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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Espiritualismos: telepatia?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 003/1958)


"Sobre a telepatia, que se pode afirmar de certo?"

A telepatia (do grego tele, longe, e pathos, padecimento) é, em sentido lato, a faculdade de conhecer pessoas ou acon­tecimentos postos em distâncias ou circunstâncias que não são normalmente apreendidas pelos sentidos humanos. A tal fenômeno se dão igualmente os nomes de telestesia (percep­ção à distância), criptestesia (percepção por via oculta) e clarividência. Trata-se de um modo de conhecer que não é propriamente doentio, mas também não é normal, e sim, paranormal, ou seja, verificado ao lado das vias normais; se­ria o caso, por exemplo, de quem lê um documento tendo os olhos vendados, ou refere a morte de um parente no mo­mento mesmo em que ela ocorre à grande distância.

Não se pode negar a existência de tais fenômenos, nem atribuí-los todos à intervenção milagrosa de Deus, nem, de outro lado, reduzi-los simplesmente a coincidências casuais. Esses fenômenos podem ser, e têm sido, provocados em laboratórios segundo leis estatísticas; hoje em dia mais e mais se cultiva a ciência da telepatia (ramo da metapsíquica), pro­curando desvendar as normas misteriosas que a regem. En­tre 1880 e nossos tempos foram realizados cerca de cinco milhões de experiências telepáticas, na base das quais se dis­tinguem atualmente 150 categorias de fenômenos de telepatia.

Note-se, por conseguinte, que tais fenômenos não são exclusivos do domínio do espiritismo; verificam-se indepen­dentemente deste, embora o espiritismo não subsista inde­pendentemente deles. Na verdade, o espiritismo não passa de uma interpretação entre as muitas dadas aos fenômenos telepáticos, interpretação que abusivamente envolve crenças religiosas em um setor que de per si pertence à alçada da medicina, da psicologia, ficando abaixo das altas esferas da filosofia e da religião.

2. O estudo da metapsíquica e da telepatia é relativa­mente recente; pelo que ainda navega em meio a mares obscuros. A complexidade dos seus fenômenos é tal que se torna difícil generalizar as explicações; vários são os fatores aos quais, segundo a configuração de cada caso, se poderá recorrer para dar conta do ocorrido. Três teorias explicati­vas estão mais em voga:

a) alguns estudiosos admitem no homem um "sexto sentido" ou uma faculdade especial de conhecer por vias ocultas. Esta faculdade não seria privilégio, mas propriedade comum da natureza humana, propriedade ora mais, ora me­nos aguda, susceptível de ser desenvolvida e educada (todo indivíduo, por conseguinte, seria capaz, até certo grau, de se tornar "médium"). Tal é a conclusão a que chegaram os ci­entistas americanos da "Duke University" de Durham, da "Columbia University" de Nova Iorque, do "Hunter College", etc.; cf. J.A. Greenwood, Extra-Sensory Perception after Six-ty Years. New York 1940.

b) Outros autores admitem que os sentidos possam ul­trapassar os limites normais de suas percepções, intensificando-se e abrangendo lugares remotos. Sendo a alma huma­na independente do espaço (por ser espiritual), ela poderia estender a sua atividade para além das fronteiras, que lhe impõe o corpo; conheceria então instantaneamente objetos e acontecimentos existentes a longa distância. Mesmo os acontecimentos futuros estão contidos germinalmente em suas causas; através destas (contemporâneas ao sujeito que co­nhece), poderiam ser previstos com exatidão.

c) Até os últimos anos julgava-se outrossim que tan­to o sujeito humano como os seres infra-humanos emitem ra­diações especiais, as quais impregnam o ambiente em que se encontre tal pessoa ou objeto e podem ser subseqüente­mente captadas por indivíduos que tenham a sensibilidade apurada; denunciar-se-iam assim às pessoas que posterior­mente penetrem nesse ambiente. E' o que se chama "a Psicometria", estudada por Fechner, Buchanan, Denton, Myers, de Rochas, Bozzano. — Esta tese, porém, sofre hoje contestação; os melhores autores são reservados no tocante ao magnetismo animal ou a fluidos e ondas que sairiam do corpo humano.

3. Embora as pesquisas da ciência ainda não permi­tam elucidar positivamente todos os fenômenos telepáticos, elas são suficientes para demonstrar quão vã é a explicação que dos mesmos dá o espiritismo; conforme este, um espírito do Além (como o de Napoleão, o de Maria Antonieta, o de Bossuet, Lincoln, etc.) baixaria sobre a terra e revelaria ao vidente noções que êle ignorava; seria o espírito "guia", em nome do qual o "médium" falaria.

Contudo o aparecimento de personalidade nova num in­divíduo posto em estado de transe ou hipnose, explica-se per­feitamente por dados seguros da Psicologia, sem recurso a intervenções do Além.

Com efeito. Recordemos a maneira como cada indivíduo humano conhece a sua própria pessoa.

Ninguém apreende o próprio eu senão através de fenô­menos psíquicos que dele se originam e dele dependem como de um sujeito. Esses fenômenos psíquicos são múltiplos, com­preendendo as variadas atividades, como também as esperanças, os desenganos, as emoções da infância, da adolescên­cia, da vida de adulto do respectivo indivíduo. Tão numerosos dados na mente do sujeito aos poucos se dispõem em uma síntese harmoniosa, hierarquizada, com a qual o indi­víduo em condições normais se identifica; é por esta síntese que êle se define a si mesmo, como sendo o mesmo sujeito existente através dos anos.

Admita-se, porém, que a pessoa venha a sofrer um cho­que psíquico, seja em virtude de um estado patológico (fun­cionamento irregular do cérebro ou de glândulas), seja em virtude de influência alheia (por hipnotização) ou de auto-sugestão (o que se dá geralmente com os "médiuns"). Em tal estado anormal, a função de síntese da qual resultam a definição do próprio eu e seu comportamento conseqüente, passa por alterações; é desagregada e refaz-se, desviada em determinado sentido, de acordo com o caráter da pessoa ou com as sugestões evocadas nesta: certas recordações são então como que canceladas da memória; pode dar-se que subam à tona da consciência exclusivamente impressões colhidas na infância (a pessoa conseqüentemente parece retroceder no tempo e se comporta como criança) ou adquiridas em lei­turas e conversas referentes a uma personalidade histórica do passado ou a uma figura lendária, etc. (o indivíduo en­tão comporta-se como Maria Antonieta, Napoleão, Humberto de Campos, etc.). Entrementes a personalidade normal do indivíduo ou deixa de se manifestar como tal ou ainda se afir­ma ao lado da nova personalidade. Em tais casos, dizem os espíritas que o sujeito ou o "médium" está possuído pelo “espíríto-guia” proveniente do Além ou que está revivendo íatos de uma vida anterior à encarnação atual (a tese da reencarnação entra então em voga...).

A psicografia ou escrita automática não é senão um si­nal particular dessas desagregações da personalidade: no "médium" combinam-se, de maneira mais ou menos arbitrá­ria e imprevisível, diversas reminiscências da pessoa ou das obras de tal ou tal escritor, à semelhança do que se dá num sonho (em que diversas impressões adquiridas na vida co­tidiana se associam entre si, dando ao sonhador a sensação de viver uma realidade diferente da comum). O "médium" impressionado pela sugestão de que é esse escritor (que êle, sem dúvida, já conhece), passa a escrever no estilo do mes­mo. Fenômeno tal não depende em absoluto da evocação de espíritos, pois ocorre em pessoas histéricas e pode ser obtido em indivíduos normais suficientemente sensíveis ou impres­sionáveis. Para que não fique dúvida sobre esta afirmação, note-se bem que as obras psicografadas não transcendem os conhecimentos anteriormente adquiridos pelo respectivo "médium", nem mesmo no caso tão citado de Francisco Cân­dido Xavier (Minas); como ainda recentemente se averiguou, este não é um ignorante, mas, desde a sua juventude, se tem dedicado à leitura de clássicos, tanto nacionais como estran­geiros.

De maneira geral, as mensagens espíritas comumente divulgadas nada enunciam que não estivesse previamente contido na consciência ou no sub-consciente do respectivo "médium" ou dos seus interlocutores ou de pessoas estrei­tamente unidas a estes. Em conseqüência disto, certas notí­cias atribuídas pelos espíritas à alma de um gênio desencar­nado (Ampère, Sto. Agostinho, Bossuet...) surpreendem pela pobreza e a banalidade de seu conteúdo; dir-se-ia que os es­píritos desencarnados se depauperam tremendamente...

Para evidenciar que nas mensagens espíritas não há revela­ções, mas se transmitem os conhecimentos que o "médium" consegue captar por si ou por uma "corrente simpática", vem a propósito famoso caso:

"O Dr. G. era ilustrado médico militar. O General da Região Z., onde prestava os seus serviços, era afeiçoado às práticas do espiritismo, às quais se dedicavam também não poucos chefes e oficiais da guarnição. Nada crédulo e inteiramente contrário às balelas dos espíritas, o Dr. G. teve de assistir, por compromisso, a uma sessão em que o "médium" pretendia pôr os circunstantes em comunicação com o es­pírito do célebre fisiologista francês Bichat, já falecido. O Dr. G. manifestou ao "médium" desejar perguntar ao espírito de Bichat se o nervo dinamoclasser tinha funções sensitivas ou funções motoras. O "médium" naturalmente sentiu-se embaraçado com tal consulta, que se vê não estava dentro da esfera dos seus conhecimentos; e rogou ao seu interlocutor quisesse precisar mais os termos da pergunta. — Ora, senhor, respondeu o Dr. G., não sei que maior precisão se possa desejar. — Todavia acrescentou que, havendo no organismo humano uns nervos com função sensitiva e outros com função motora, o que interessava saber do espírito de Bichat era a qual das duas classes de nervos pertencia o nervo dinamoclasser. A isto, após várias hesi­tações, ante as quais o consulente se manteve impassível, o pretenso espírito do célebre fisiólogo Bichat respondeu por voz do "médium", com grande aprumo, que "embora o nervo dinamoclasser geralmente tivesse funções sensitivas, em compensação outras vezes as tinha tam­bém motoras". Excusado é dizer que o Dr. G. não pôde conter o riso. O fracasso tinha sido completo. Os circunstantes perguntavam ao Dr. G. se porventura o espírito respondera acertadamente. O Dr. G. teve de lhes dizer que o nervo dinamoclasser nem era sensitivo nem era mo­tor, porque nem sequer era nervo, e, sim, um nome fingido que êle inventara para pôr em evidência a fraudulência da experiência. Mis­ter era convir em que o espírito de Bichat, se realmente era o que falava por boca do "médium", decaíra muito" (transcrito da obra de F.M. Palmes, Metapsíquica e Espiritismo. Petrópolis 1957, 220).

Citar-se-ão, porém, casos em que as mensagens parecem transcender de modo absoluto todas as possibilidades natu­rais do "médium"... Pois bem; os mais famosos desses ca­sos aduzidos pelos espíritas (os de Helena Smith, Eleonora Piper, Hogdson, etc.) têm sido sujeitos a análise rigorosa, a qual leva hoje os estudiosos a dizer que ainda se tratava de erupções do sub-consciente, independentes da intervenção dos "desencarnados". — Não se nega, com isto, que Deus possa, por Si ou por um espírito criado (anjo bom, alma hu­mana ou demônio), revelar aos homens algo de totalmente novo; não é, porém, o que se dá no comum das revelações espíritas.

Os médicos contemporâneos insistem em afirmar que as funções de "médium" supõem uma personalidade um tanto lábil, já por si tendente ao desequilíbrio e a estados patológicos. Além disto, verificam que grande número de "mé­diuns" e de clientes destes contraem realmente doenças men­tais graves, de sorte que os interesses da saúde pública de­saconselham seriamente a prática da mediunidade.

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