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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Espiritualismos: antroposofia?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 003/1958)

"Que é a Antroposofia e em que se distancia do Ca­tolicismo?"

1. A Antroposofia constitui uma Escola filosófica fun­dada por Rudolf Steiner (1861-1925). Este pensador até 1913 era o chefe da secção alemã da Sociedade Teosófica, então recém-fundada. Desentendeu-se, porém, com a Presidente desta, a Sra. Annie Besant, por causa das pretensões que Mme. Besant nutria, de apresentar ao mundo o novo Messias na pessoa de um jovem hindu, Krishnamurthi, o qual já es­taria na sua trigésima encarnação... Steiner, julgando que Mme. Besant abusava da credulidade de seus discípulos, re­solveu separar-se da Sociedade Teosófica para ensinar uma Teosofia remodelada, à qual foi dado o nome de Antropo­sofia.

2. Quais as principais doutrinas desta Escola?

O termo sofia (sabedoria, em grego) indica tratar-se de conhecimentos sapienciais, isto é, adquiridos não propria­mente pela experiência dos sentidos e pelo raciocínio da in­teligência (de que se serve, por exemplo, a Teologia), mas, sim, por uma intuição superior mística devida a faculdades especialmente apuradas de certos indivíduos. A fonte dessa sabedoria seriam tradições ocultas, oriundas da Atlântida (famoso continente que teria desaparecido) ou de arquivos e bibliotecas antiqüíssimas pertencentes ao Egito e ao Ori­ente. Essa sabedoria primordial haveria deixado de ser pa­trimônio comum dos povos, que em seu lugar foram crian­do as diversas formas de religião hoje conhecidas, todas in­feriores à explicação do mundo dada pelas concepções anti­gas ... Ora a Teosofia, recorrendo no século passado aos Mes­tres (Mahatmas) da índia, do Tibé, da Caldéia, do Egito, propunha-se cultivar de novo essa sabedoria primordial, fa­zendo convergir a sua atenção para Deus (Theós); Steiner, ao separar-se do teosofismo, não abandonou as grandes teses doutrinárias deste, mas preferiu explorar o que na ideologia primordial dizia respeito ao homem (donde Antroposofia, de ánthropos, homem).

Steiner julgava que a Teosofia fazia perder ao homem um pouco do seu equilíbrio e o desviava dos respectivos deveres sociais; a Teosofia incutiria uma atitude passiva, pro­metendo a intervenção de misterioso poder do alto. Por isto, o fundador do antroposofismo quis despertar nos seus discí­pulos o amor de um método, de uma disciplina imposta às faculdades superiores do homem, a fim de ampliar o raio de alcance do espírito. As teses, porém, que Steiner ensinava co­mo resultantes dessa disciplina, são em grande parte as mes­mas que as da Teosofia, a saber:

1) O Panteísmo ou Monismo. Deus seria a única reali­dade existente, da qual o mundo, espiritual e material, se originou por emanação; a substância divina seria impessoal, neutra, sempre em via de evolução no decorrer da história; em cada indivíduo humano ela estaria paulatinamente to­mando consciência de si mesma, até chegar à plenitude ou à perfeição; o homem é destarte uma manifestação de Deus, manifestação identificada com a Divindade.

2) A alma humana é um agregado de muitas partes, unidas entre si por relações assaz frouxas. Está claro que não lhe é imposta uma lei moral extrínseca, divina, pois al­ma e Divindade vêm a coincidir entre si; toca a cada indi­víduo descobrir dentro de si as normas de sua conduta prá­tica (o que dá margem, sem dúvida, a muita liberdade e ar­bitrariedade no plano moral).

3) O currículo de vida do homem nesta terra é condi­cionado pelas obras que o indivíduo tenha realizado em uma vida ou encarnação anterior. E' esta a inexorável lei do Karma; tudo que ocorre ao homem neste mundo é efeito e, ao mesmo tempo, causa: efeito em relação à encarnação pas­sada, causa em relação à futura. Mediante sucessivas des­cidas ao corpo, ou seja, através de longo período de tempo, a alma humana se purifica, passando aos poucos da sua ani­malidade inicial à plena consciência da sua identidade com a substância única, divina, do universo. Tendo atingido esta consciência, o homem perde naturalmente a sua personali­dade, que o singulariza, e mergulha-se no único grande To­do (estado do nirvana, que os conceitos comuns da nossa ex­periência não poderiam em absoluto descrever).

Em suma, o Panteísmo ou Monismo e a lei da reencarnação, eis as duas pilastras sobre as quais repousam tanto a ideologia teosofista como a antroposofista. Esta verificação é suficiente para incutir as diferenças radicais que intercedem entre Cristianismo e Antroposofia. Sobre o Panteísmo, veja-se "Pergunte e Responderemos" fase. 7 de 1957, pág. 3-6; a respeito da reencarnação, fac. 3 de 1957, pág. 11-13. No tocante à Antroposofia em particular, as potências ocul­tas de intuição mediante as quais o homem poderia trans­cender o conhecimento racional, são antes produto da fan­tasia de Steiner do que objeto de conclusões cientificamente firmadas (não se negam os fenômenos metapsíquicos, de que fala a resposta n.° 2 deste fascículo; não era, porém, a eles que Steiner se referia).

Verdade é que o pensador alemão, visando o público eu­ropeu, ao qual se dirigia, quis apoiar suas concepções em fontes e tradições ocidentais, cristãs, distanciando-se um pou­co das fontes orientais para as quais apela a Teosofia. Não foi feliz, porém, porque, para ficar dentro dos quadros de pensamento do ocultismo, teve que negar a Divindade de Cristo; desejando não abater ídolo algum, apresentou Jesus com reencarnação e síntese de Mitra (divindade persa) e Dionísio (divindade grega)!

3. A Antroposofia logrou sucesso logo nos seus primei­ros anos (como, aliás, também a Teosofia). Esta boa aceita­ção se explica por fatores diversos:

a) o materialismo e o racionalismo que imperaram no século passado, parecem ter cansado as mentes e desperta­do de novo em muitos pensadores sinceros a sede do misté­rio, do conhecimento místico, ou seja, do conhecimento ad­quirido não por via meramente humana, mas por uma pre­tensa iluminação divina;

b) as grandes ruínas, materiais e morais, que o mundo ocidental sofreu nos primeiros decênios do séc. XX concorre­ram para que não poucos filósofos voltassem sua atenção pa­ra o Oriente; este sempre impressionou os ocidentais por pa­recer muito mais voltado para o transcendente e o eterno; pelo seu caráter conservador, tradicionalista, toma o aspecto de uma arca de paz. E' o que explica que Teosofistas e Antroposofistas tenham ido pedir inspiração aos pensadores ori­entais e hajam encontrado eco satisfatório no Ocidente;

c) é imponente e sedutor o título de "manancial donde todas as religiões tiraram uma parcela de verdade", título que a Teosofia e a Antroposofia reivindicam para a sua ideo­logia. Este título é gratuito; nenhum estudioso o pôde jamais comprovar (aliás, por definição, nem seria possível apresen­tar provas em favor do mesmo, pois se pressupõem tradições e arquivos ocultos ao público — o que realmente constitui bela evasiva!). Não obstante, a fórmula com que a Antroposofia se apresenta ao mundo, é muito apta a bajular o or­gulho do homem; aderindo à Teosofia ou à Antroposofia, es­te poderá dar-se por mais esclarecido e inteligente do que seus semelhantes que fiquem presos às formas tradicionais de religião... O teosofista e o antroposofista não negam a existência de Deus, mas conseguiram fazer do Soberano Se­nhor uma entidade impessoal e neutra que na prática não "incomoda" o homem. Embora Rudolf Steiner não se quisesse diretamente incompatibilizar com o Cristianismo nem com alguma forma de religião, ele propõe um conceito de Deus e das relações do homem com Deus que cedo ou tarde tende a remover nos seus adeptos qualquer dos credos religiosos tra­dicionais.

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