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terça-feira, 25 de maio de 2010

Ciência e Fé: Einstein e Deus

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 026/1960)



«Seria possível averiguar exatamente qual o pensa­mento de Einstein a respeito de Deus? Einstein teve fé ou não?»

A questão é interessante, pois, sendo o físico e matemático Alberto Einstein considerado como um dos gênios dos últimos tempos, a sua posição perante o problema de Deus não deixa de ter significado. Verdade é que, para aderir a Deus, não basta ao homem possuir uma inteligência; muitas vezes o julgamento desta se desvia da verdade por causa de dificuldades de ordem moral ou por causa das conse­qüências práticas que a afirmação da verdade acarretaria consigo. Como quer que seja, será sempre útil o conhecimento das afirmações de homens inteligentes.


Proporemos abaixo, portanto, um esboço biográfico de Einstein, ao qual se seguirá breve análise do pensamento filosófico-religioso desse cientista.

1. Esboço biográfico

Alberto Einstein nasceu de pais israelitas na cidade de Ulm (Alemanha) aos 14 de março de 1879. Passou a juven­tude em Munique, onde seu pai trabalhava em eletro técnica. Em 1896 matriculou-se na Escola Politécnica de Zurich (Suíça), doutorando-se em 1905.

Os inícios dos estudos de Einstein em Zurich não foram alvis­sareiros, pois o jovem candidato se viu reprovado no exame de admissão à Escola Técnica Superior da cidade. O pequeno revés se devia ao fato de que, embora muito preparado em Física e Matemá­tica, Einstein não possuía bem as línguas modernas nem tampouco a Botânica e a Zoologia.

A partir de 1901 o sábio já publicava artigos sobre eletrodinâmica em revistas alemãs, o que lhe granjeou fama cres­cente. Em 1905 editou pequeno opúsculo sobre a «eletrodinâmica dos corpos em movimento», opúsculo que continha em gérmen a teoria da relatividade.

Em 1909 tornou-se catedrático de Física na Universidade de Zurich, ficando em exercício até 1913. Tendo-se aumentado o prestígio de Einstein, o Imperador Guilherme II da Alemanha nessa data convidou-o para a cátedra de Física na Academia de Ciências da Prússia; no ano seguinte (1914) o mestre su­cedeu a Jakob Van't Hoff na direção do Instituto de Física de Berlim. Foi-se tornando membro eleito das grandes Aca­demias de Ciências do mundo inteiro, enquanto as Universi­dades lhe iam conferindo o título de doutor «honoris causa». Em 1921, Einstein foi condecorado com o prêmio Nobel de Física. Exonerado de obrigações acadêmicas, o sábio dedicava seu tempo ao estudo, a conferências e debates em diversas nações sobre a teoria da relatividade. Apregoava ao mesmo tempo a filantropia, o pacifismo, mostrando-se adversário de todo imperialismo e grande fator do movimento sionista ou dos interesses do povo de Israel.

Em 1933 Einstein, que já vivia na Inglaterra ou nos Es­tados Unidos da América, rompeu com o regime nacional-socialista, pedindo sua demissão às Academias de Ciências da Prússia e da Baviera; não perdeu a ocasião de censurar então as sociedades de cientistas alemães por condescenderem com um governo que arbitrariamente denegava a muitos es­tudiosos os meios de viverem e trabalharem na Alemanha: «Eu não poderia pertencer, dizia ele, a uma comunidade que adota tal atitude, embora esta seja extorquida por pressão».

Na mesma época (1933) Einstein aceitou o cargo de Reitor da Universidade de Jerusalém; passou, porém, a residir nos Estados Unidos, na qualidade de professor da Universidade de Princeton. Após uma carreira de estudos cada vez mais brilhante, foi nesta cidade que o cientista entregou a alma ao Criador aos 18 de abril de 1955.

Interessa-nos agora reconstituir o perfil filosófico-religioso do grande varão. Para tanto, beneficiar-nos-emos dos estudos recente­mente publicados por Karlheinz Schauder, nos «Frankfurter Hefte», e G. Jasper, no «Deutsches Pfarrerblatt»; estes dois autores, trazendo à tona novos fatos e ditos concernentes a Einstein, possibilitaram-nos um conhecimento mais fiel da mentalidade do cientista alemão.

2. Einstein e o problema de Deus

1. Não seria inútil notar aqui, em primeiro lugar, o traço marcante da personalidade de Einstein, a saber: a sua independência de caráter. Esta se manifestava principalmente pelo desejo de se emancipar das convenções e dos hábitos, por vezes avassaladores, da vida social. Diz-se que o sábio não se intimidava por andar de sandálias, sem meias, com a cabeleira em desordem, prestes a mostrar a língua a um fotógrafo indiscreto; chegou a declarar: «Nunca pertenci de todo o coração a algum pais ou Estado, nem a um círculo de amigos, nem mesmo à minha própria família». —

Casou-se com antiga colega sua na Escola Politécnica de Zurich, tornando-se pai de dois filhos, que ele muito amava; divorciou-se, porém, e em conseqüência separou-se também dos filhos, contraindo novas núpcias com sua prima Elza. Este foi o episódio mais doloroso da vida de Einstein.

2. A tal independência de caráter associou-se outro fator importante para a configuração do pensamento do estudioso israelita. Filho de pai que zombava da Religião, Alberto re­cebeu sua primeira formação numa época em que mestres e livros costumavam apregoar oposição frontal entre um evolucionismo exagerado, de tendências monistas, e a tradicional fé em Deus; ainda ressoava nos ouvidos de muitos a sátira de Haeckel, que afirmara ter conseguido transformar o Deus dos cristãos em um «vertebrado gasoso». — Influenciado pela mentalidade da época, o jovem Einstein desde cedo abandonou a sinagoga; não se tornou ateu, mas passou a professar uma religião «cósmica», de caráter panteísta e vago; como ele mesmo dizia, acreditava na «existência de uma força pensante superior que se manifesta pelo insondável universo».

Significativo é o episódio seguinte: em 1919 ou 1920, tendo o Cardeal de Boston assinalado Einstein entre os ateus da época, um rabino de Nova Iorque telegrafou ao cientista nos seguintes termos: «Crê V. S. em Deus? Resposta paga, 50 palavras». Ao que Einstein respondeu: «Creio no Deus de Spinoza, que se manifesta na harmonia dos seres... Não em um Deus que se importe com as sortes e as ações dos homens».

De passagem diga-se que Baruque de Spinoza foi um filósofo judeu do séc. XVII (†1677), o qual professou o panteísmo ou a identificação de Deus com o mundo.

A ideologia de Einstein, como a de Spinoza, negava a liberdade de arbítrio do homem, como se este fosse habitual­mente impelido a agir por uma necessidade interior. — Ne­gando que a Divindade se importe com o destino e os atos do homem, Einstein estava naturalmente bem longe do conceito de Deus revelado pelas Escrituras de Israel, as quais descre­vem a Providência Divina a zelar carinhosamente pela sorte das criaturas.

3. Contudo o pensamento de Einstein não se fixou defi­nitivamente em tão pálidas noções religiosas. Em 1950, numa entrevista à imprensa, declarava :

«A opinião comum de que sou ateu, repousa sobre grave erro. Quem a pretende deduzir de minhas teorias científicas, não as entendeu... Creio num Deus pessoal, e posso dizer com sinceridade que nunca em minha vida cedi a uma ideologia ateia».

Na mesma entrevista, Einstein fazia observar, outrossim, que os homens de ciência concordam em afirmar que não há oposição entre Ciência e Religião; reconheceu contudo haver cientistas que ainda em nossos dias abraçam os pontos de vista de seus predecessores em 1880. E, para firmar bem sua oposição radical ao ateísmo, Einstein em 1950 não hesitava em asseverar que já aos 18 anos «considerava as teorias evolucionistas de Darwin, Haeckel e Huxley como teorias irreme­diavelmente antiquadas».

Entre parênteses seja lícito notar: não é o evolucionismo como tal que se opõe à crença em Deus, mas é o evolucionismo mecanicista ou casualista, que abstrai da ação de um Deus Criador e Providente.


O evolucionismo pode-se conciliar com a fé cristã; cf. «P. R.» 4/1957, qu. 1.

4. A verificação desse roteiro espiritual suscita espon­taneamente a questão: poder-se-iam indicar os fatores que levaram Einstein a trocar o panteísmo pela profissão de fé num Deus pessoal, distinto do mundo?

Schauder, nos estudos citados, assinala dois elementos que terão feito amadurecer de tal modo o pensamento do mestre:

a) a percepção adquirida nos últimos anos por Einstein e pelos cientistas em geral, percepção de que no interior do átomo não reinam a harmonia e a regularidade que os estu­diosos costumavam pressupor. Com efeito, no átomo apenas se depreendem leis prováveis, formuladas na base de esta­tísticas. Ora essa indeterminação ou essas lacunas no plano da matéria abrem lugar à intervenção de uma causa extrínseca, diferente da matéria, causa que equilibra e harmoniza as reações dissemelhantes ou contraditórias da matéria. Assim Einstein terá considerado as lacunas da ordem dentro da matéria como o ponto de encontro do finito com o Infinito, da criatura com o Criador, sendo Este essencialmente distinto daquela.

b) A bomba atômica também concorreu poderosamente para abalar o pensamento de Einstein. Tendo colaborado para a fabricação dessa arma, o grande cientista impressionou-se profundamente com as conseqüências da mesma. Avivou-se nele o senso da responsabilidade moral. Schauder julga mesmo que nos dizeres do velho Einstein se encontram esparsos os indícios de consciência do pecado e de atitude de oração. A idéia de Deus, em conseqüência, deixou de ser pálida e vaga na mente de Einstein, como fora outrora, para tornar-se muito viva. Ele reconheceu que, junto ao mistério do mundo (que, aliás, Einstein sempre respeitou), existe o mistério de Deus, mistério que requer fé da parte do homem.

São, sem dúvida, palavras do sábio consignadas em carta à sua irmã: «O fundamento de todos os valores humanos é a moralidade».


Em outra missiva, dirigida a Max Born, detentor do prêmio Nobel, escrevia Einstein:


«O que cada indivíduo pode fazer, é dar o exemplo da retidão de vida, e conceber a coragem de sustentar seriamente as suas convicções éticas em meio a uma sociedade de cínicos. Há muito tempo que, com sucesso desigual, procuro comportar-me desse modo».


Ora não resta dúvida de que o fundamento de toda a moralidade, tão vivamente apregoada por Einstein, é Deus, e Deus distinto do homem, Providente e Solícito para com a sua criatura.

5. Quanto a Jesus Cristo em particular, perguntaram certa vez ao sábio se acreditava na existência d'Ele. Ao que respondeu:

«Sem dúvida. Ninguém se pode iludir a respeito desses fatos: Jesus viveu, e suas palavras são admiráveis. Ainda que um ou outro pensador da antigüidade se tenha manifestado de maneira semelhante à de Jesus, nenhum deles se exprimiu de modo tão divino».


«Ninguém pode ler os Evangelhos sem tomar consciência da realidade de Jesus. A sua personalidade vibra em cada uma das suas palavras. Fábula nenhuma se apresentaria tão penetrada de vida. Muito diferente é a impressão que colhemos das narrativas de heróis legendários de tempos remotos, como, por exemplo, Teseu; todos esses carecem do fidedigno dinamismo de Jesus».


«Sou judeu. Contudo a figura brilhante do Nazareno exerceu extraordinária influência sobre mim».


Fato notável: quarenta anos antes de se exprimir de tal modo, Einstein costumava colocar Jesus no mesmo plano que Kant e Goethe!

6. A respeito da Igreja Católica, apraz ainda consignar a seguinte observação de Einstein:

«A Igreja Católica foi a única a levantar a voz contra o assalto dirigido por Hitler contra a liberdade. Até aquela época a Igreja jamais detivera a minha atenção. Hoje, porém, exprimo minha grande admiração e meu profundo apego a essa Igreja que, a sós, teve a inabalável coragem de lutar em prol da liberdade espiritual e moral».

Assim Einstein, do seu modo, professava o caráter único (diría­mos: sobrenatural) da Santa Igreja Católica.

Em conclusão: é de crer que o Senhor em seu justo juízo não terá desprezado tudo quanto de belo e nobre Ele mesmo colocou na alma de quem tão certeiramente soube elevar-se da matéria visível à Realidade invisível.

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