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quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Conversões: o exemplo de uma esposa

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 446 1999)

Por James F Heady


Em síntese: James F. Heady trabalha como agente administrativo numa Companhia de Seguros. Formou-se em Economia pela Universidade de Stanford. Casado em 1955 converteu-se ao Catolicismo sete anos mais tarde. Mora em Ventura County, Califórnia, com a cristão (igreja doméstica) cada qual dos dois cônjuges santifica o outro, cf. 1Cor 7, 14. - Dada a importância desta verdade vivenciada por James Heady, publicamos, a seguir, o seu relato, extraído das pp. 88-93 da obra citada.

***


O ITINERÁRIO ESPIRITUAL DE JAMES F. HEADY

«Nasci em abril de 1933, e fui o primeiro de quatro irmãos e o único filho homem.

O meu pai tinha sido jogador de futebol americano durante o segundo grau e rejeitara diversas vezes o conselho de cursar alguma Faculdade. Preferiu alistar-se na Marinha a fim de conhecer o mundo. No ano em que nasci, trabalhava como cronometrista para a WPA (Work Projects Administration), durante os piores anos da Depressão.

Por volta de 1940, mudamo-nos para uma casa na rua 32, em Portland, Oregon, onde os meus pais moram até hoje. Na época, papai conseguira um "emprego de verdade": trabalhava como cronometrista para a companhia que estava construindo a ferrovia Southern Pacific. Continuaria nessa empresa ocupando cargos diversos até aposentar-se, trinta e cinco anos depois.

Como era agnóstico, a nossa educação religiosa foi deixada a cargo da minha mãe, que não pertencia a nenhuma Igreja em particular, mas pensava que era importante termos algum tipo de formação religiosa. A nossa nova casa ficava a apenas um quarteirão de uma igreja congregacionalista. Quando começamos a ir à respectiva escola, começamos também a participar da escola dominical.

Ali tínhamos livros e marcavam-nos lições de casa de verdade. A minha mãe cuidava de que fizéssemos os deveres e assistíssemos as aulas, embora nem ela mesma nem papai jamais tivessem posto os pés nessa igreja.

Essa comunidade tinha uma forte orientação fundamentalista[1]. A Bíblia era a pedra angular, e na escola dominical enfatizava-se e seu estudo, que incluía a memorização dos nomes de todos os livros que a compõem.

Até iniciar o segundo grau, grande parte das minhas atividades sociais girava em torno da igreja. A cada verão, assistíamos aos cursos bíblicos de férias e organizávamos lanches e piqueniques. Uma igreja quaker, The Friends ("Os Amigos"), tinha algum tipo de acordo de cooperação mútua com a nossa. Durante o ano escolar, havia palestras culturais e oficinas de trabalhos artesanais de que éramos incentivados a participar.

O dinheiro era escasso, de forma que essas atividades extra-curriculares foram de grande ajuda para evitar que nos metêssemos em encrencas. Na igreja ensinavam-nos que Deus era um Deus pessoal que tudo via e sabia. Era proibido beber e fumar (não fumo até hoje) E embora não se proibissem totalmente, os filmes de cinema e os bailes desaconselhavam-se.

Por ser eu o filho mais velho e o único varão, desde muito cedo tive de aprender certas noções práticas de economia. Esperava-se de mim que poupasse tudo o que ganhava distribuindo jornais, cortando gramados, trabalhando como empacotador numa mercearia, etc.

Tive um bom desempenho escolar e cheguei a ser dispensado de cursar um ano. Quando comecei o colegial, porém, os meus pais disseram-me que não teriam dinheiro suficiente para pagar-me uma Universidade; tudo o que pudessem poupar teria de ser destinado aos gastos com as minhas irmãs. Compreendi perfeitamente a situação, sem criar maiores ressentimentos, mas lembro-me de ter passado muitas noites insones a refletir, inquieto, sobre o que haveria de fazer da minha vida.

Nesse meio tempo, na igreja, tinha passado da escola dominical para a participação regular nos serviços religiosos. Estes assemelhavam-se aos das outras igrejas protestantes. Incluíam as longas orações feitas pelo ministro e, como é evidente, também um comprido sermão. A cada três meses, tínhamos um serviço com comunhão, em que se passavam bandejas com uns pãezinhos e uns cálices de vinho a fim de simbolizar a Última Ceia.

A igreja parecia uma sala de reuniões com vidros coloridos nas janelas. Não havia quadros nem imagens. Olhando em retrospectiva, tudo isso me parece hoje que era extremamente frio, embora as pessoas fossem afáveis e acolhedoras. Os sermões davam a impressão de não acabar nunca e consistiam em longas e confusas admoestações para "evitarmos o pecado", ou, caso contrário, para "sentar-nos e esperar que chegasse a hora de ir para o inferno e a condenação".

Por volta da época em que comecei o colegial, fui batizado com uma aspersão de água feita pelo pastor numa sala de reuniões da igreja. Tornei-me membro do Christian Endeavor (Compromisso Cristão), um grupo de estudos bíblicos para secundaristas, e passei a participar das atividades sociais da igreja.

Todos esses anos estiveram repletos de preocupações e dúvidas sobre as minhas capacidades pessoais por causa de um grave complexo de inferioridade que sofria. Rezei intensamente e durante muito tempo, pedindo a Deus que me ajudasse e me desse as respostas aos meus problemas. Este hábito persistiu depois de adulto. Por vezes, as respostas que Deus mandava não me agradavam muito, mas o fato é que, no fim das contas, tudo foi adiante.

Finalmente, com a ajuda de Deus e com muito esforço, terminei o segundo grau em junho de 1950, como primeiro da turma e com uma bolsa de estudos custeada pelo Programa de Treinamento para Oficiais da Marinha dos Estados Unidos. Entrei na Universidade de Stanford no outono daquele ano, com a intenção de formar-me em Engenharia. No entanto, ao fim de dois anos, o meu interesse por Economia cresceu a tal ponto que mudei de curso. Por outro lado, como estava longe de casa, os vínculos com a Igreja foram-se afrouxando, embora ainda rezasse com freqüência na capela da Universidade.

Em janeiro de 1955, formei-me em Economia. Entrei na Marinha e, cinco meses mais tarde, num baile de oficiais em San Diego, conheci Helen. Era também marinheira, mas da costa Leste. Começamos a namorar. Depois de alguns encontros, contou-me que era católica. Eu conhecia superficialmente outros católicos, mas ela foi a primeira que conheci mais de perto.

A Igreja congregacionalista pregava que o protestantismo era a melhor das religiões, mas a gradual ruptura de laços com a minha antiga igreja de Portland, bem como os meus estudos de História em Stanford - que seguiam a tendência liberal - tinham-me ensinado a aceitar de mente mais aberta outros pontos de vista.

O meu interesse pela Igreja crescia na medida em que aumentava o meu interesse por Helen. Queria estar com ela o máximo de tempo possível. E ela tinha tal devoção pela Igreja Católica que também eu desejei conhecer cada vez melhor essa religião. Muito antes de nos casarmos, comecei a assistir à Missa juntamente com ela. Foi idéia minha. Ela nunca me insinuou sequer que se tratava de uma condição necessária para continuarmos a namorar, mas deixou claro que eu seria muito bem recebido se quisesse ir. Obviamente, no começo tudo me pareceu muito estranho e diferente. Ainda não se tinha traduzido o texto latino da Missa para o inglês, mas, usando o missal latim-inglês, podia acompanhar razoavelmente bem as cerimônias.

Em setembro esposa, Helen. Têm três filhas, duas delas Religiosas. Tanto ele como a sra. Heady são membros ativos da sua paróquia.

* * *

Folheando ainda a obra "Jornadas Espirituais" citada à p. 306 deste fascículo [v. artigo anterior], encontramos o depoimento de James F. Heady, profundamente marcado pelo testemunho de sua esposa em conseqüência do qual se tornou católico. Bem ilustra a palavra de São Paulo que fala da comunhão de bens espirituais existente entre esposo e esposa; no lar de 1955, casamo-nos em San Diego. Como não-católico, recebi algumas aulas em que se explicava o que a Igreja esperava de quem contraía um "matrimônio misto". Cerca de um ano depois, nasceu a nossa primeira filha. O meu projeto era ficar na Marinha, mas os longos seis meses de separação que se seguiram ao casamento custaram demais a passar. Acabei por deixar a Marinha e, logo a seguir, fui trabalhar numa Companhia de Seguros Agrícolas, onde continuo ao cabo de vinte e oito anos.

Helen nunca me empurrou em direção do catolicismo. Mas o seu exemplo e a minha assídua assistência à Missa fizeram-me experimentar uma atração crescente pela Igreja. Faltava alguma coisa na minha vida, alguma coisa que não sabia identificar. Depois do nosso casamento, essa inquietação cresceu consideravelmente. Por fim, Helen perguntou-me se não gostaria de fazer com ela uma "novena" de cinqüenta e quatro dias à Santíssima Virgem. Explicou-me que tinha muita devoção a Maria e fazia essa novena quando precisava muito de ajuda. Até então, as suas orações sempre tinham sido atendidas, talvez nem todas as vezes nos termos em que ela queria, mas sempre no sentido de oferecer-lhe a melhor solução.

Concordei com começar a novena. No segundo dia, foi como se me tivessem tirado uma venda dos olhos. Disse a Helen que queria ser instruído na fé católica. Compreendi que era o que devia fazer, e nem mesmo então ela me forçou a nada. Fui eu que telefonei ao nosso pároco.

Esse padre teve a amabilidade de me dar aulas particulares de doutrina na casa paroquial, uma vez por semana. Comecei a minha formação em outubro, e em abril do ano seguinte, no dia do aniversário da minha filha mais nova, recebi o Batismo na Igreja. Isso foi uns sete anos depois de Helen e eu nos termos casado.

A partir do momento em que comecei a receber as aulas, passei a sentir-me muito mais em paz. Tinha uma sensação de segurança, de bem-estar e de aconchego que não me lembrava de ter experimentado antes. Todos os meus anos de formação na Igreja congregacionalista, todos os cursos bíblicos e mais a escola dominical tinham-me ensinado muitas coisas sobre Deus e sobre a Bíblia, mas algo estivera faltando até então.

O meu gosto pela História suscitara em mim sérias dúvidas sobre o elo de continuidade nas Igrejas protestantes. Já a Igreja Católica surgiu na época de Cristo e até então permanecia coerente consigo mesma. Quando os membros de uma congregação protestante percebem que há qualquer coisa de errado na sua congregação, abandonam-na por sua conta e formam um novo ramo. Isso nunca me pareceu correto. Na época de Martinho Lutero, houve realmente muitos problemas internos na Igreja Católica, mas, depois daqueles anos de turbulências, a Igreja acabou por reformar-se sem constituir diversas Igrejas católicas competindo umas com as outras. A continuidade - desde os tempos de Cristo até aos dias atuais - permanece inquebrantável. E isto é algo que me atrai poderosamente, devido ao meu senso de disciplina.

O nosso casamento foi abençoado com três filhas, todas elas educadas no seio da Igreja. A mais velha está casada; as outras duas fizeram os votos perpétuos como Religiosas. Menciono-o para mostrar a profundidade do compromisso que a minha esposa e eu temos com a Igreja. Foi o amor a Deus que levou essas nossas duas filhas a fazer essa escolha. Não as desencorajamos de forma alguma, porque não queríamos negar nada a Deus, se Ele realmente queria que elas se entregassem ao seu serviço.

Deus vem-nos abençoando e premiando ao longo de toda a nossa vida de casados. Temos tido as dificuldades e provações normais que acometem qualquer casamento, mas graças à fé católica sempre conseguimos superá-las. Lembramo-nos com freqüência de que Cristo prometeu que nunca seríamos tentados acima das nossas forças (cf. 1Cor 10,13).

Graças à oração diária e à assistência regular à Missa, experimento paz e tranqüilidade todos os dias da minha vida. Dou graças a Deus pela minha conversão. Se Ele não me tivesse conduzido até a minha esposa, e sem o bom exemplo dela, ainda estaria buscando em vão o sentido da minha vida. Ao concluir estas lembranças, vêm-me à cabeça as palavras de Cristo no Evangelho: "De modo que vos digo: Pedi e recebereis, buscai e achareis, batei e abrir-se-vos-á" (Lc 11, 9)».

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NOTA:

[1] Fundamentalista é a atitude de quem lê a Bíblia interpretando-a ao pé da letra, sem reconhecer os gêneros literários e os expressionismos da linguagem semítica ou helenística de outrora (Nota de PR).


terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Deus, ateísmo: o testemunho de ateus

(Revista Pergunte e responderemos PR 445 1999)

Em síntese: O estudo da psicologia da fé mostra quão complexo é o ato de fé; mobiliza todas as faculdades da pessoa em foco. A teoria é ilustrada pelos casos concretos, de modo que as páginas seguintes apresentam o testemunho de homens e mulheres que lutaram para chegar ao ato de fé e tornarem-se férvidos servidores do Senhor Deus.

* * *

Após estudar a psicologia da fé, interessa-nos levar em conta o que se deu no íntimo de homens e mulheres que passaram por fase de ateísmo e chegaram finalmente à luz da fé. Trata-se assim de vislumbrar a luta do ser humano feito para o Infinito e atormentado enquanto não se volta conscientemente para Ele. Serão considerados apenas vultos do século XX.

1. Alexis Carrel (1873-1944)

Alexis Carrel foi Prêmio Nobel em Medicina. Perdeu a fé de sua infância e entregou-se ao materialismo positivista. Aos poucos, porém, foi tomando consciência de que este não respondia a perguntas fundamentais do seu coração. Viajou para Lourdes, acompanhando uma enferma de câncer terminal; lá verificou, com todo o rigor científico, a cura da moléstia. Isto o impressionou profundamente, levando-o a uma busca sincera e sequiosa da verdade. Escreveu contra o materialismo e também contra a religião acomodada ou de fachada, sem, porém, chegar a uma crença definida. No fim da vida, caiu gravemente enfermo; então aguçou-se-lhe o drama do sentido da vida; resolveu entregar-se a Deus como um menino e pediu os sacramentos da Igreja. O empurrão decisivo foi-lhe dado ao presenciar a têmpera forte e heróica de uma órfãzinha. Exclamou então: "Minha salvação está em que uma pobre ignorante me segure a mão e me guie... Sim; quando se trata de não morrer como um cão, mas de terminar a vida nobremente, é somente junto aos humildes adoradores de Deus que os filósofos hão de buscar lições de Lógica".

A propósito ver PR 406/1996, p. 137-144 (A Viagem de Lourdes).

2. Paul Claudel (1868-1955)

Famoso poeta francês, Claudel aos dezoito anos de idade aderia à incredulidade e à devassidão. Ao terminar seus estudos no Liceu Louis-le-Grand, já havia lido os filósofos alemães ateus, admirava Ernest Renan . (sarcástico em relação ao Evangelho) e professava o culto da ciência como resposta aos seus anseios naturais. Ele mesmo descreveu posteriormente o seu estado de alma:

"Evoquem-se esses tristes anos da década de 1880, a época do pleno desabrochar da literatura naturalista. Nunca pareceu mais firme o domínio da matéria. Os grandes nomes nas artes, na ciência, na literatura eram todos irreligiosos... Renan imperava. Foi ele quem presidiu à última distribuição de prêmios do Liceu Louis-le-Grand, à qual eu assisti, e creio que fui coroado por suas mãos... Vivia então na imoralidade e pouco a pouco caí em estado de desespero... Esquecera completamente a religião; a seu respeito a minha ignorância era de selvagem" (ver J. Calvet, Le Renouveau Catholique dans la Littérature Contemporaine, Paris 1927, p. 139).[1]

Aos vinte anos de idade, por ocasião do Natal, entrou na basílica de Notre-Dame em Paris e ouviu o canto do Magnificat, que muito o impressionou, como ele mesmo relata:

"Foi então que se deu o acontecimento que ia mudar a minha vida. Num instante foi sacudido o meu coração e passei a acreditar. Acreditei com forte adesão, com o bem-estar de todo o meu ser, com perfeita convicção, com certeza isenta de qualquer dúvida: todos os livros, todos os arrazoados, todos os percalços da minha vida agitada não conseguiram abalar a minha fé, nem mesmo tocá-la... Quão felizes são aqueles que têm fé! Ó, se tudo isso fosse verdade! Mas é verdade! Deus existe! Está aí! É alguém, um ser pessoal, tão pessoal como eu! E Ele me ama, Ele me chama!... E eu estive diante de Vós como um lutador, que zombeteia. Vós me chamastes por meu nome. E, como alguém que conhece, Vós me escolhestes dentre todos os meus companheiros".

Apesar de tão explícitas declarações, Claudel ainda lutou dez anos contra Deus. Prendia-o o medo dos companheiros ou o respeito humano, que por muito tempo lhe paralisou os passos e a última decisão:

"Farei esta confissão? No íntimo, o sentimento mais forte que me impedia de declarar as minhas convicções era o respeito humano. A idéia de anunciar a todos as minhas convicções e a conversão, de dizer aos meus pais que não comeria carne às sextas-feiras, de me proclamar um desses católicos tão ridicularizados, fazia-me suar frio" (Les Témoins du Renouveau Catholíque, p. 68).

Em seus embates íntimos, Claudel pensou em fazer-se monge beneditino, mas verificou que sua vocação era outra. Passou por outra crise, que finalmente chegou a equilíbrio tranqüilo. Em suma, teve uma conversão que durou a vida inteira, o que bem revela quanto a graça encontra resistência no recôndito de muitas pessoas dilaceradas entre o Bem Infinito e os bens finitos.


3. Ernesto Psichari (1883-1914)

E. Psichari era neto do incrédulo e sarcástico Ernest Renan. Após um fracasso amoroso, tentou duas vezes o suicídio. Fez-se militar e foi para o deserto do Saara; ali percebeu o vazio dos atrativos das grandes cidades; o contato com a natureza rude e despojada fê-lo pensar; enfrentou os grandes questionamentos relativos ao sentido da vida. O próprio Psichari relata o que lhe aconteceu, falando de si na terceira pessoa:

"Nos seus anos de adolescência, que miséria e abandono! Seu pai alimentara-lhe a inteligência, mas não a alma. As primeiras perturbações da juventude encontraram-no desaparelhado, sem defesa contra o mal, sem proteção contra os sofismas e as falácias do mundo... Durante oito anos, dos vinte e dois aos trinta, errara pelo mundo e atirara a todos os céus a sua maldição... Fugia de continente a continente, de oceano a oceano, sem que alguma estrela o guiasse entre as variedades da terra" (Le Voyage d'un Centurion, 14ª ed., Paris 1916, pp. 4,6).

No silêncio do deserto, a voz de Deus falou a Psichari: "Tu me procuras e eu aí estou, nesse desgosto de ti mesmo que te assalta, nesse peso de tua alma cativa e até no pesadelo horrendo dos teus pecados" (ibd., p. 196).

Pediu então o Batismo, após ter-se preparado devidamente, e escreveu a famosa obra "A Viagem dum Centurião", que relata a história de sua conversão.

4. Giovanni Papini (1881-1956)

Giovanni desde menino muito leu, procurando satisfazer à sua sede de saber. Em busca da verdade, entregou-se à Filosofia, que o deixou descontente. Passou então para o pessimismo, o materialismo, o pragmatismo, chegando a tornar-se ocultista e espírita. Era sempre movido pelo desejo de ser grande e tornar os outros felizes. Entre as suas reflexões de tal época, lê-se a seguinte:

"Ser Deus! Empreendimento impossível, mas é a soberba meta almejada. Tal é o meu programa e o de outros... Ainda não acreditava em Deus; Deus não existia para mim, e jamais tinha existido. Eu queria criá-lo para o futuro e fazer de um homem pobre e miserável o Ser supremo, soberano, muito rico e poderoso".

Essa pretensão deixou-o frustrado e inspirou-lhe outras considerações:

"Peço, rogo humildemente de joelhos e com toda a pujança de minha alma um pouco de certeza, uma só, uma pequena crença certa, um átomo de verdade. Mas por que ainda não me encontrei com ela?... Não posso continuar vivendo assim, vacilando entre a dúvida e a negação, sempre ansioso por causa de um desejo que renasce todos os dias, e abatido pelo fracasso cada vez mais freqüente... Quero uma certeza firme e dela preciso, ainda que seja uma só. Quero uma fé indestrutível, mesmo que seja uma só. Quero uma verdade autêntica, por pequena e exígua que seja..., uma verdade que me faça tocar o âmago mais íntimo do mundo, e me confira o derradeiro e mais firme apoio".

Pôs-se então a procurar mais a fundo nos Evangelhos: "Retornei aos Evangelhos para procurar Cristo; entrei nas igrejas para encontrar Deus".

Papini encontrou Deus finalmente, refletindo sobre os horrores da guerra mundial à luz do Evangelho. Foi então que escreveu a sua célebre "História de Cristo". A firmeza da conversão de Giovanni Papini transparece na seguinte declaração, que ele redigiu com o próprio sangue:

"Temos necessidade de Ti, de Ti, e de mais ninguém. Só Tu, que nos amas de verdade, podes sentir por cada um de nós o que sofremos; só Tu podes conhecer a solicitude que cada um de nós experimenta por si. Só Tu podes sentir plenamente quão grande, quão imensa é a necessidade que temos de Ti neste mundo e nesta hora".

5. Adolfo Retté (1863-1930)

A. Retté foi anarquista, inimigo entranhado da Igreja, entregue aos prazeres do sexo e da bebida. Certa vez, socialista que era, falou a um auditório de socialistas em Fontainebleau. O tema era o materialismo de Haeckel e Büchner; Deus será "exorcizado" pelas conquistas da ciência e banido do universo. Terminada a palestra, quatro pessoas aproximaram-se do orador e pediram-lhe explicações mais minuciosas: dissesse como foi que o mundo começou, se por ninguém o universo foi criado. A. Retté repugnava falar sobre o que ele ignorava, por conseguinte balbuciou e hesitou. Tal incidente lhe pôs em foco o problema das origens, que a ciência por si só não resolve:

"Estava profundamente perturbado; sentia-me mal; tinha necessidade de refletir a sós com a minha consciência".

Internou-se na floresta: "Mas já não apreciava o encanto da sombra e do silêncio. O coração pesava-me no peito; tinha vontade de chorar; um remorso estranho e insólito parecia tumultuar dentro de mim" (Du Diable à Dieu, Paris 1907, p. 15).

Retté começou a duvidar do valor da vida. Caiu no desespero, que o levou a tentar o suicídio. Foi buscar uma corda:

"Então senti-me como que partido em dois: a metade do meu ser queria o suicídio imediato. A outra metade resistia e parecia estar pedindo socorro, enquanto em torno de mim eu sentia desencadear-se uma tempestade de blasfêmias e palavrões... Ouvi uma voz celeste, que me gritava: 'Deus, Deus está aí!'. Fulminado pela graça, caí de joelhos e entre soluços murmurei: 'Eu te dou graças, ó meu Deus, por te haveres voltado para mim!”.

Após três anos de ansiedade, aos quarenta e três anos de idade, Adolfo Retté fez sua Primeira Comunhão e tornou-se católico convicto, dedicado ao serviço dos pobres e ajudando muitos irmãos a se levantar.

6. Eva Lavallière (1866-1929)

Eva Lavallière era uma atriz de vida desregrada. Como tal, fazia o papel de mulher feliz, mas carregava dentro de si uma tragédia. Chegou ao desespero e às portas do suicídio. Caiu doente e foi procurar alívio no espiritismo, mas sem resultado. Voltou-se então para o Catolicismo e perguntou a uma amiga: "Julgas que Deus me aceitará após uma vida tão devassa?" Pôs-se a ler e conversar com pessoas amigas e finalmente redigiu uma carta, da qual dizia: "Custa-me muito escrever esta carta, e mais ainda custa-me enviá-la: nela vai proclamada a minha morte ao teatro. Nunca mais representarei!" Após nova enfermidade, que lhe proporcionou viva experiência de Deus, resolveu dedicar-se ao serviço dos semelhantes.

7. Thomas Merton (1915-1968)

Thomas Merton foi educado sem religião e no ódio ao Catolicismo. Foi fortemente impressionado pela guerra mundial de 1939 a 1945 e pela enfermidade de pessoas queridas. Estudou as obras de filósofos católicos, mas sem se convencer definitivamente. Refere-se ele a essa época dizendo: "Coisa estranha! Eu assimilava tudo, mas encontrava-me vazio de tudo. Devorando prazeres e alegrias, não encontrava senão angústias, miséria e temor. Nessa extrema desgraça e humilhação, passei por uma aventura sentimental, na qual fui tratado como fora de muitas outras nos últimos anos... Como um cãozinho, eu mendigava um pouco de carinho e uma prova de afeto. Tal era a morte do herói ou do grande homem que eu sonhara ser. A minha derrota foi a ocasião da minha salvação".

Após novas buscas de respostas, leu obras de Newman, que o inspiraram fortemente. Dizia de si para si: "Que esperas? Que fazes aqui? Sabes o que tens de fazer. Então por que não o fazes?"

Pediu e recebeu o Batismo, mas verificou que se convertera na inteligência mais do que no seu tipo de vida concreto. Para rematar sua caminhada, entrou no mosteiro trapista de Gethsêmani (U.S.A.), onde se aprofundou nas verdades da fé e na prática da ascese; disto resultaram escritos notáveis de projeção mundial e benéficos para muitos leitores.

8. Tatiana Goritcheva (1947- )

Tatiana nasceu em Leningrado no ano de 1947. Estudou Filosofia e Radiotécnica. Observa:

"Nasci num país em que os valores tradicionais da cultura, da religião e da moral foram arrancados pela raiz de maneira planejada e com êxito. Eu odiava tudo e amava a solidão".

Desgostosa da ideologia reinante em seu país, voltou-se para os "ídolos" do Ocidente, especialmente Nietzsche e o existencialismo ateu de Sartre e Camus. Chegou assim ao "desespero, com o qual começa a fé". Aos vinte e seis anos de idade, iniciou a luta contra a mentira:

"Cansada e desiludida, eu fazia meus exercícios de Yoga e repetia os mantras. Até aquela fase de minha vida, eu nunca tinha proferido uma oração. Mas o livro de Yoga propunha como exercício uma prece cristã, ou seja, a oração do Pai-Nosso. Comecei a repeti-la mentalmente como um mantra, de modo inexpressivo e automático. Compreendi - não com minha inteligência ridícula, mas com todo o meu ser - que Deus existe. Ele, o Deus vivo e pessoal, que me ama e ama todas as criaturas. A velha criatura morrera. Não somente abandonei meus valores e ideais anteriores, mas também meus antigos costumes. Finalmente meu coração se abriu. Comecei a querer bem às pessoas... Tornei-me impaciente, desejando servir a Deus e aos homens. Que alegria e que luz esplendorosa jorraram em meu coração!".

Tatiana teve consciência de fazer parte da Igreja perseguida e exclamou: "Eu também pertenço a esse povo!". Recebeu os sacramentos e pôs-se a estudar a Religião em Seminários integrados por intelectuais. Foi presa pela KGB e submetida a interrogatórios. Acabou sendo expulsa da Rússia em 1980, quando fixou domicílio em Paris.

Em 1986 Tatiana Goritcheva dava o seguinte testemunho:

"Há milhares de conversões inesperadas, como foi a minha. Em torno de mim muitas pessoas se tornaram cristãs; descobriram o Evangelho e a sua vitalidade aos 20, 30... 60 anos de idade; o corpo inteiro treme quando se lê o Evangelho. Hoje o Evangelho e os Padres da Igreja constituem a literatura mais importante da Rússia. A oração, para nós, vale mais do que o ar; é ela que nos dá força para transformar o mundo. Num Estado totalitário, vivemos sob cerco constante, mas, quando rezamos, sentimo-nos livres. A experiência da prisão é pavorosa, mas os nossos prisioneiros se julgam ainda muito felizes porque são perseguidos por amor a Cristo... Vocês não podem imaginar a força que Deus dá às pessoas em extrema necessidade.

O cristianismo tornou-se quase moda na URSS; ser intelectual e ser cristão é praticamente a mesma coisa. É curioso como se encontra liberdade na Igreja, onde não há riquezas, nem poder; mas onde existe a força dos valores místicos. A Igreja quase não existe como instituição, mas sim como um corpo vivo, purificado pelo sofrimento e o martírio. É por isto que ela atrai tanto. - Não podemos dizer quantos cristãos existem na URSS: trinta milhões, ou mesmo, segundo o Patriarcado de Moscou, cinqüenta milhões... O número não importa; o fato é que nem todos os convertidos se dizem cristãos, pois têm medo das represálias; freqüentam a Igreja, mas não se mostram dissidentes em relação ao regime soviético. Há outros, como eu, que se tornam dissidentes, porque não podem ocultar a alegria de ser cristão; é preciso levar o Evangelho ao resto do povo russo. Perdemos todo medo; organizamo-nos em pequenos grupos; verdade é que temos poucos padres; menor ainda é o número dos sacerdotes que têm a coragem de liderar a juventude; o padre que se destaque, é encarcerado e os seus filhos são enviados para educandários do Estado ou para prisões de crianças. Em Leningrado temos cinco padres que trabalham com a juventude convertida; correm grande risco.

Organizei um clube de mulheres, ao qual dei o nome de Maria (nem podia ser outro, pois queríamos honrar a Rainha do céu e da Rússia). Este clube tinha por objetivo ajudar-nos a perseverar na fé, já que ninguém sabe o que é isto: ... Cristianismo e Cultura, Cristianismo e História... Éramos 50 ou até 200 pessoas no meu apartamento, sempre na espreita de que a Policia interviesse para nos prender; muitos amigos nos abandonaram por medo; outros se admiraram de que não éramos encarceradas, pois nós lhes parecíamos loucas. Na verdade, o nosso grupo era vigiado pela KGB dia e noite, finalmente alguns dos seus membros acabaram presos, e outros expulsos da URSS".

A respeito de Tatiana Goritcheva, ver PR 295/1986, pp. 530-542; 301/1987, pp. 242-251.

9. Edith Stein (1891-1942)

Edith Stein foi judia, discípula do filósofo alemão Edmund Husserl. Perdeu a fé da sua infância. Estudou então vários pensadores alemães, sem encontrar resposta para seus anseios. Estando em férias, leu a autobiografia de Santa Teresa de Ávila, que muito lhe falou: "No mesmo instante, senti-me cativada: não pude interromper a leitura até chegar à última página. Quando fechei o livro, disse a mim mesma: 'Aqui está a verdade!'". Estudou a doutrina católica, foi batizada e entrou no Carmelo. Morreu em campo de concentração, vítima do nacional-socialismo.

Ver PR 443/1999, pp. 187-191.

10. Douglas Hyde (1860-1949)

Douglas Hyde era Secretário do Partido Comunista da Inglaterra e diretor do The Daily Worker. Por sua profissão, tinha que refutar escritores católicos como Chesterton, Belloc e, de cada vez, ficava muito impressionado pelo confronto das idéias. Em certa ocasião, ao entrar numa igreja católica, num recanto escuro frente à imagem da Virgem SSma., foi profundamente tocado: "Era feliz. Dei-me conta de que minha dolorosa peregrinação terminara. Murmurei: 'Senhora tão meiga e tão boa, sê boa para mim!'".

11. Carlos Nicolle (1866-1936)

Carlos Nicolle foi Prêmio Nobel em Medicina, pesquisador de doenças infecciosas e Diretor do Instituto Pasteur. Incrédulo ferrenho, sustentava a tese de que a razão explica tudo. Todavia o problema do sofrimento humano o perturbava. Procurou esclarecimentos em escolas filosóficas, mas em vão. Mais tarde dizia: "Não foi difícil encontrar de novo, debaixo das cinzas de preocupações científicas, o resquício de fé sobrenatural depositado por minha mãe, cujos sentimentos religiosos eram profundos". Escreveu um amigo seu: "Após ter-se insubordinado contra os fracassos averiguados por nossos próprios olhos, chegou, por fim, a pôr sua confiança em Deus".

12. Willibrord Verkade

Verkade era pintor dinamarquês. Dedicou-se à arte, à literatura e à filosofia, sem professar religião alguma. Certo dia entrou numa igreja católica, quando durante a Missa se cantava o Sanctus, Sanctus, Sanctus... Todos se ajoelharam. Mais tarde escrevia ele: "Como? Ajoelhar-me eu? Meu orgulho protestava com todas as suas fibras contra tal humilhação. Mas, já que eu estava ali, ajoelhei-me como as demais pessoas. Quando se levantaram, também eu me levantei, mas algo havia mudado dentro de mim. Eu já era católico pela metade, pois meu orgulho se tinha quebrantado; eu me tinha ajoelhado". Procurou instruir-se na doutrina católica. Foi batizado e mais se dedicou à pintura, pela qual exprimia sua ânsia de Deus. Finalmente tornou-se monge beneditino e escreveu sua autobiografia intitulada Unruhe zu Gott (Inquietude para com Deus).

13. Charles de Foucauld (1858-1916)

Charles foi educado de acordo com seus caprichos infantis. Após a Primeira Comunhão, perdeu a fé e entregou-se à licenciosidade. Fez-se militar no exército francês e foi servir na África. No seu ritmo de idas e vindas foi seqüestrado. Começou então a repensar sua religião... Foi procurar um sacerdote para pedir-lhe esclarecimentos e ouviu do padre as palavras: "Ajoelha-te e confessa-te!". Charles o fez, e disse, mais tarde, ter sido inundado por luz e paz. Tornou-se monge trapista na Terra Santa. Mas preferiu a vida eremítica, que ele passou a viver heroicamente no deserto do Saara, dedicando-se aos muçulmanos mais pobres. Certa noite, quando rezava, foi assassinado. Seu testemunho de vida e seus escritos suscitaram numerosos seguidores e seguidoras.

14. Léon Bloy (1846-1917)

Léon era filho de pai sarcástico, que zombava da religião (discípulo de Voltaire), e de mãe muito religiosa católica. Recebeu educação contraditória, que nele suscitou lutas internas entre a verdadeira crença religiosa (sugerida por sua mãe) e os preconceitos (incutidos por seu pai). Aos poucos estes foram desmoronando, mas com grande sofrimento para Bloy, que ele descreve em sua obra A Mulher Pobre. Acabou pedindo o Batismo, mas nem por isto conseguiu definir o seu ritmo de vida: quis tornar-se monge beneditino, mas não lhe foi possível, porque caía e recaía em seus vícios. Retirou-se para um mosteiro cartuxo, a fim de lá escrever; mas sua consciência lhe dizia que suas palavras não correspondiam ao seu tipo de vida. Um belo dia pareceu-lhe ouvir uma voz interior, que lhe dizia: "Se fores dócil à graça, eu te anuncio com certeza alegrias tão profundas, tão intensas, tão puras, tão luminosas que julgarás estar para morrer". Começou então uma vida nova, que com seus escritos e conversas levou muitos irmãos a Deus.

15. Takashi Nagai

Takashi Nagai era médico japonês, impregnado de materialismo. O falecimento de sua mãe muito o impressionou, assim como a cura de grave moléstia de que sofria. Pôs-se a ler os escritos de Blaise Pascal, que lhe deram o impulso final para procurar a Deus. Resolveu pedir o Batismo e dedicou o resto de sua vida à Medicina em favor dos que sofrem e precisam de atenção abnegada.

16. Outros grandes vultos

Em suma podem-se citar ainda:

- Agostinho de Hipona (+430), que levou vida devassa; bateu às portas do maniqueísmo, caiu no ceticismo, passou pelo neoplatonismo e finalmente, debaixo de uma árvore, ouviu uma voz que lhe indicava a leitura do Novo Testamento. Pediu o Batismo e tornou-se um dos maiores doutores da Igreja, grande vulto da filosofia e da história universal.

- Inácio de Loiola (+1556). Militar libertino, que, convalescente num hospital, leu a vida de Cristo e se converteu em penitente, místico e apóstolo, fundador da Companhia de Jesus.

- S. Francisco Xavier (+1552), ambicioso professor da Sorbonne (Paris), que, feito jesuíta, se tornou apóstolo das Índias Orientais.

- Inácio Lepp, psicoterapeuta marxista, que se converteu e se tornou sacerdote. Entre outras obras, escreveu Psicanálise do Ateísmo Moderno, obra cujo primeiro capítulo tem por titulo "O ateu que eu fui".

Os depoimentos até aqui registrados têm o valor de mostrar o fascínio do Infinito exercido sobre a psique humana, que lhe diz um "Sim" espontâneo, entravado pelos vínculos de bens transitórios e paixões um tanto irracionais e cegas. Nas pessoas sinceras o fascínio supera a resistência e leva à autenticidade de vida.

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NOTA:

[1] Conta-se que nesse discurso Renan teve uma inspiração e disse: "Quem sabe? Hoje estais aqui à roda de mim; há talvez entre vós algum que mais tarde se levantará para dizer que foi ruinosa a minha influência sobre a juventude". Claudel o disse.