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sábado, 31 de março de 2007

Conversões: Svetlana, a filha de Josef Stalin

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 394 1995)


Em síntese: Os traços autobiográficos de Svetlana, filha do ditador Josef Stalin, são eloqüente testemunho do senso religioso inato em todo ser humano. Apesar da sua educação atéia, Svetlana compreendeu que "é impossível viver sem Deus no coração". Sem estudar religião, mas unica­mente guiada pela procura do sentido da vida, chegou à conclusão da exis­tência de Deus e pediu o Batismo na Igreja Ortodoxa Russa.

Mais e mais atraída pelo Senhor Deus, passou da Ortodoxia Oriental para o Catolicismo, onde suas aspirações são plenamente preenchidas. E passou sem ter que ser batizada de novo, pois o Batismo é validamente ministrado nas comunidades eclesiais ortodoxas, que observam exatamen­te o rito do sacramento; é Cristo quem batiza mediante o ministro que se preste a fazer o que Ele instituiu.

* * *

Svetlana Allilouieva é a filha de Josef Stalin (1879-1953), o ditador comunista da ex-URSS, aliado e, depois, adversário de Adolf Hitler. Sta­lin governou a URSS desde 1928 até 1953, abrangendo o período da se­gunda guerra mundial (1939-1945).

Svetlana era a filha caçula de Stalin, muito amada pelo pai, mas dissi­dente em matéria religiosa e política. Deixou a URSS e tornou-se católica em 13/12/1982, após um itinerário religioso assaz complexo.

Svetlana deixou traços autobiográficos, que foram publicados em "Lettre du Foyer Oriental" e "Notre-Dame des Temps Nouveaux", de abril-junho 1993. Vão, a seguir, publicados em tradução portuguesa, que guarda a forma fragmentária do texto francês.

1. SVETLANA: "DEUS ME AMA"

O nome Svetlana provém do russo svet, luz. 0 sobrenome Allilouie­va significa louvor a Deus. Toda a trajetória religiosa de Svetlana se resume numa frase por ela proferida e muito divulgada pela imprensa na década de 1960, quando se tornou cristã: "E impossível viver sem Deus no cora­ção". Ela mesma refere como chegou a experimentar a necessidade de Deus.

MINHA VIDA SEM DEUS

"Para começar, desejo dizer que não pode haver vida sem Deus, mes­mo quando não O conhecemos e honestamente julgamos que Ele não exis­te. Os primeiros trinta e seis anos que vivi no Estado ateu da Rússia, não foram, em absoluto, uma vida sem Deus. Todavia fomos educados por nos­sa escola laicizada, por toda a nossa sociedade profundamente materialis­ta. Não se tratava de Deus.

Minha avó paterna, Ekaterina Djugashvili, não falava russo, pois era da Georgia. Até a morte, ela freqüentou a Igreja Ortodoxa da Georgia, causando grande embaraço às autoridades comunistas locais. Era uma po­bre camponesa, quase iletrada, viúva precoce, que pusera sua confiança em Deus e na Igreja. Era muito piedosa e trabalhadora; sonhava com a idéia de ver seu filho - meu pai - sacerdote. Era dirigida por um padre local, que levou o menino para a escola paroquial e, a seguir, sugeriu que o colocas­sem no Seminário de Tiflis. O adolescente era ávido de estudos e tornava­-se motivo de alegria e ufania para a sua mãe.

Em fins do século XIX os Seminários ortodoxos orientais na Rússia eram, muitas vezes, perpassados por uma corrente secreta revolucionária e nacionalista. O marxismo, importado do Ocidente, era bem conhecido nas Universidades.

O sonho de minha avó nunca se realizou. Com a idade de vinte e um anos, meu pai deixou o Seminário para sempre.

Minha avó materna, Olga Allilouieva, com prazer nos falava de Deus; dela é que nós ouvimos, pela primeira vez, os vocábulos Deus e alma. Para ela, Deus e a alma eram os próprios fundamentos da vida, exatamente co­mo para minha avó paterna, que vivia longe de nós.

Aos olhos de minhas duas avós, a nossa educação estava totalmente errada; elas não hesitavam em exprimir as suas opiniões.

Mas, se não conhecíamos Deus, Ele certamente nos conhecia a todos, embora não tivéssemos sido batizadas nem nossos pais casados na Igreja. Isto tudo, Deus o sabia.

Agradeço a Deus ter Ele permitido às nossas caras avós que nos trans­mitissem as sementes da fé; eram duas mulheres que, embora respeitassem em seu comportamento a nova ordem de coisas, guardavam profundamen­te em seus corações a fé em Deus e em Cristo. Sem dúvida, rezaram por nós, seus sete netos, no silêncio e em segredo.

Durante a guerra cruel que opôs nosso país ao nazismo alemão, meu pai devolveu alguns direitos à Igreja da Rússia, abriu Seminários, restituiu às igrejas os sacerdotes egressos das prisões ou do exílio. Por iniciativa pes­soal de meu pai, a lei do Estado que condenava o aborto, foi adotada na URSS por volta de 1930 e ficou vigente até a morte dele.

Narra agora Svetlana algo de horrível, que lhe aconteceu quando ti­nha seis anos de idade: sua mãe suicidou-se. Nada permitia prever esse trá­gico desfecho. Aconteceu, porém, que certo dia Stalin respondeu a alguém pelo telefone: "Acidente mortal"; alguns dias depois o tal acidente verifi­cou-se... A esposa de Stalin, embora atéia, era animada por um sentido agudo de justiça. Após ouvir a resposta do marido pelo telefone mencio­nando "acidente mortal", ela lhe pediu explicações. Josef Stalin, porém, recusou qualquer tipo de retratação em sua conduta; ela então se suicidou, na esperança de despertar a consciência do marido.

Este acontecimento doloroso é relatado no primeiro livro de Svetlana publicado no Ocidente; "Vinte Cartas a um Amigo". Segundo Svetlana, "uma porcentagem mínima de leitores ocidentais clarividentes compreen­deram que a verdadeira heroína desse livro era minha mãe, Nadejda Ser­gueevna Allilouieva".

Após a morte da esposa, Stalin redobrou de afeição para com a sua fi­lha caçula, mas aos poucos seu caráter foi-se endurecendo.

Svetlana percebia sempre os ecos das sinistras atividades de seu pai. Tentava intervir em prol de um abrandamento, até o dia em que ele lhe disse: "E este o último favor que te concedo; não voltes a pedir-me ou­tro". Esta recusa provocou no íntimo da jovem um trauma difícil de sa­nar, pois ainda não tinha fé e ignorava o sentido dos sofrimentos.

Teve ainda que prantear a triste sorte de seu irmão Basílio, ao qual estava muito ligada. Durante a guerra, este jovem fora nomeado para um posto graduado da Força Aérea: mas, após a morte de Stalin, foi exilado para a Sibéria, onde em breve morreu.

MEU BATISMO NA IGREJA ORTODOXA RUSSA

Svetlana realizou estudos universitários de História e casou-se; con­traiu matrimônio "sem amor"; mas regozijava-se com a perspectiva da ma­ternidade.

"Quando meu irmão morreu, meu filho de dezoito anos estava muito doente; não queria ir para o hospital, apesar da insistência do médico. Pela primeira vez em minha vida, com trinta e seis anos de idade, pedi a Deus que o curasse. Eu não conhecia nenhuma fórmula de oração, nem mesmo o Pai-Nosso, mas Deus, que é bom, não podia deixar de me atender. Ele me ouviu, eu o sabia. Meu filho foi curado. Após esta graça, intenso senti­mento da presença de Deus invadiu-me". A fé de Svetlana, ainda pagã, de­ve ter tocado o Coração de Jesus, que louvou a fé do centurião e a da siro­fenícia.

"Para surpresa minha, pedi a amigos batizados que me acompanhas­sem até a igreja. Deus não somente me ajudou a encontrá-los, mas desejava conceder-me mais graças ainda.

Deu-me a conhecer o maravilhoso sacerdo­te Pe. Nicolau Goloubtzov (1890-1963). Batizava, às ocultas, os adultos que tinham vivido na incredulidade. Foi também o pai espiritual do Pe. Alexandre Men, pregador célebre assassinado após muitas ameaças de pri­são por causa das numerosas conversões que ele suscitava, especialmente entre os jovens.

O Pe. Nicolau me disse, de antemão, que eu não pensasse que encon­traria a felicidade após o Batismo. Eu não era capaz de compreender, na­quela época, que a vida de um cristão é um caminhar com a cruz na seqüela de Cristo e que o sofrimento é parte integrante dessa vida nova.

Eu precisava de ser instruída a respeito dos dogmas básicos do Cris­tianismo. Batizada em 20 de maio de 1962, tive a alegria de conhecer Deus, mesmo ignorando quase tudo da doutrina cristã. Pois infelizmente o Pe. Goloubtzov morreu em março de 1963. Quase nunca tive a ocasião de lhe pedir conselhos, embora ele estivesse preocupado a meu respeito, sus­peitando que minha vida passaria por grandes mudanças. Eu não o sabia".

MEU PRIMEIRO ENCONTRO COM A IGREJA DE ROMA

"Encontrei católicos romanos, pela primeira vez na vida, na Suíça ro­manche, cinco anos após ter sido batizada na Igreja Ortodoxa Russa".

Eis como aconteceu: tendo dissolvido seu primeiro casamento, Sve­tlana encontrou um diplomata indiano que passava uma temporada em Moscou e casou-se com ele. Esse homem, fino e culto, mas de saúde delica­da, morreu pouco depois. Ela quis então levar à mãe dele a urna portadora das cinzas, que, segundo a tradição hindu, devia ser lançada nas águas do rio Ganges. Ela recebeu a autorização para fazer essa viagem e partiu sem demora. Foi então que ela sentiu o desejo de ser totalmente livre e tomou a decisão de procurar a Embaixada norte-americana em Nova Delhi, pe­dindo ajuda para não regressar para a Rússia. Escreveu na sua declaração:

"Fui batizada, e isto provocou grande mudança na minha vida".

O Governo norte-americano preferiu não consentir precipitadamente para não irritar o Governo Soviético. Levaram-na para Friburgo. No Minis­tério do Exterior, o seu caso foi confiado ao Dr. Jenner, que fora, durante longos anos, Embaixador da Suíça no Vaticano. Este diplomata compreen­deu perfeitamente que Svetlana não desejava viver cerceada sob o controle do Partido, e obteve-lhe acolhida num convento da Visitação, fundado por São Francisco de Sales. Svetlana deu-se muito bem com a Irmã Superiora e guardou excelente recordação da "Primavera Suíça".

A Suíça romanche foi, para ela, um lar caloroso e inesperado, mas passageiro. Com efeito, os americanos julgaram que era mais vantajoso pa­ra ela publicar seu primeiro livro em Nova Iorque; por isto foram alguns juristas a Friburgo para pedir-lhe que assinasse alguns documentos. "Dora­vante, escreve ela, eu estava sob a dependência dos mesmos sem o saber".

EM DIREÇAO DE NOVA VIDA

O contato com os Estados Unidos a atordoou e espantou. Ficou tam­bém chocada por causa da publicidade, que tomava conta da sua vida par­ticular, a tal ponto que trechos de suas cartas foram divulgados na impren­sa. A vida nos Estados Unidos acarretou-lhe muitas decepções, que ela nar­ra em seu livro "Músicas Longínquas", publicado na Índia e vendido com sucesso em Moscou.

"Os quinze anos que passei nos Estados Unidos, foram para mim causa de tormentos e desatinos. Após o nascimento de minha filha oriunda de meu casamento nos Estados Unidos, parecia oferecer-se a mim uma possibilidade de vida normal. Mas em breve houve perturbação e amargura, e tudo terminou com uma separação conjugal.

Durante esses anos, minha vida religiosa era tão confusa quanto o res­to. Eu me via frente a um Cristianismo norte-americano múltiplo. Cada corrente religiosa me convidava. Todas me testemunhavam grande simpa­tia. Eu precisava de discernir o que era correto na multiplicidade das pro­postas de fé, e eu perdia a noção do que eu era pessoalmente e daquilo em que eu acreditava".

Svetlana também procurou na Igreja Ortodoxa de sua origem a solu­ção para a sua demanda pessoal. As respostas às suas perguntas lhe parece­ram abstratas demais. Apesar de todas as amizades que ela travou com intelectuais ortodoxos, como a família Florovsky, a sua sede espiritual permanecia insatisfeita.

"Um dia recebi uma carta de um sacerdote católico italiano da Pen­silvânia, o Pe. Garbolino, que me recomendava vivamente fizesse uma pe­regrinação a Fátima (Portugal) por ocasião do 60° aniversário das apari­ções. Não foi possível fazê-lo então, mas a nossa correspondência amiga durou mais de vinte anos e me esclareceu muita coisa".

Nesse intercâmbio epistolar, a questão da adesão à Igreja Católica foi colocada mais de uma vez, mas a publicidade e o fato de ser devassada constantemente pelos meios de comunicação social a tinham impressiona­do negativamente logo que chegou aos Estados Unidos.

"Expor ao grande público o mais íntimo de meus sentimentos (a mi­nha fé), meu relacionamento com Deus, não era algo que estava disposta a enfrentar. Eu também não podia falar em nome de todo o povo russo. To­da a minha educação se realizara à distância da vida de meu pai; eu bem sa­bia que eu não representava o povo russo como tal".

Em 1969 o Pe. Garbolino, que se encontrava em New Jersey, foi visi­tar Svetlana em Princeton. Ela continuou a lhe escrever em Pittsburg: "Eu estava então divorciada e muito infeliz. Ele encontrava sempre as palavras oportunas como bom padre e me prometia sempre rezar por mim".

Em 1976 Svetlana encontrou na Califórnia um casal católico - Rosa e Michell Giansiracusa -, com o qual conviveu dois anos. A piedade discre­ta dos cônjuges e a sua solicitude para com ela e sua filha a marcaram par­ticularmente.

"Partimos para a Inglaterra em 1982 a fim de proporcionar à minha filha uma boa educação européia. Meus contatos com os católicos eram sempre espontâneos, calmos e estimulantes. A leitura de livros notáveis, como o de Raíssa Maritain, contribuiu para mais e mais me aproximar da Igreja Católica. Foi assim que, num dia frio de dezembro, por ocasião da festa de Santa Lúcia, no tempo do Advento, que eu sempre estimei e en­careci, aflorou naturalmente a decisão, havia muito preparada, mas tam­bém muito postergada, de entrar na Igreja Romana; eu morava então em Cambridge (Inglaterra). Um amigo polonês católico levou-me ao Pe. A. Coghlan, do Seminário de Allen Hall em Londres. No dia 13 de dezembro de 1982, fui recebida na igreja Católica.

Isto aconteceu vários anos depois de ter começado a pensar nessa de­cisão sob a orientação do Pe. Garbolino, que eu conhecera e apreciara nos Estados Unidos, nos dias em que os meios de comunicação social me perseguiam. Agora este perigo desapareceu.

Há uma coisa que aprendi, pela primeira vez, nos conventos católicos: a bênção da existência cotidiana, ainda que seja a mais apagada, em cada momento, em cada pequeno gesto, até mesmo no silêncio. De modo geral estou muito feliz sozinha e é na calma do meu apartamento que sinto prin­cipalmente a presença de Cristo".

Mais tarde, Svetlana conheceu o Pe. Thomas Broussard, um domini­cano que a orientou e muito a estimulou.

APRENDO UM POUCO MAIS TODOS OS ANOS

"Dez anos se passaram após 1982, anos de felicidade. Mas, assim co­mo eu não fora devidamente instruída na Igreja Ortodoxa Russa quando lá fui recebida há trinta anos, assim não recebi também nenhum ensinamento religioso na Igreja Católica. Tive que aprender tudo por mim mesma, len­do livros oferecidos por amigos católicos ou visitando livrarias... As vidas dos Santos sempre exerceram sobre mim influência mais possante do que os eruditos tratados. As coleções da Biblioteca Geral Católica de Londres me são franqueadas e lá posso sempre encontrar coisas apaixonantes.

A diferença entre a solidão na Igreja Ortodoxa Oriental e a solidão na Igreja Católica apareceu-me desta maneira: na Ortodoxia Oriental rara­mente se ouve uma confissão; isto se dá geralmente uma vez por ano antes de Páscoa, e sem a discreção do confessionário.[1] Somente agora compreen­do a graça maravilhosa que decorre dos sacramentos como o da Reconci­liação e o da Eucaristia, oferecidos em qualquer dia do ano, e mesmo dia­riamente.

Antes eu estava muito pouco disposta a perdoar e a me arrepender; nunca fui capaz de perdoar aos meus inimigos. Agora sinto-me tão diferen­te de outrora, quando participo da Missa diariamente. Somos tão fracos que não chegamos a cumprir nossos propósitos sem a ajuda e o sustento de Deus. A Eucaristia tornou-se para mim viva e necessária. O sacramento da Reconciliação com Deus, que nós ofendemos, menosprezamos e traímos diariamente, o sentimento de culpa e de tristeza que então nos acomete, isto tudo torna necessário que O recebamos muito freqüentemente. Muitas vezes não nos damos conta da inimaginável graça do perdão que nos é ofe­recido pelo Pai e o Filho no Espírito Santo; pedir humildemente essa gra­ça, e tão freqüentemente quanto possível, é o maior privilégio que os cris­tãos possuem.

Acreditei durante anos que a decisão crucial de ficar no estrangeiro, tomada por mim em 1967, significava uma grande etapa da minha vida. Comecei uma existência nova, libertei-me e adiantei-me na minha carreira de escritora itinerante. Meu Pai Celeste corrigiu-me suavemente. Fui de no­vo agraciada por uma maternidade tardia, que devia recordar-me o meu lu­gar na vida: lugar humilde de mulher e de mãe. Assim fui realmente carre­gada nos braços de Maria Virgem, cuja intercessão eu não fora acostumada a solicitar, pois acreditava que essa devoção era própria principalmente de camponesas iletradas, como minha avó georgiana, que não tinha outra pes­soa para quem se voltar. O', como perdi essa ilusão, quando eu mesma me via só e sem apoio. Quem seria minha advogada se não a Mãe de Jesus? Como de repente Ela se me tornou próxima, Ela, que as gerações chamam bem-aventurada entre as mulheres.

Tive a ocasião de fazer retiros durante a Quaresma e a Semana da Pás­coa. Como era agradável estar completamente escondida numa pequena al­deia, longe de tudo! Pude falar longamente com Jesus principalmente du­rante os longos silêncios da exposição do Santíssimo Sacramento.

A ALEGRIA DE DEUS SE EXPANDE NA PROVAÇÃO

Svetlana afirma com franqueza: "Tudo o que eu sei com certeza (co­mo uma filha reconhece a voz de sua mãe) é que Deus me ama. Cristo me ama. Os seus Santos me amam também; ninguém e nada me pode arreba­tar esta convicção; toda e qualquer vida, mesmo a mais insignificante, é preciosa aos olhos de Deus".

O testemunho de Newman confirma tais afirmações: "Deus me criou para que eu Lhe preste um serviço preciso. Ele me confiou uma tarefa que Ele não confiou a outrem. Tenho a minha missão. Eu não poderei jamais avaliá-la devidamente neste mundo, mas eu a conhecerei plenamente na vida futura".

2. REFLETINDO.. .

Este texto vem a ser eloqüente testemunho do senso religioso inato em todo ser humano. Apesar de sua educação atéia, Svetlana compreendeu que "é impossível viver sem Deus no coração". Sem estudar religião, mas unicamente guiada pela procura do sentido da vida, chegou ela à conclusão da existência de Deus e pediu o Batismo na Igreja Ortodoxa Russa.

Mais e mais atraída pelo Senhor Deus, passou da Ortodoxia Oriental para o Catolicismo, onde suas aspirações são plenamente satisfeitas. E passou, sem ter que ser batizada de novo, pois o Batismo é validamente ministrado nas comunidades eclesiais ortodoxas, que observam exatamen­te o rito do sacramento. É Cristo quem batiza mediante o ministro que se preste a fazer o que Ele instituiu.

O depoimento de Svetlana merece divulgação, pois é benéfico conhe­cer a ação da graça nos corações sinceros.

***

NOTA:

[1] Atualmente a recepção da Eucaristia e o sacramento da Reconciliação são mais freqüentes na Ortodoxia Oriental.

Conversões: por que me fiz católico?

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 310/1988)

Em síntese: O pastor luterano Wolfgang Tschuschke em 1986 tor­nou-se católico com sua esposa e seis filhos. A razão que o levou a isto, fo­ram seus estudos de Liturgia, que lhe deram a ver a densidade do culto cató­lico, marcado pela celebração dos santos mistérios ou da obra salvífica de Cristo perpetuada sobre os altares; não apenas a palavra ressoa na Liturgia católica, mas também os feitos redentores de Cristo se tornam presentes e atuantes - o que abre novas perspectivas de espiritualidade e nova dimen­são de Cristianismo. W. Tschuschke julga que a politização da Teologia e do culto esvazia o Cristianismo. Deseja ser ordenado presbítero católico, como têm sido outros pastores luteranos e anglicanos nos últimos decênios.

***

O ex-pastor luterano Wolfgang Tschuschke serviu durante dez anos a uma comunidade evangélica de Sibbesse, perto de Hildsheim, no Norte da Alemanha. Com o tempo, porém, foi estudando o Catolicismo e resolveu tornar-se católico com sua esposa Sabine e os seis filhos: Jakob, com doze anos atualmente, Agnes, Cordula, Maria, Franziska e Hans (com dois anos de idade). Tem 38 anos de idade. O seu caso chamou a atenção das autoridades eclesiásticas luteranas, assim como dos crentes e da imprensa.

O repórter Paolo Vicentin foi entrevistá-lo, afim de colher informa­ções sobre o momentoso episódio. O depoimento de Wolfgang Tschuschke é assaz interessante. Cada conversão tem seus porquês, pois cada convertido é impressionado por uma faceta do Catolicismo, que talvez tenha caído na penumbra para alguns católicos. Daí a importância de se conhecer um pouco do itinerário espiritual desse homem, que se pôs totalmente à disposição do Senhor Deus.

1. A entrevista

1.1. O processo interior

"Paolo Vicentin: Como chegou o ex-pastor Tschuschke à Igreja Cató­lica?

Wolfgang Tschuschke: Fui ordenado pastor há dez anos. Em Gottin­gen, onde morava minha família, eu tinha diante de casa uma igreja católi­ca; mas, quando menino ou jovem, nunca pisei lá. Éramos protestantes. Mi­nha mãe descendia de uma família de eclesiásticos luteranos de estrita obser­vância e naturalmente eram-me inculcado que não se entra num edifício de culto católico.

P.V.: E o Sr. sempre observou escrupulosamente tal proibição?

W.T.: Certo que sim; mesmo porque a nós, filhos, não passava pela ca­beça lançar uma olhada por entre os muros dos papistas. Quando eu já era pastor, durante férias passadas na Grécia, assisti, pela primeira vez, a uma Li­turgia greco-ortodoxa. Após ter estudado Teologia nas Universidades de Gottingen e Heidelberg, tornei-me pastor em Sibbesse, perto de Hildsheim. O primeiro contato, propriamente dito, com o mundo católico, eu o tive quando preparava a minha tese sobre um tema litúrgico. Comprei um Missal como fonte de estudo, e disse a mim mesmo: 'Vai também a um Gottesdienst (culto) católico. . ." Pela primeira vez, então, freqüentei uma Missa. Foi uma experiência importante. Pois também comprei um Breviário[1] em ale­mão, sempre como matéria de estudo para a minha Dissertação; veio-me também a inspiração de rezar com a ajuda daquele Breviário.

P.V.: Houve no Sr. uma virada teológica que o fez desembarcar no Catolicismo?

W.T.: Desde que me aproximei da Liturgia e, por conseguinte, da teo­logia católica, as coisas se me apresentaram sob outro aspecto. Pela primei­ra vez, perguntei a mim mesmo: 'Que aconteceu realmente na Páscoa e como aconteceu?' Já não me bastavam as respostas que ouvira durante os meus estudos, a saber: 'Cristo ressurge na comunidade dos crentes' ou 'A Ressur­reição enfatiza a importância da Cruz'. Como quer que fosse, eu já não me sentia á vontade para pregar apenas sobre essas idéias.

Foi então que pensei em rever a minha Teologia. Muito importante pa­ra mim foi também a preparação para um Sermão de Natal sobre o início do Evangelho segundo Mateus: 'Livro da genealogia de Jesus Cristo, Filho de Davi, Filho de Abraão', trecho onde se fala do nascimento virginal de Jesus. Disse a mim mesmo: isto não é uma lenda piedosa... Eu me conven­cia de que Deus realmente tocou o mundo com o seu Natal; a Encarnação significa que Ele é, por assim dizer, palpável, . . . que a Palavra se fez car­ne,... que aconteceu realmente alguma coisa..

1.2. O Luteranismo hoje

P.V.: Como se apresenta a Igreja Luterana com os seus ministros?

W.T.: Existe uma tabulação muito ampla com duas posições extrema­das. De um lado, estão os teólogos fortemente esquerdistas, que em suas pre­gações quase só desenvolvem temas políticos e presidem aos Ofícios litúrgi­cos de maneira totalmente profana, sem alguma veste litúrgica, e assim por diante. Doutro lado, acham-se os pastores (e as comunidades) que são quase católicos: têm paramentos sacros, tabernáculo, veneração a Maria SS.,

Con­fissão. . . Se o Sr. assistisse a um culto celebrado por tais pastores, quase diria: 'Aqui estamos entre católicos'.

P.V.: Quando o Sr. era pastor em Sibbesse, como se comportou? De que lado da tabulação se colocou?

W.T.: Dado que os eclesiásticos luteranos podem, de certo modo, es­colher a comunidade em que trabalhem, eu procurei uma do segundo tipo; cresci nela, e procurei realizar as coisas que passam por prerrogativas dos católicos. Houve muitas discussões e oposição não só entre os crentes, mas também entre os meus confrades da vizinhança.

P.V.: A que prerrogativa católica o Sr. dava prioridade no seu tra­balho pastoral?

W.T.: Procurei colocar a Eucaristia no centro da minha atividade. Quando cheguei a Sibbesse, na minha comunidade a Santa Ceia era celebra­da apenas seis vezes ao ano. Quando deixei a cidadezinha, era celebrada duas vezes por mês. Eu celebrava a Liturgia da Ceia duas vezes por mês, coisa inédita para os luteranos que se colocam do outro lado do quadrante.. . Mas não consegui introduzir a Confissão; existem, porém, comunidades pro­testantes onde ela é praticada.

P.V.: Houve um dia ou talvez um momento em que o Sr. disse a si mesmo: 'Sou católico'?

W.T.: Não nego que esta pergunta me perturba e me comove ao mes­mo tempo. Não houve um momento preciso, mas descobri sempre mais - e com minha esposa deu-se o mesmo - que no coração éramos católicos. Com Sabine discutimos longamente, como o Sr. pode imaginar, a respeito dos nossos problemas religiosos; o propósito de tornarmo-nos católicos amadu­receu em nós simultaneamente, por uma convicção comum, mesmo que te­nha decorrido muito tempo para que oficializássemos a nossa escolha.

1.3. O desligamento oficial

P.V.: Como transcorreu, digamos assim, o cerimonial da passagem do Luteranismo ao Catolicismo?

W.T: Pedi audiência ao Bispo de Hildsheim, diocese à qual pertence o território no qual eu era pastor protestante. O Bispo, como se compreende, já estava a par do meu desejo. Mons. Josef Horneyer acolheu-me com um Herzlich willkommen!. . . bem-vindo de todo o coração! Contei-lhe a mi­nha história e, depois, acrescentei: 'Excelência, eu tinha certo medo de que me dissesse: Fica onde estás. . .' Ao contrário, respondeu-me o Bispo: 'Não, não, falo com muita convicção: Herzlich willkommen!' Estávamos no fim de 1985. Ele me recomendou a um Prelado, com o qual posteriormente me encontrei muitas vezes. No começo de 1986, fomos recebidos, minha mulher e eu, na Igreja Católica.

P.V.: Antes, porém, o Sr. comunicou a sua decisão aos Superiores e à comunidade da qual era pastor?

W.T.: Por certo, não sou o primeiro eclesiástico luterano que se torna católico. Como o Sr. há de se lembrar, há alguns decênios causou muito alar­de a conversão de um parente remoto de Goethe, o pastor Rudolf Goethe. Uma vez tomada a decisão, fui visitar alguns ex-párocos protestantes que se haviam tornado católicos e ora exercem o ministério na diocese de Ratisbona. Contaram-me que a sua passagem para o Catolicismo havia sido muito difí­cil. Mas, com o meu Bispo luterano, a conversa desenvolveu-se com franque­za, mas também fraternalmente. Disse-me: 'Aceito a sua decisão... ainda que me pese. . .'. Depois acertamos a maneira de dar a notícia aos fiéis.

P.V.: Imagino a sua emoção naquele domingo 12 de janeiro de 1986,

ao celebrar pela última vez a Ceia do Senhor com os fiéis da sua comuni­dade...

W.T.: Antes do culto marcado para o dia 15, eu tinha convocado os membros do Conselho e os informara oficialmente a respeito de quanto o Landessuperintendent (o meu Superior, o Superintendente local) havia de comunicar, pouco depois, à assembléia. A seguir, fomos juntos para a igre­ja. Eu já não era o oficiante e não trajava a veste litúrgica, túnica preta com grande colarinho branco, especial para as cerimônias religiosas. Mas ainda re­cebi a Comunhão. Minha mulher, que é organista, tocou pela última vez du­rante aquele ofício religioso. O Landessuperintendent, Ernest Henze, ao comunicar a minha decisão, valeu-se da passagem do Evangelho onde Je­sus afirma que na Casa do Pai há muitas moradas. Ele disse que respeitava a minha opção e me agradeceu pelo trabalho realizado naquela comunidade.

Depois invocou a bênção do Senhor sobre aquilo que acontecera (assim se exprimiu ele) e que procedera de um coração sincero.

P.V.: E o Sr. que disse naquele domingo aos seus paroquianos?

W.T.: Disse que nos despedíamos, minha mulher e eu, de Sibbesse com o coração partido, mas que o devíamos fazer, porque tínhamos reconheci­do a Igreja Católica como o lugar ao qual tínhamos de pertencer. Acrescen­tei que encontramos na Igreja Católica maior plenitude de sacramentos, de modo que intencionávamos participar dela com os nossos filhos. Sendo assim, pedi aos fiéis que aceitassem e respeitassem a minha caminhada, en­fatizando que nós não nos afastávamos daquilo que até então tínhamos acre­ditado e pregado e que não existe motivo para renegar o que seja. Continuei dizendo que cada um, na Igreja, devia ficar no lugar em que Deus o colocara. E concluí: 'Deus abençoe esta comunidade e a Igreja luterano-evangélica, e nos leve um dia todos juntos para um Reino onde não haja diversas confis­sões religiosas'.

1.4. Após a despedida

P.V.: Como decorreram os primeiros dias, as primeiras semanas e os primeiros meses após o Adeus oficial ao protestantismo?

W.T.: Existe uma espécie de acordo entre a Conferência dos Bispos Católicos da Alemanha e os responsáveis da Igreja protestante, segundo o qual os eclesiásticos luteranos que passam para o Catolicismo não devem ficar na região onde são conhecidos e.trabalharam. O Bispo de Hildsheim, por isto, enviou-me a ter com o Bispo de Bamberg, e Mons. Elmar Maria Kredel me destinou para cá, em Schwaig, perto de Norinberga, que perten­ce à sua arquidiocese. Encarregaram-me das aulas de Religião num Instituto profissionalizante.

P.V.: Sei, porém, que o Sr. tem um desejo bem preciso...

W.T.: Por certo, a minha mais viva aspiração é a de tornar-me sacerdo­te católico. Em breve encontrar-me-ei com professores de Teologia em Bam­berg para definir quais são as minhas lacunas e para que me indiquem o que devo ainda aprofundar (por exemplo, o Direito Canônico). O pedido de dispensa especial já foi encaminhado pelo arcebispo de Bamberg à Santa Sé[2] . Bem espero que me seja concedido o acesso às Ordens Sacras. Não há dúvida, terei que percorrer toda a via: Leitorado, Acolitado, Diaconato e, depois, a Ordenação Sacerdotal.

P.V.: Há outros casos, além daqueles famosos de mais de trinta anos (entre os quais o do citado descendente de Goethe), de pastores protestan­tes que se tornaram sacerdotes católicos?

W.T.: Em Hildsheim um pastor luterano se converteu há seis anos. Agora é pároco, mesmo tendo esposa e filhos. A comunidade católica o acei­tou plenamente e é belo ver isto. Existem muitos outros casos. . . Sei que atualmente vivem na diocese de Ratisbona seis ex-pastores protestantes: cin­co deles são párocos, um tem oito filhos, um convento...

P.V.: O Sr. como se sente agora: humilhado, posto de lado, arrependi­do do passo dado?

W.T.: Na verdade acontece justamente o contrário. Minha mulher e eu, como eu lhe dizia, estamos muito felizes por causa da nossa decisão.

1.5. O que falta...

P.V.: Mas o Sr. não me dirá que tudo é positivo na Igreja Católica. Não será que o Sr., como neófito, vê as coisas róseas demais?

W.T.: Não; estou com os pés no chão. Tenho a impressão, por exem­plo, de que, segundo párocos católicos, eu sou um estorvo para o ecumenis­mo. São reservados ao falar-me. Há muito empenho para cancelar as diferen­ças entre católicos e protestantes, acentuando-se o que há de comum aos dois lados. Por isto, quando se apresenta alguém como eu, tenho a sensação de que me querem dizer: 'Eram tão grandes as diferenças para que te decidis­ses a dar este passo?'

P.V.: No seu modo de ver, por que é que pastores protestantes deixam a sua Igreja e se tornam católicos?

W.T.: Além de motivos pessoais, às vezes impenetráveis, parece-me que o que os atrai ao Catolicismo - foi um pouco o meu caso - é a celebração eucarística e o calor (se assim me posso exprimir) que a discreta presença da Virgem comunica à Igreja Católica. O Papado já não é visto, como era outro­ra, qual obstáculo para que um luterano se torne católico. Recentemente muitos pastores se separaram da sua Igreja, cansados da politização exercida por seus Bispos.

P.V.: Permita-me insistir: que significa atualmente a Igreja protestan­te na Alemanha?

W.T.: Não tenciono falar mal. Mas os dados e os fatos têm linguagem eloqüente. A Igreja Evangélica Alemã (EKD), nas dezessete circunscrições regionais em que se reparte, perdeu, de 1970 a 1985, mais de 3.300.000 fiéis. Neste segmento de tempo, o número dos protestantes alemães caiu de quase 12% , passando de 28,5 a 25,1 milhões. A maior parte das defecções se verifica na Alemanha Setentrional.

P.V.: Que elementos da sua Igreja protestante lhe fazem falta, agora que se tornou católico e espera ser ordenado sacerdote?

W.T.: Falta-me, e sempre me farão falta, os nossos Lieder (cantos), aqueles corais religiosos tão belos; falta-me também a música que se toca en­tre os protestantes - principalmente em certas datas. Perturbam-me, na Igre­ja Católica, os rosários recitados sem reflexão. Mas principalmente os católi­cos às vezes cedem demais aos luteranos...

P.V.: Se o Sr. tivesse o desejo e a possibilidade de se encontrar com Hans Küng, que é que lhe pediria?

W.T.: Talvez eu lhe colocasse uma só pergunta: 'Sr. Professor, por que não passa para o protestantismo?' "

***

2. Comentários

O depoimento de Wolfgang Tschuschke sugere algumas reflexões:

1.1. Catolicismo e Protestantismo

1) O Luteranismo e o Calvinismo são as denominações mais antigas e clássicas do Protestantismo, pois se reduzem aos iniciadores do movimento reformista do século XVI. Especialmente o Luteranismo conserva muitos elementos tradicionais, que o aproximam da Igreja Católica. Daí o interesse de pastores luteranos pela Igreja Católica. Hoje as tensões entre católicos e protestantes estão muito amainadas, pois, numa reflexão objetiva, se vê que as objeções levantadas por Lutero são superáveis.

O fato de haver denominações diversas dentro do Cristianismo é dolo­roso. Deve-se às vicissitudes humanas. Todavia o cristão não é relativista; sa­be que a Igreja fundada por Jesus Cristo foi confiada a Pedro e seus sucesso­res, a quem o Senhor prometeu infalível assistência até o fim dos tempos (cf. Mt 16,16-19; 28,18-20).

As denominações cristãs que não reconhecem o primado de Pedro, es­tão separadas, como se diz; mas também se pode afirmar, com o Concílio do Vaticano II que estão em comunhão imperfeita ou incompleta com a Igreja de Cristo; com efeito, estão em certa comunhão, porque possuem, em grau maior ou menor, elementos da Igreja de Cristo (a Bíblia, o Batismo, a oração, o martírio...); tais elementos devem ser acrescidos de outros (Euca­ristia, ministério sacerdotal, demais sacramentos, fidelidade a Pedro...), tam­bém constitutivos da Igreja de Cristo, para que a comunhão se torne perfei­ta (cf. Decreto Unitatis Redintegratio n94).

Esta concepção otimista derruba barreiras inúteis entre católicos e protestantes, mas não deve fazer esquecer que o protestantismo parte de premissas inaceitáveis ao Cristianismo clássico; entre estas, se acha a recusa da Tradição oral, a fim de privilegiar unicamente a Escritura como fonte da Revelação Divina. Esta posição chega a ser ilógica, pois implicitamente ela afirma o que explicitamente ela nega. Com efeito; pergunta-se: se a S. Escri­tura é a única fonte de fé e tudo tem que ser provado mediante a Bíblia, on­de é que a S. Escritura define o seu Cânon ou o seu catálogo? Onde leio na Bíblia que tais são os livros inspirados por Deus e não mais nem menos? A Bíblia não o diz; somente pela Tradição oral é que o crente sabe que Deus falou e que a sua Palavra se encontra em tais escritos sagrados, e não em ou­tros. Veja-se a Constituição Dei Verbum do Concílio do Vaticano II:

"Pela Tradição torna-se conhecido à Igreja o Cânon completo dos li­vros sagrados e as próprias Sagradas Escrituras são nela cada vez mais pro­fundamente compreendidas"

(n° 8).

A S. Escritura arrancada do seu berço anterior e luzeiro concomitante, que é a Tradição oral, está sujeita a ser interpretada subjetivamente de diversas maneiras - o que dá origem às centenas de denominações protes­tantes.

2.2.O específico católico

O que atraiu Wolfgang Tschuschke ao Catolicismo, foi principalmente a Eucaristia.

Por quê?

- Porque a Eucaristia, como perpetuação do Sacrifício de Cristo e co­mo real presença do Senhor Jesus, constitui a verdadeira riqueza do Cristia­nismo e, por conseguinte, da Igreja Católica. Faz que no culto cristão não haja apenas a Palavra e sinais simbólicos, mas, sim, uma história, que começa com a criação do primeiro homem (tipo do futuro ou do segundo Adão; cf. Rm 5,14; 1Cor 15,45-49), culmina na Encarnação ou na vinda do segundo Adão e se estende através dos séculos nos membros do Corpo de Cristo. Tal é o sentido da expressão "Santos Mistérios" ocorrente ao iniciar-se cada ce­lebração eucarísticas[3]. A imagem da videira (cf. Jo 15,1-6) é extremamente significativa no caso: implica que entre Cristo (tronco) e os cristãos (ramos) haja a mesma seiva, a mesma vida: é a seiva de Cristo que frutifica nos ra­mos, de modo que São Paulo podia dizer: "Vivo eu, não eu; é Cristo que vi­ve em mim" (Gl 2,20) e São João: "Vede com que amor Deus nos amou: so­mos chamados filhos de Deus. E nós o somos:" (1Jo 3,1).

Portanto o conceito de SACRAMENTO (a Igreja é Sacramento, os se­te ritos habituais são sacramentos) é realmente o grande diferencial existen­te entre Catolicismo e Protestantismo. Sem o Sacramento neste sentido am­plo, o Cristianismo se esvazia enormemente, reduzindo-se às dimensões de uma escola de bons costumes, de uma sociedade que interpela e estimula o psíquico (conhecimento e afetos), ou ainda a um sistema de curas e "exor­cismos" (como acontece, conseqüentemente, nas mais recentes denomina­ções protestantes).

A noção de SACRAMENTO garante a objetividade ou uma realidade transubjetiva (não meramente subjetiva) do culto e da vida cristãos. É me­diante sua união sacramental com Cristo que todo cristão, mesmo pregado à cruz (ou ao seu leito de dor) leva uma existência espiritualmente fecunda, pois pode dizer com São Paulo: "Completo em minha carne o que falta à Paixão de Cristo em favor do seu Corpo, que é a Igreja" (CI 1,24).

2.3. Politização

Wolfgang Tschuschke refere-se à politização que invade certos setores do Luteranismo e o desvirtua ou empobrece. Esta observação interessa mui­to a alguns ambientes católicos, que sofrem o mesmo perigo e que já experi­mentaram os frutos negativos de tal onda; os fiéis se afastam da Igreja quan­do aí não encontram o que Ela tem de específico a dar-lhes. O ministro ca­tólico sabe que a mensagem da fé continua a ser procurada pelos homens de hoje; o ser humano traz no fundo de si a ânsia do Transcendente e do Abso­luto, de tal modo que, quando ele não cultua o verdadeiro Deus, cria seus ídolos ou suas religiões seculares com falsos absolutos, como lembra oportu­namente o Documento de Puebla:

“As ideologias trazem em si mesmas a tendência a absolutizar os inte­resses que defendem, a visão que propõem e a estratégia que promovem. Neste caso, transformam-se em verdadeiras 'religiões leigas' Apresentam-se como uma explicação última e suficiente de tudo e se constrói assim um no­vo ídolo, do qual se aceita às vezes, sem se dar conta, o caráter totalitário e obrigatório. Nesta perspectiva não é de estranhar que as ideologias tentem instrumentalizar pessoas e instituições a serviço da eficaz consecução de seus fins. Eis o lado ambíguo e negativo das ideologias" (n° 536).

2.4. Casos paralelos

O entrevistado menciona casos de pastores luteranos que se fizeram católicos nos últimos tempos. Em PR 259/1981, pp. 387-391, tem-se a notí­cia de que também diversos ministros anglicanos recentemente pediram ad­missão na Igreja Católica e foram acolhidos, chegando mesmo a receber o sa­cramento da Ordem. A Congregação para a Doutrina da Fé emitiu a respeito uma Declaração publicada a 1°/04/81: entre outras coisas, explica que tais ex-ministros anglicanos se tornaram sacerdotes católicos no uso de suas atri­buições conjugais, mas que se tratava de casos individuais, os quais não afe­tam as normas do celibato sacerdotal.

***

Em conclusão: o caso de Wolfgang Tschuschke merece admiração pela sinceridade e a coragem de que deram provas o ex-pastor e sua esposa. As ra­zões alegadas pelo entrevistado dão muito que pensar aos fiéis católicos, aos quais o Senhor concedeu denso patrimônio espiritual a ser conservado com amor e transmitido fielmente ao mundo.

____

NOTAS:

[1] Com nome mais recente dir-se-ia: Livro da "Liturgia das Horas"

[2] Sendo casado, W. Tschuschke precisa de especial licença para ser ordenado presbítero.

(N.d.T.)

[3] Ver Curso de Liturgia por Correspondência, Módulo 7. Caixa Postal 1362, 20001 Rio (RJ).

Conversões: pastores protestantes se tornam católicos

(Revista Pergunte e Responderemos, PR 419/1997)


Em síntese: A revista norte-americana SURSUM CORDA! Special edition 1996, refere a notícia de que nos últimos anos cinqüenta pastores protestantes se converteram ao Catolicismo, sendo que outros mais es­tão a caminho da Igreja Católica. Cita vários casos de tal ocorrência, ex­pondo os motivos que levaram tais cristãos à conversão. As três razões mais freqüentemente apontadas são as seguintes: 1) o subjetivismo que reina nas denominações protestantes em conseqüência do princípio do "livre exame da Bíblia"; cada cristão é tido como apto a interpretar a Pala­vra de Deus segundo lhe pareça; 2) o retorno à literatura patrística ou dos oito primeiros séculos da Igreja, evidenciando o modo de entender a fé professada pelos antigos cristãos; 3) a definição do cânon da Bíblia, que não é deduzida da própria Bíblia, mas sim da Tradição oral, que é anterior à Bíblia e a identifica ou abona, indicando o respectivo catálogo.

***

A revista norte-americana SURSUM CORDA!, Special edition 1996, refere a notícia de que nos últimos anos, cinqüenta pastores protestantes se converteram ao Catolicismo, sendo que outros mais estão a caminho da Igreja Católica. O artigo respectivo, da autoria de Elizabeth Althau, tem por titulo Protestant Pastors on the Road to Rome (pp. 2-13). Cita vári­os casos de tal ocorrência, expondo os motivos que levaram tais cristãos à conversão. Visto o significado muito atual de tal fenômeno, publicamos, a seguir, em tradução portuguesa, quatro de tais relatos.

1. INTRODUÇAO

Nos últimos dez anos, no mínimo cinqüenta pastores protestantes, na maioria evangélicos, renunciaram às suas funções e encontraram o caminho para a Igreja Católica. Cada qual passou por conflitos da mente e do coração, cada qual sacrificou conforto e segurança. Muitos haviam sido induzidos, por especial doutrinação, a temer e desprezar a Igreja Católica; os demais simplesmente consideravam-na como a mais errô­nea de todas as seitas.

Já que um dos fatores mais penosos dessa caminhada é a solidão, alguns dos ex-pastores constituíram uma sociedade chamada The Net­work (A Rede) para se ajudarem mutuamente na caminhada. Dos cento e cinqüenta membros dessa sociedade, cerca de cem ainda estão desen­volvendo seu processo de conversão. E a lista vai crescendo...

2. EXCOMUNGADO: BILL BALES

Bill Bales cresceu em ambiente presbiteriano progressista em Bethesda, Md. "Eu tinha uma espécie de fé adormecida em Cristo", lem­bra ele. "Eu não tinha vida de oração regular nem praticava o estudo da Bíblia. Essas coisas eram, para mim, secundárias".

Bales matriculou-se num curso preparatório para a Faculdade de Medicina numa Universidade americana; jogava futebol. Contraiu uma lesão pulmonar, que o obrigou a penosa cirurgia.

"Comecei a contemplar coisas tais como a morte. Passei a conviver com cristãos que tinham uma fé robusta. Comecei a rezar: 'Se Deus exis­te, que Ele se revele!'. Se existisse realmente, eu ficaria feliz por crer nele. Comecei a ler a Bíblia, e algumas páginas da mesma tomaram sen­tido para mim".

Passou a freqüentar uma igreja presbiteriana mais tradicional, e fi­cou impressionado pela conduta de muitos de seus membros. "Cristo era uma realidade. Você podia ter um relacionamento com Ele. Não era um feixe de palavras vazias".

Bales deixou de lado seus planos de estudar Medicina. Pôs-se a trabalhar por dois anos numa Pastoral de Juventude de uma igreja presbi­teriana; depois fez-se pastor numa igreja não denominacional (não conven­cional) protestante. "Mas eu tinha que entrar num Seminário, caso eu qui­sesse continuar o meu ministério pastoral. Eu desejava mais aprendiza­gem - e também algum tempo para pensar a respeito de certas idéias e possíveis soluções. Havia tantas indagações que me surgiam na mente!".

Bales entrou para o Gordon Conweli Theological Seminary, institui­ção séria interdenominacional em South Hamilton, Mass. Essa época foi, para ele, maravilhosa.

"Reverenciavam a Escritura. Alguns dos professores que eu freqüen­tava, interpretavam o Antigo Testamento de maneira semelhante à dos Padres da Igreja[1] e bem melhor do que muita gente no

evangelismo. Não estudávamos a fundo os Padres. Tratava-se mais de uma escola de trei­namento para pastores do que de uma escola de graduação".

Terminados os estudos em 1985, Bales aceitou o encargo de pastor associado na igreja presbiteriana de Gainesville, na Virgínia. A princípio ele esteve ali muito feliz.

"Mas na primavera de 1988, algumas das questões que eu nunca con­siderara realmente ou que abordara superficialmente, começaram a emer­gir. A mais crucial era a da definição do cânon das Escrituras. Quem tinha a autoridade necessária para definir o conteúdo do catálogo sagrado? É esta uma questão fundamental. Senti-me mais e mais estranho à respos­ta calvinista, que eu sempre professara[2]; as outras sentenças proferidas no mundo protestante, fora do Calvinismo, pareciam-me muito lacunosas.

Eu não estava a ponto de ser atraído pelo Catolicismo, embora eu acreditasse que devia haver uma resposta para as perguntas que eu le­vantava. Desde que Scott Hahn, meu amigo dos tempos do Seminário, se convertera ao Catolicismo, estava a conversão no meu subconsciente. Na seqüência dos tempos, eu sentia que devia ser plenamente honesto, reconhecendo a fragilidade da minha posição relativa ao cânon.

Uma saída, não satisfatória, porém, seria passar-me para uma mo­dalidade de protestantismo mais liberal. Se Deus não instituiu uma auto­ridade sobre a terra capaz de decidir a respeito de certos problemas, en­tão parecia-me que tudo ia pelos ares. Eu não conseguia contornar essa questão".

Mas, se o Catolicismo era uma possibilidade, Bales tinha uma série de leituras a fazer, uma série de respostas a confrontar. Ele encontrou o Development of Christian Doctrine, de Newman, o The Spirit of Catholicism de Karl Adam, e algumas obras de Louis Bouyer especial­mente interessantes.

"Mais e mais me convenci, através do estudo da história, de que a doutrina católica já era professada na antigüidade, talvez em termos me­nos desenvolvidos, mas já presentes aos antigos. Convenci-me também, mediante as Escrituras, de que, na maioria dos casos em que havia uma definição (como a do primado de Pedro) ou ainda nos casos controverti­dos, a Igreja Católica tinha a melhor argumentação; isto não quer dizer que eu havia de decidir minha filiação à Igreja por­

efeito de alguma passagem bíblica. Eu via também que, de modo muito lógico e compreensível, a Igreja Católica tinha crescido, favorecida pela ação de Deus. Parecia-me mais razoável pensar assim".

No fim de 1989, Bales se sentia pouco à vontade no exercício do seu ministério e da sua pregação. Renunciou a eles no começo de 1990.

"Eu tentava conceber uma imagem pouco atraente do presbite­rianismo. Os presbiterianos tinham sofrido outras defecções: as de Scott Hahn e a de Gerry Matatics, por exemplo. Havia um punhado de crentes que não queriam deixar-me partir".

Bales julgava que podia ter evitado uma excomunhão formal se se transferisse primeiramente para uma Igreja episcopal. Mas ele estava sin­ceramente certo de que a Igreja Católica era o seu destino, e ele não o queria negar de público. Em conseqüência, o processo de excomunhão contra ele foi iniciado.

"Encontrei-me três ou quatro vezes com pequenas comissões. Da primeira vez tentaram-me compreender e colheram informações para ins­tituir o processo jurídico. Não houve jamais alguma mesquinhez. A terça parte do presbitério votou pela não-excomunhão; não houve unanimidade".

Quais são as conseqüências da excomunhão no presbiterianismo?

"Existe a concepção generalizada, declara Bales, de que o exco­mungado tem que se arrepender, pois está imerso em determinado tipo de pecado. O modo de tratar o excomungado varia de paróquia para pa­róquia. A minha paróquia era de linha muito dura. Essa dureza intimidava.

Abandonar a paróquia era molesto. Eu o via como se fosse morrer para toda aquela gente.

A voz dos nossos amigos era suave. Mas a chefia não estava em absoluto interessada em que algum membro da congregação continuas­se a ser meu amigo... A comunidade era muito fechada. Ali havia muitas amizades profundas, um monte de gente boa".

Bill Bales foi recebido na Igreja Católica na festa dos Santos Anjos da Guarda (2/10) de 1990.

3. PATO MORTO: MARCUS GRODI

Marcus Grodi cresceu numa igreja luterana um tanto liberal, perto de Toledo, Ohio. Era ativo no Grupo Jovem, catequizava e confirmava os colegas na fé. "Conheci muitas coisas", disse ele, "mas não penetraram em meu coração". "Os acampamentos de verão dos jovens da Igreja pa­reciam preparados mais para uma exibição de música do que para temas espirituais".

Os colegas de Grodi na Escola Superior provinham de diversas de­nominações religiosas, não, porém, do Catolicismo. "Minha visão do Ca­tolicismo não era extremamente negativa, mas trazíamos um monte de interpretações mitológicas da Igreja Católica, que se encontrava do outro lado da cidade. Imaginávamos que estivesse cheia de superstições, e que o povo estava quase escravizado pelos padres e as freiras".

Marcus, porém, começou a se surpreender, vistas as diferenças exis­tentes entre as denominações protestantes.

Grodi estudava Engenharia em Case Western Reserve. "Passei três anos sem entrar numa igreja", declarou. "Eu estava envolvido numa convivência fraterna e tudo que lhe diz respeito. Finalmente no verão an­terior ao meu último ano experimentei uma profunda renovação da minha fé mediante o testemunho de um amigo - o que representou uma guinada de 180° na minha vida".

Grodi voltou para a sua igreja luterana e achou que as palavras da Liturgia lhe significavam alguma coisa pela primeira vez. "Mas, quando considerei os bancos da igreja, vi estudantes de Escolas Superiores que eram como eu quando tinha a idade deles, a recitar palavras sem as com­preender. Eu concluí então que o liturgicismo tradicional estava morto; ele produzia cristãos de nome apenas, quase destituídos de compreensão. Eu julguei que Deus queria ouvir algo de diferente, não as mesmas coisas cada domingo".

Uma vez formado, Grodi começou a trabalhar como engenheiro e como apóstolo da juventude. Escolheu o congregacionalismo[3]. "Cada igreja congregacional é autônoma e pode decidir a respeito do que ela quer fazer. Ela pode redigir seu próprio Credo. É surpreendente o que algumas igrejas congregacionais, de fato, crêem".

Em 1978,... Grodi entrou para o Gordon-Conwell Theological Se­minary. Muito lucrou nos anos que ali viveu.

"Eu não rejeito meu fundo evangélico. Ele me levou de volta para Jesus Cristo. Colocou em meu coração o sincero desejo de Lhe dar total­mente a minha vida. E creio que foi por causa desta convicção que agora eu sou católico. Mesmo o Seminário Gordon-Conwell, com seu zelo pela S. Escritura e pela verdade (visto que era interdenominacional, evitava as questões controvertidas da Igreja Batista, da Metodista e da Presbiteriana), proporcionou a muitos de nós a ocasião de passarmos para a Igreja Cató­lica".

Grodi voltou para a sua igreja congregacional com entusiasmo e con­vicção. Era uma igreja da Flórida: "Eu não estava lá nem seis meses quan­do percebi que havia algo menos bom no congregacionalismo. Mas eu não sabia indicar exatamente o que era".

Grodi entrou na Igreja Presbiteriana como pastor, mas as dúvidas continuaram. "Como poderia eu estar certo de que nossos pontos de vista presbiterianos estavam corretos em comparação com os de meus irmãos metodistas ou da Assembléia de Deus ou da Igreja de Cristo ou dos anglicanos - ou até dos católicos? Como poderia eu saber que a minha interpretação da Escritura era coerente com aquilo que Jesus Cristo real­mente disse?

Eu queria ser fiel. Eu sabia que um dia comparecerei diante de Jesus Cristo, meu Senhor, e terei que dar contas das almas das pessoas que dirijo. Eu tinha consciência de que eu devia ter certeza de que os meus ensinamentos eram verídicos e o meu procedimento era correto".

Grodi não podia ir pedir ajuda à chefia da Igreja Presbiteriana. "Eu tinha rejeitado quase todos os seus pontos de vista. A maioria deles era muito liberal. Deixavam muita coisa ao arbítrio de cada um. Nove sobre dez ofícios que chegavam ao meu escritório provenientes da chefia cen­tral, iam parar na cesta de papéis.

Não havia normas. Eu estava reinventando o fio condutor. Não teria sentido admitir que Jesus fundou uma Igreja e depois deixou tudo ao léu".

Grodi tentou voltar sua atenção para uma denominação mais con­servadora, mas não se sentia à vontade com o que ele chamava o aspec­to de escolha pessoal vigente entre as denominações protestantes. Re­nunciou então às suas funções de pastor e voltou para Case Western Reserve, com a intenção de conseguir o seu Ph. D. em Biologia molecular e depois associar ciência e religião no cultivo da Bioética. "Eu imaginava que acabaria sendo um professor de Genética ou de Ética em alguma Faculdade".

Não estava longe de terminar a sua tese doutoral quando numa ma­nhã uma notícia de jornal lhe chamou a atenção: "O teólogo católico Scott Hahn fará uma palestra na paróquia local".

Teólogo católico Scott Hahn? "Havia oito anos que não nos víamos. Fui então ouvi-lo, escutei a sua gravação e li o livro Catholicism and Fundamentalism de Karl Keating. Ao cabo de fazer estas três coisas, eu era um pato morto". Grodi pôs-se a ler os antigos Padres da Igreja e a história da Igreja. Ele tinha consciência de que não podia continuar a ser protestante. "Meu problema é que eu não me podia tornar católico. Havia coisas estranhas em demasia. Imagine que você foi

protestante durante quarenta anos e se põe a considerar o Menino Jesus de Praga; este há de parecer realmente estranho. Eu crescera com todos esses preconceitos. A Igreja Católica e a Máfia eram, para mim, a mesma coisa. Os católicos bebiam e fumavam.

Mas verifiquei que, se eu pudesse confiar na autoridade do magisté­rio situado na cátedra de Pedro, tudo mais se assentaria em seu lugar certo. Foi o livro Development of Christian Doctrine de Newman que me convenceu disto. E assim eu já era um católico".

Marcus Grodi foi recebido na Igreja Católica em 1993.

Comentário da Redação de PR: Muito interessante é o raciocínio final de Marcus Grodi. O critério que autentica a Igreja de Cristo ou a Igreja fundada por Cristo, não é a virtude ou o pecado dos seus membros, pois estes são criaturas oscilantes, que, hoje virtuosos, amanhã podem vir a ser pecadores. O critério de autenticidade é a presença de Cristo na Igreja ou, mais explicitamente, a assistência prometida por Cristo à sua Igreja confiada a Pedro e seus sucessores (cf. Mt 16,16-19; 28,18-20; Jo 14,26; 16,13-15). Quem crê nesta promessa de Jesus, adere logicamente à Igreja Católica e sabe considerar o comportamento dos fiéis católicos dentro dos moldes da fragilidade humana (também existente entre os pro­testantes); há entre os católicos certamente belos testemunhos de santi­dade. 0 que importa, porém, é Cristo presente e atuante, e não a conduta dos homens fiéis ou infiéis a Cristo.

4. O HOMEM CÓSMICO: STEVE WOOD

O caminho de Steve Wood para o Seminário Gordon-Conwell foi muito diferente do de Bill Bales e Marcus Grodi. Ele foi educado por pais fiéis e dignos presbiterianos, mas "não como uma criança dócil", dizia ele. "Eu lhes dei muita dor de cabeça. Fui ingrato, rebelde e teimoso". Após um par de anos muito desregrados na mais desregrada república da Univer­sidade da Flórida, Steve desistiu de tudo, e entrou para a Marinha.

Pôs-se a procurar uma alternativa para o hedonismo ou a procura sistemática do prazer. Quando o seu navio estava no porto da baía de Virgínia, Steve empregou o seu tempo livre no Edgar Cayce Institute, apren­dendo misticismo e meditação orientais. Os seus companheiros da Mari­nha chamavam-no "o homem cósmico". Todavia um amigo guru insistiu em que Steve aprofundasse a sua própria religião, antes de procurar mais elevadas formas de consciência de si mesmo.

"Nada quero com o Cristianismo!" protestava Wood. Mas, diante da insistência do seu amigo, Wood comprou uma Bíblia.

"Eles vendem Bíblias no Cayce Institute de todos os tipos. Minha teologia foi fraca, de tal modo

que eu não sabia a diferença entre aqueles que têm `Evangelhos secretos perdidos' e aqueles que não os têm. Já que eu não tinha capacidade de discernir, eu continuava a proferir os meus Ohms, meus mantras diante da prateleira de Bíblias. Por graça de Deus, eu adquiri uma Bíblia autêntica".

Wood julgava que acharia a Bíblia árida e cheia de poeira. Surpreen­deu-se, porém, porque a encontrou muito dinâmica. Logo ele se deixou persuadir da natureza divina e da missão de Jesus Cristo assim como da sua própria pecaminosidade. Ele passou assim por uma profunda e clás­sica conversão evangélica.

Wood sentiu-se atraído pela Capela do Calvário na Califórnia, santu­ário não-denominacional muito impregnado de significado bíblico, que era procurado por muitos jovens. Ele aprendeu a desprezar o Batismo que ele havia recebido como criança, julgando que o Batismo de crianças era um infeliz vestígio do Catolicismo Romano. Estudou hebraico e grego numa escola da Assembléia de Deus e exerceu sua atividade pastoral com a juventude na Capela do Calvário.

A seguir, retornou para a Flórida na esperança de acender nos jo­vens do lugar a fé muito viva que ele havia experimentado na Califórnia. Em 1978 foi ordenado por uma Igreja carismática interdenominacional. Batizou de novo muitos católicos e protestantes. Entrementes encontrou-se com aquela que se tornou sua esposa Karen. Pouco depois, ele se matriculou no Gordon-Conwell Seminary.

Ficou muito surpreso ao aprender que muitos teólogos protestantes de bom nome aprovavam o Batismo de crianças. O casal Steve e Karen Wood estava à espera do seu primeiro filho, o que tornava urgente a solu­ção da questão.

"Eu estava para ser o pai de uma criança chamada à vida eterna e eu queria estar seguro de proceder corretamente. Afinal concluí pela valida­de do Batismo de crianças - conclusão que me foi muito difícil. Não so­mente ela me levou a maior proximidade da Escritura, mas também me fez voltado para a história da Igreja".

Wood tornou-se pastor de uma igreja protestante nova em Venice, Fla., onde ele serviu durante quase dez anos. Continuava a estudar e a perguntar como Cristo queria que fosse a sua Igreja. Levou sua congre­gação a filiar-se à Igreja Presbiteriana da América, e pôs-se a ler sempre mais assiduamente os antigos Padres da Igreja. "Se você quer encontrar a Igreja, eis os seus sinais a ser descobertos: una, santa, católica e apos­tólica, como refere o Credo de Nicéia (325), pelo qual nós professamos a nossa fé. Os reformadores protestantes mudaram as notas de identidade da Igreja e, se você muda as notas, nunca encontrará a Igreja.

A Igreja é una. Mas um diagrama da Igreja Presbiteriana nos dois últimos séculos se parece com o desenho esquemático para uma placa de computador".

Wood meditou muito sobre a oração de Cristo na sua última ceia. Ele pediu em prol da unidade da Igreja. Wood estava convicto de que Cristo tinha em vista não apenas uma unidade espiritual dos crentes, mas sim uma unidade visível, tão perceptível que os não crentes a pudessem des­cobrir, como Jesus disse, a fim de acreditarem.

Ele pregou sobre essas notas num sermão datado de 1986. Disse aos seus fiéis que não compreendia como podia acontecer que essa ora­ção de Cristo podia ficar sem resposta.

"A Igreja Católica ficava ainda fora de cogitação para mim. Você sabe que algumas vezes a verdade é identificada com uma pessoa para que o impensável se possa tornar pensável

Sim. Eu ouvi dizer que Scott Hahn era uma causa perdida. Mas eu pensei que era meu dever chamar Gerry Matatics e falar-lhe da Igreja".

Wood se esforçou. Ele se adentrou nos Padres da Igreja antiga. Ele conversou com sua esposa. A questão do governo da Igreja tornou-se obscura, não mais clara:

"Os Apóstolos impuseram as mãos sobre homens, e os designaram como oficiais da Igreja".

Wood fora perturbado durante anos pela tese protestante referente ao vínculo matrimonial. Ele então estava chegando à conclusão de que Cristo o queria indissolúvel. Desanimado por causa da esterilidade de um ativismo em favor da vida que durara muitos anos, ele começou a perce­ber que somente a santidade do casamento podia oferecer um funda­mento sólido para se conceber a santidade da vida.

Ele preparou um sermão sobre Oséias, o profeta do Antigo Testa­mento cuja esposa se foi para tornar-se uma prostituta.

"Deus mandou a Oséias que trouxesse de novo a sua esposa para casa. E serviu-se do adultério dessa mulher para ilustrar a apostasia do povo de Israel. Como procederia eu para apresentar a lei de Cristo, que era também a da Igreja Católica, a uma assembléia protestante? Pior ainda: depois que terminei o sermão, tomei consciência de que não devia dar a comunhão a pessoas divorciadas e de novo casadas".

Ele se desculpou junto à congregação, pronunciou uma bênção e partiu para o seu escritório. Os mais antigos o seguiram e aceitaram a sua renúncia ao cargo.

Poucas semanas depois, Wood foi cumprir uma sentença que o con­denava a sessenta dias de prisão por ter, numa Clínica, dissuadido al­guém de abortar. Na prisão ele leu muito e pediu luzes a Deus para que descobrisse a verdadeira Igreja. Ele esperava receber uma inspiração. Em lugar disto, ele recebeu uma visita: a visita do Bispo de Venice.

Steve e Karen Wood foram recebidos na Igreja Católica em julho de 1990.

5. MISSIONÁRIOS ENVIADOS AO CATOLICISMO

Muitos dos convertidos do protestantismo ao Catolicismo começam por questionar as suas crenças protestantes ao perceberem as muitas interpretações dadas à S. Escritura por homens de boa vontade.

Kristine Franklin foi educada como "uma cristã bíblica" fundamentalista em Tacome (Washington).
O seu marido Marty era de família episcopal
(anglicana) e fora batizado numa comunidade chamada "Vida Jovem" (anglicana).

Explica Kristine Franklin que aprendeu desde criança a valorizar enor­memente a vocação de missionário(a) em terra estrangeira: "Meu irmão e minha irmã mais velhos se tornaram missionários, ele na Espanha, em El Salvador, em Costa Rica e no México, afastando os católicos das igrejas de Roma. Minha irmã e seu marido foram à Nova Guiné".

Logo depois de se casarem, Marty e Kristine se puseram a planejar sua atividade missionária. Levaram oito anos a se preparar para tanto, e dois anos e meio para angariar fundos que lhes permitissem viajar para além-mar. O casal foi primeiramente para Costa Rica, depois para a Guatemala.

Havia na Guatemala grande número de missionários protestantes, trabalhando entre católicos. Dizia Kristine: "... trabalhando com grande sucesso, porque os católicos não estão devidamente instruídos na fé e - esta é minha opinião - porque os missionários americanos, ao chegarem, oferecem vantagens de vida de estilo americano".

Disse ainda Kristine: "Quando estávamos na Guatemala, várias coi­sas se tornaram muito claras para mim. Uma delas era que, apesar de toda a minha educação religiosa, eu nada sabia a respeito do Catolicismo. Só tinha noção daquilo que me haviam dito e de que era uma religião falsa".

Num grupo de estudos da Bíblia Kristine Franklin encontrou pela pri­meira vez uma católica romana muito fiel.

"Olhando para trás agora, verifico que ela foi para mim um desses marcos ao longo da estrada. Era

uma mulher profundamente devota, provavelmente da minha idade; não era missionária. Tornava-se muito claro, a partir das suas palavras e da sua conduta, que era uma católica muito dedicada a Jesus Cristo. Foi surpreendente para mim, depois que ela se foi, ouvir as outras mulheres se referirem às suas tentativas de a evan­gelizar, pois era óbvio, para mim, que ela não precisava de ser evan­gelizada.

Outra coisa que me impressionou, é que meu marido estava dando aulas para crianças norte-americanas e canadenses, pertencentes a cer­ca de quarenta denominações. Assim pudemos tomar consciência do que era o protestantismo americano na América Latina; também fomos bom­bardeados pela realidade do protestantismo, que é um conjunto de gru­pos nos quais cada um tem sua mensagem própria.

Entre aqueles que trabalham em áreas rurais, há um acordo tácito sobre essas diferenças: de um lado da montanha, acham-se os pente­costais e, do outro lado, os metodistas. Estes dizem àqueles: 'Se vocês não ensinarem ao meu povo que ele tem que falar em línguas para rece­ber o Espírito Santo, nós não diremos à gente de vocês que eles têm que batizar suas crianças".

Além de sentir-se perturbado por essa ampla variedade de doutrinas e práticas existentes entre os missionários, o casal Franklin foi impressio­nado pelo analfabetismo ou quase analfabetismo de alguns membros do clero protestante.

Alguns têm apenas a instrução primária e logo são feitos pastores. Outros proclamavam a si mesmos ministros do Evangelho, sem ter o de­vido aprendizado; talvez tivessem um exemplar de partes da Escritura Sagrada. Eles traziam um monte de perguntas. Você não pode traduzir a Bíblia para o linguajar da cada um deles. Você tem que lhes ensinar uma maneira totalmente nova de ver o mundo. E você tem que lhes transmitir um sistema de interpretação da Bíblia.

E aqui está a pergunta: ... qual sistema?"

Apesar de tudo, esta não era a questão mais difícil.

"Para mim, era realmente intrigante o fato de que eu vinha de um nível de instrução e vivia numa região em que havia 60% de analfabetos. Comecei a me colocar perguntas como: 'Como alguém se pode tornar cristão se não sabe ler? Se minha responsabilidade, como cristã, consis­te em conhecer minha Bíblia por dentro e por fora e entender de teologia e estudá-la diariamente e chegar a conclusões teológicas próprias (quero dizer que o protestantismo está baseado na interpretação pessoal que cada um dá à Bíblia), como é que aquele povo poderia realizar isso?

Que é que esse povo tem de cristão se ele não sabe ler? E nunca chegarão a ler. Que é que Deus jamais teve em vista para eles? E pense agora: há atualmente poucos séculos que tais povos da América Latina podem conseguir ler, mas no resto do mundo há uma multidão de gente que não sabe ler. Que é o Evangelho para eles? Quem será responsável pela tarefa de ir até eles para lhes pregar a verdade?

O casal Franklin pôs-se a discutir estas e outras perguntas. Se, de um lado, havia boas novas pelo fato de que Guatemala se estava protes­tantizando, de outro lado a história da Europa Ocidental sugeria que as coisas não iam tão bem.

"As nações européias que se passaram para o protestantismo em conseqüência da Reforma, são agora países sem Deus. Quando a Refor­ma os atingiu, os povos foram protestantizados por um certo número de gerações; depois destas, quase como conseqüência natural, se tornaram sociedades atéias.

De acordo com o meu modo de ver, isto acontece porque, se você introduz o princípio do livre exame e da interpretação privada (pessoal) da Bíblia, você, na verdade, está introduzindo o povo no conceito de que a verdade é algo de subjetivo. Ora o Catolicismo e nossa fé cristã estão baseados em verdades objetivas.

E o povo pode deixar de crer em princípios absolutos de Moral. Na igreja protestante da Guatemala, de classe média, em que nós servía­mos, havia um bom número de pessoas divorciadas e casadas de novo. Perguntamos a um desses casais com que fizemos amizade: 'Como é que vocês puderam renascer? Como é que vocês se tornaram protestan­tes?' A esposa do homem em questão o abandonara e ele não consegui­ra anular seu primeiro casamento... Foi-me parecendo que o protestantis­mo na Guatemala está muito ligado ao modo de vida norte-americano. Ele se parece com algo importado, à semelhança dos hamburgers de McDonald e Reebok”.

A igreja na qual o casal Franklin servia, distava, de sua casa, cerca de dez milhas. Num domingo eles voltavam de carro para casa com seus dois filhos. Passaram diante de uma igreja católica que ficava a dois quar­teirões da sua residência.

"Minha filha, que tinha quatro anos aproximadamente, disse: 'Mãe, por que não entramos na igreja católica?' Tomei consciência de que eu não tinha resposta. Eu não podia dizer: 'Porque eles não ensinam a ver­dade', pois eu não pensava assim... Pude verificar que nós, os protestan­tes, escolhíamos as nossas igrejas de acordo com a nossa doutrina pes­soal. Isto faz de nós a autoridade suprema, que julga o que é verdade e o que é correto. Isto realmente me impressionou: minha interpretação da Escritura é o critério da verdade. Eu escolho minha verdade. Eu escolho minha verdade cristã.

Então começamos a ler uma série de livros de história da Igreja. Fomos servir numa igreja episcopal, que ficava nos arredores. Nunca nos tínhamos aproximado do Catolicismo. Meu marido não entendia a Liturgia. Eu nunca tinha assistido a um ofício litúrgico

Qual foi nossa impressão ao presenciarmos um cerimonial litúrgico pela primeira vez?

Eu gritei. Sentia-me tão bem que me ajoelhei para a Comunhão. Havia ali uma beleza, embora tudo me parecesse muito estranho. Era bonito ver as crianças ser levadas ao Batismo. Eu fora educada numa tradição anabatista, que não aceita o Batismo de crianças, de modo que eu nunca vira tal coisa. Era grandiosa a ênfase dada à Liturgia, na qual a Eucaristia se sucedia ao sermão.

Em meu coração havia algo que eu nunca experimentara antes. Não sou uma pessoa que anda à cata de experiências, mas o que eu via era muito profundo e muito emocionante. Meu marido tinha o claro sentimen­to de estar entrando em sua casa.

Apesar disto tudo, faltava-nos alguma coisa. Não pudemos ficar muito tempo na igreja episcopal, pois a teologia ali era quase nula. Renuncia­mos à nossa missão, e voltamos para os Estados Unidos. Não sabíamos ainda onde íamos parar. Só sabíamos que não podíamos continuar a ser protestantes".


O casal
Franklin tinha deixado nos Estados Unidos uma igreja muito dinâmica. Não podiam voltar para ela.

"Era difícil, pois lá tínhamos amigos. Não sabíamos onde nos agar­rar, mas sabíamos onde não nos agarrar. Apesar de tudo, procuramos a igreja episcopal nos Estados Unidos. Era um bom oásis. Neste começa­mos a estudar seriamente a doutrina católica. Não tardou muito e já podí­amos superar a antítese 'Escritura versus Igreja'. Já não era difícil fazer­mos a síntese entre uma e outra. Algumas das outras doutrinas ainda nos pareciam difíceis... Mas, já que tínhamos vivido fora da nossa cultura, havíamos aprendido a considerar as coisas com olhos diferentes. Era o que acontecia: tínhamos aprendido a olhar o Catolicismo um pouco mais como ele é ou sem preconceitos.

Para nós, a grande questão era: 'Que é a verdade? E como a pode­mos reconhecer? E sobre que base hão de repousar nossas crenças? Como havemos de decidir?' Quando nos pusemos a comparar a face nítida da Igreja Católica com a face nítida do protestantismo, a Igreja Ca­tólica ganhou nos planos da lógica, da história, da filosofia e da Escritura. Todas as nossas respostas lá se encontravam".

Marty e Kristine Franklin foram recebidos na Igreja Católica em abril de 1996.

6. REFLETINDO...

Os testemunhos atrás citados sugerem, entre outras, três reflexões principais.

6.1. Subjetivismo

Um dos grandes motivos para a conversão dos irmãos em pauta foi o subjetivismo do protestantismo. Cada crente é incitado ao livre exame da Bíblia, donde cada qual deduz seus princípios de fé e de Moral. É isto que explica o esfacelamento da Reforma: na época em que Marty Franklin ensinava, havia crianças de quarenta denominações protestantes na tur­ma. Encontram-se também crentes que estão fora de alguma denomina­ção ou de algum sistema e se guiam unicamente pela Bíblia, lida e enten­dida segundo lhes parece. Tais atitudes não podem deixar de esvaziar o próprio Cristianismo, pois há denominações oriundas do protestantismo que já não são cristãs, como as Testemunhas de Jeová, os Mormons, a Ciência Cristã...

Os séculos XVI e XVII deram origem ao subjetivismo do pensar ou à relativização da verdade. Lutero (+1546) foi o arauto desse subjetivismo em matéria de religião, e Descartes (+1650) o foi no tocante à Filosofia. De Descartes em diante a Filosofia se volta quase exclusivamente para a capacidade de conhecimento do homem e vai relativizando a verdade, tanto no sensismo (Thomas Hobbes, Condillac) como no idealismo (Kant, Hegel).

Ora Deus não se terá revelado aos homens, entregando ao léu ou ao arbítrio dos homens a sua Santa Palavra. Era sábio instituir uma instância que garantisse a conservação incólume da sua mensagem: foi o que Je­sus Cristo fez, confiando a Pedro e seus sucessores a guarda do Evange­lho (cf. Mt 16,16-19; Lc 22,31s; Jo 21,15-17; Jo 14,26; 16,13-15); a única Igreja fundada por Cristo tem a certeza de que Jesus lhe está presente e lhe assiste até o fim dos tempos (cf. Mt 28,18-20) de modo que nela se mantém intata a verdade transmitida pelo Senhor Deus aos homens. A verdade é algo de objetivo, independente do parecer subjetivo e da cultu­ra dos homens (isto não quer dizer que ela não interpele pessoalmente a cada ser humano).

É, pois, na Igreja Católica que se encontra o depósito da fé íntegro e fielmente conservado. Este

depósito é como uma semente que vai desdobrando suas virtualidades, de modo que no decorrer dos tempos se vão descobrindo as riquezas contidas na semente da Palavra de Deus; essa descoberta é homogênea ou está em continuidade com suas ori­gens e é garantida pela assistência do Senhor Jesus e do seu Espírito.

6.2. A Definição do Cânon (catálogo) bíblico

Um dos pontos cruciais que abalaram os convertidos em foco, era o de saber como se definiu o catálogo dos livros sagrados. Certamente não é a própria Bíblia que delimita o seu catálogo; é algo de fora da Bíblia, anterior à Bíblia ou é a Tradição oral. É esta que autentica e recomenda os escritos sagrados. Por conseguinte, é ilusório dizer alguém que segue somente a Bíblia; segue, sim, a Tradição oral que apresenta a Bíblia e, consequentemente, apresenta o sentido ou a interpretação da Bíblia. Os católicos seguem a Tradição oral que parte de Jesus Cristo e dos Apósto­los. Os protestantes seguem a Tradição oral que vem dos judeus de Jâmnia e que é adotada pelo fundador da respectiva denominação (Lutero, Calvino, Wesley...); este fundador do século XVI ou posterior dá início à tradição oral e ao modo de interpretar a Bíblia próprios dos luteranos, dos calvinis­tas, dos metodistas... Assim os protestantes têm também sua tradição oral, que é anterior à Bíblia e a acompanha...; todavia é tradição oral que não começa com Jesus Cristo e os Apóstolos, mas começa com um ho­mem "iluminado" dos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX, XX...

6.3. A História do Cristianismo

Os convertidos de que falam os relatos atrás, verificaram que o Cris­tianismo não começou com Lutero nem com Calvino, nem com Wesley..., mas começou com Jesus Cristo. É importante, portanto, retroceder para trás do século XVI e considerar a literatura cristã dos primeiros séculos ou os escritos ditos "patrísticos" (que vão até o século VIII); tais escritos, como os de S. Justino (+165), S. Ireneu (+202), Orígenes (+250), S. Basílio (+379), S. Atanásio (+373), S. Leão Magno (+461), S. Gregório Magno (+604)... são ainda o eco vivo da pregação dos Apóstolos e dos discípulos dos Apóstolos; não há melhores intérpretes da Palavra de Deus do que tais autores. Foi o que Henry Newman e a Escola de Oxford veri­ficaram na Inglaterra do século passado, suscitando importante movimento de volta ao Catolicismo. O Cristianismo não começa no século XVI (nem recomeça em tal época), mas tem início em Cristo e na geração dos Após­tolos, que Ele formou e dotou dos carismas do Espírito Santo para que transmitissem incólume a verdade do Evangelho.

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NOTAS:

[1] Padres da Igreja são aqueles escritores que contribuíram para a reta formulação das verdades da fé relativas à SS. Trindade, a Jesus Cristo, à Igreja, à graça... São padres (= pais) mediante a transmissão da Palavra da vida. A época patrística termina com S. Gregório Magno no Ocidente (+ 604) e no Oriente com S. João Damasceno (t+749). (Nota do tradutor).

[2] Para os reformadores protestantes em geral, um livro é inspirado por Deus se produz abundantes frutos espirituais para o leitor ou se é escrito em belo estilo literário ou, ainda, se é de origem apostólica. Como se vê, o primeiro critério é muito subjetivo; o segundo não se aplica a vários livros da Bíblia, cujo estilo deixa a desejar (cf. Apocalipse). Conforme o terceiro critério, poder-se-ia pôr em dúvida a inspiração e a canonicidade de alguns livros do Novo Testamento. (Nota do tradutor).

[3]Congregacionalismo é a denominação protestante em que a Congregação governa a si mesma mediante os pastores que ela escolhe. Não reconhece hierarquia. (Nota do tradutor).