremos que esta única verdadeira Religião se encontra (subsistere) na Igreja Ca­tólica e Apostólica" (n. 1 b).

A Pontifícia Comissão Teológica Internacional publicou no ano pas­sado Temas Seletos de Edesiología (veja-se o texto completo português em SEDOC de abril de 1986, 921-966), dedicando o décimo capítulo ao tema da unicidade da Igreja. Sua conclusão é esta: "De nossa análise consta que a autêntica Igreja não pode ser entendida como uma utopia que visaria a atingir todas as comunidades cristãs hoje divididas e sepa­radas. A verdadeira Igreja, bem como sua unidade, não são exclusiva­mente uma realidade futura. Elas já se encontram na Igreja Católica, na qual está realmente presente a Igreja de Cristo".

4. Conclusão

A doutrina oficial da Igreja, por conseguinte, é sem dúvida esta: a única Igreja de Jesus Cristo de fato subsiste de modo pleno somente na Igreja Católica; nas outras Igrejas ou Comunidades separadas da Sé Apostólica de Pedro, ela subsiste apenas parcialmente, em diferentes graus de perfeição, segundo o maior ou menor número de elementos eclesiais substanciais nelas presentes.

E porque a Igreja de Jesus Cristo é uma só, a que foi edificada so­bre Pedro e que o próprio Salvador denomina "minha Igreja" (Mt 16,18), e unicamente nela se encontra a plenitude dos meios de salvação e santi­ficação, exorta o Documento de Puebla no n. 225: "Temos o dever de proclamar a excelência de nossa vocação à Igreja Católica", já que, como ensina belamente no n. 227, ela "é o lugar onde se concentra ao máximo a ação do Pai, que, na força do Espírito de amor, busca solícito os ho­mens para partilhar com eles - em gestos de indizível ternura - sua pró­pria vida trinitária".

Nossa abertura ao diálogo ecumênico não deve ser motivo para atenuar a clareza e a firmeza de nossa fé católica. Ainda neste ponto o Concílio Vaticano II é firme quando nos dá a seguinte regra: "É absolu­tamente necessário que a doutrina inteira seja lucidamente exposta. Nada é tão alheio ao ecumenismo quanto aquele falso irenismo, pelo qual a pureza da doutrina católica sofre detrimento e seu sentido genuíno e certo é obscurecido" (UR 11).

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Um comentário:

a palavra viva e eficaz disse...

Tu que se chamas "única", o teu verdadeiro nome ainda é e permanece Jacó, em todo seu significado. Não lutastes com o Anjo do Senhor e nem prevalecestes. O Espirito da Verdade não habita em vós, porque testemunhas e edificas dando ouvidos a espirito contrário às palavras do Senhor da Igreja. Tu andas para trás e um pouco mais deverias andar, pois poderias reencontrar-se com o primeiro amor e, com quebrantamento, jejuns e oração ao único Mediador, lhe serem tiradas as escamas que cobrem teus olhos, podendo contemplar toda tua nudez. Assim, quando falasses dos apóstolos e da igreja primitiva, por obra do Espirito Santo irias falar do que lhe devia ser próprio, praticando àquelas obras e não colocando, como fazes, aqueles servos do Deus vivo no mesmo caldeirão de suas abominações. Tu serias edificada sobre a pedra: "Jesus é o Cristo, o messias" e não sobre a pedra que afunda, quando tira os olhos do único que é digno de todo louvor e adoração. Certamente, agora sim, poderias ter um nome, o nome sobre todos os nomes, o único nome pelo qual importa ser salvo, o nome do Cabeça da Igreja. Daquela igreja que é visível porque é sal e luz sobre a terra e, daquela que é invisível, porque ao toque da trombeta, todos os santos - aqueles remidos pelo sangue do cordeiro que os torna irmãos de Pedro, de Paulo e todos os adoradores em Espirito e em Verdade - subirão aos ares ao encontro do seu Senhor! Aleluia!
saudações com a Paz de Nosso Senhor Jesus Cristo.